A lei das Cotas das Pessoas com Deficiência e a Reforma Trabalhista

08/04/2020 às 15:25
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A Lei 8213/91, conhecida como Lei das Cotas, é assunto de extrema relevância nas políticas públicas e deve ser analisado sob o prisma da Refor Trabalhista e do Direito Coletivo, ressaltando seu interesse no âmbito do Direito Internacional e Previdenciário

 

Maria Rafaela de Castro1

 

 

 

 

Introdução

 

A Lei 8213/91, conhecida como Lei das Cotas, é assunto de extrema relevância nas políticas públicas e deve ser analisado sob o prisma da Reforma Trabalhista e do Direito Coletivo, ressaltando seu interesse no âmbito do Direito Internacional e Previdenciário.

Neste sentido, propõe-se analisar a fundamentação da Lei das Cotas no direito brasileiro, bem como a possibilidade ou não de negociação coletiva e se houve mudança no seu regramento após a Reforma Trabalhista.

A Lei das Cotas, especificamente, no art. 93, trata da inserção no mercado de trabalho das pessoas com deficiência, tanto como meio de inclusão social, como no prisma de proporcionar heterogeneidade nas relações de trabalho, pois as aptidões de cada pessoa podem ser valorizadas em determinadas atividades e, principalmente, gerar um desenvolvimento mais amplo e participativo da sociedade.

Desta feita, em um primeiro momento, analisar-se-á a Lei de Cotas, propriamente dita, com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), também conhecida como Lei Brasileira de Inclusão, para observar as exigências legais.

Em um segundo momento, observar se referida legislação sofreu alterações com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e se existe, e, num último momento, expor os limites por parte do direito coletivo brasileiro para normatizar a matéria.

Os objetivos do referido artigo são: trazer à tona a discussão sobre a Lei das Cotas, bem como informar sobre suas principais nuances e trazer uma visão atual do tema após a Reforma trabalhista, sem olvidar sobre o direito coletivo e o poder normativo2. Além disso, propiciar maior conhecimento na sociedade sobre o trabalho das pessoas com deficiência.

 

Palavras – Chaves: Cotas – Deficiência – Normativo – Reforma - Trabalhista.

 

      1. Pessoa com deficiência e a inserção ao mercado de trabalho: impositivos legais.

Registra-se a preocupação da Organização Internacional do Trabalho em relação às pessoas com deficiência a partir da 1a Guerra Mundial em que muitas pessoas foram vítimas dos conflitos armados, voltando para seus lares mutiladas e teriam que ser, novamente, inseridas no mercado de trabalho.

As péssimas condições de trabalho nas primeiras fábricas, a ausência de normas protetivas do trabalho e de previdência social na maioria dos países e os resultados do Pós-Guerra, tornaram essencial a criação de um órgão máximo que introduzisse as discussões e direitos das pessoas no trabalho.

Ao seu turno, a Segunda Guerra Mundial, com a massividade dos danos e a legião de pessoas com deficiência que ocasionou, com a expressiva perda da população economicamente ativa nos países europeus e Estados Unidos, tornou mais urgente deliberar sobre as questões da inclusão no trabalho e da reabilitação profissional das pessoas com deficiência.

Ademais, era preciso criar mecanismos de defesa da igualdade e garantias a não discriminação, após o nazismo e a devastação aos Direitos Humanos causadas pelas consequências da 2a Guerra, como o holocausto, por exemplo.

A população mundial de pessoas com deficiência é considerável, incluindo, a população brasileira. Então surgiu a preocupação de inserir a mão de obra no mercado de trabalho. Porém, surge o questionamento: Quem é a pessoa com deficiência?

O Estatuto da Pessoa com Deficiência traz no artigo 2, parágrafo primeiro, o conceito, com influência internacional: Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação.

Para tais fins, a Lei 8213/91, antes mesmo do Estatuto, estipulou que as organizações de grande porte, acima de 100 empregados, devem preencher de 2% a 5% dos cargos com pessoas com deficiência habilitadas ou beneficiários reabilitados.

A proporção deve obedecer aos seguintes padrões estabelecidos pela lei:

  • 2% para um quadro de 100 a 200 funcionários;

  • 3% para um quadro de 201 a 500 funcionários;

  • 4% para um quadro de 501 a 1.000 funcionários;

  • 5% a partir de 1.001 funcionários.

Além da discriminação das porcentagens, a Lei também estipulou que a dispensa de uma pessoa com deficiência obrigatoriamente deve ocorrer imediatamente com a contratação de outra pessoa com deficiência, sob pena de reintegração da pessoa dispensada, sem prejuízo do pagamento dos salários e demais direitos enquanto perdurou o período da dispensa. Isso para fins de evitar dispensa discriminatória, o que também pode ensejar eventual pedido de danos morais.

Não se pode aduzir que se trata de uma nova modalidade de estabilidade, na medida em que é possível a dispensa de uma pessoa com deficiência, mas apenas existe a estipulação de uma condição.

Numa apreciação literal da Lei das Cotas, a norma condiciona a dispensa, realmente, da contratação de outro portador substituto para ocupar o lugar do demitido3. Isso é inegável. Assim, conclui-se que se trata de uma "dispensa imotivada condicionada", vantagem pessoal, pois a lei indica que a demissão somente pode ocorrer após a contratação de substituto.

No entanto, mesmo com o advento da Lei em 1991, somente depois de nove anos ela foi regulamentada e começou a ser fiscalizada. Houve também a especificação dos tipos de deficiências. E, gradualmente, buscou se dissociar a ideia de incapacidade, invalidez e pessoa com deficiência.

Com isso, nos últimos anos, houve aumento gradativo no número de contratações e maior eficiência na aplicação das regras, com algumas empresas, no país se destacando, podendo citar a empresa Natura, Grupo Pão de Açúcar, Rede Drogasil, Lojas Magazine Luísa etc.

A Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência) proíbe a restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena.

Já houve questionamento acerca da possibilidade ou não de algumas empresas, até pelo segmento que desempenham, como, por exemplo, vigilância armada, submeterem-se ou não à Lei das Cotas, porém, não há argumentos para descumprir a Lei de Cotas, independente do setor da empresa Em suma, a regra vale para todas que se encaixam no perfil definido.

Mesmo assim, no Brasil, nota-se que o número de pessoas com deficiência efetivamente trabalhando no mercado formal ainda é menor do que o estipulado. Porém, não tanto por problemas de contratações por parte do empregador, mas também pela ausência de qualificação do pretenso trabalhador.

Infelizmente, no país de tantos contrastes sociais e econômicos, vê-se que a qualificação profissional e até mesmo acadêmica das pessoas com deficiência é inferior e, principalmente, as oportunidades não são tantas e nem muitas as opções de atividades e ofícios. E, com supedâneo nisso, há também ausência de pessoas qualificadas para ingresso nos quadros das empresas.

Então, tem-se problemas de múltiplos e variados tipos quando se trata de cumprir a Lei de Cotas. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao seu turno, veio, em termos, facilitar a inserção das pessoas com deficiência e, principalmente, permitir que concorram em igualdade de condições, na medida em que trazem com mais força o contrato de aprendizagem e destacadamente a profissionalização e a educação da criança e do adolescente com deficiência.

Atente-se, no entanto, que a própria interpretação dos Tribunais é numa vertente com intuito muito protetivo, podendo gerar o efeito reverso da Lei das Cotas. Isso porque, há um certo rigorismo como a necessidade de contratação automática de outra pessoa com deficiência quando existe a dispensa, mesmo quando a empresa busque atuar acima do percentual previsto na Lei das Cotas.

Isso pode acarretar, na ideia de organização empresarial, uma falta de incentivo para contratar acima do percentual, pela obrigatoriedade que isso gera. Apesar disso, já há uma tendência para reconsideração deste entendimento, o que pode proporcionar maiores chances de emprego às pessoas com deficiência4.

Também ainda há, segundo julgado precedente do Tribunal Superior do Trabalho, o entendimento de que a contratação automática seja no mesmo cargo. Com tudo isso, a Lei das Cotas ainda não atingiu o perfeito nível de aceitação e efetivação no país, tanto por resistência de algumas empresas como também pela precariedade, ainda considerável, da qualificação das pessoas com deficiência. O fato é que a Lei existe e, como tal, deve ser cumprida.

Até se compreende que o rigor da lei se torna necessário por não existir arraigado na cultura pátria a contratação da mão de obra com pessoa com deficiência. E isso se observa até mesmo em nível legislativo, pois somente em 19915, houve previsão de percentuais mínimos de contratação, com regulamentação alguns anos depois.

E somente, recentemente, o Brasil ratificou a Convenção de Nova Iorque, e, posteriormente, o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência. O Brasil também ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (Decreto 6.949/2009).

Essas normas possuem hierarquia de matriz constitucional, estabelecem o compromisso brasileiro em adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para estimular o respeito aos direitos e à dignidade das pessoas com deficiência e combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em diversas áreas da vida, inclusive o trabalho.

Neste aspecto, incorporaram-se no ordenamento brasileiro com força constitucional, inclusive, para fins de aplicação da teoria da vedação do retrocesso social.

Algumas iniciativas empresariais com vista à melhor utilização das aptidões das pessoas com deficiência possuem êxito. Exemplo: algumas empresas de telefonia utilizam a mão de obra de pessoas cegas, haja vista que o senso de concentração é maior, pois se distraem menos com os eventos ao redor e, ainda, desenvolvem um sentido auditivo mais apurado, estando dispostas a ouvir melhor, razão pela qual se revelam bons profissionais em telemarketing, por exemplo.

Outra situação é a de pessoas com surdez que conseguem se concentrar em ambientes mais estressantes, aumentando a produtividade do grupo, pois alheias ao barulho, como em departamentos de contabilidade. Isso significa utilizar, com eficiência, as potencialidades e o ramo de trabalho, contribuindo para o êxito de ambos, e, ainda mais da sociedade.

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Ainda há como exemplo as pessoas com dificuldade de locomoção que poderiam desempenhar com muita eficiência o teletrabalho, fazendo também com que o empregador diminua seus custos operacionais e de manutenção do ambiente de trabalho. E, ainda, a pessoa com deficiência teria uma relação de emprego que lhe permitisse se sentir útil e produtiva, só somando na sua qualidade de vida.

Com base nisso, a matéria ainda está em evolução e nem é de conhecimento amplo, razão pela qual trazer à tona a discussão é necessário para que até mesmo exija um gasto menor na Seguridade Social brasileira, com os repasses ao BPC – benefício de prestação continuada.

Além de receber o salário, que garante mais independência financeira, o empregado se vê inserido na sociedade, interagindo com os colegas e se sentindo produtivo. Essa sensação de bem-estar social é um dos principais focos da lei das Cotas e da Lei de Inclusão, além de possibilitar o acesso ao mercado de trabalho.

Isso porque com a inclusão social, sempre que possível, a pessoa passa a ter uma figuração ativa maior tanto na sociedade como na sua própria vida, atraindo o público empregador e gerando mais renda, o que, ainda, melhora o mercado consumidor no Brasil, pois, afinal, o sistema é capitalista e funciona em escala.


 

          1. Pessoa com deficiência e a Reforma Trabalhista

Apesar de todas as críticas em relação à Reforma Trabalhista, no que tange aos direitos conferidos à pessoa com deficiência, as alterações são aquelas decorrentes da relação de trabalho própria, bem como as peculiaridades no que se refere ao contrato de aprendizagem que não foram alteradas na Reforma Trabalhista.

No entanto, quanto à garantia de isonomia do contrato de trabalho da pessoa com deficiência e demais obreiros deve ser respeitado a qualquer custo, não sendo possível nenhuma discriminação.

Os direitos da pessoa com deficiência prosseguiram na Reforma Trabalhista, podendo ser elencados:

  1. Jornada especial de trabalho, em que a remuneração deve ser compatível com a jornada de trabalho realizada por cada profissional, variando de acordo com a necessidade de cada um. Se a deficiência apresentada pelo empregado exigir algum tipo de redução ou flexibilização do horário, a empresa contratante será obrigada por lei a liberá-lo. Porém, ele receberá um salário proporcional às horas trabalhadas. Neste aspecto, muitos sustentam que os labores em tempo parcial e o contrato intermitente elaborados e especificados com a Reforma Trabalhista podem fomentar o ingresso de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, apesar de todas as críticas em relação ao contrato de trabalho intermitente precarizar as relações de trabalho;

    2) Igualdade salarial: A lei garante aos trabalhadores com deficiência a inexistência de desigualdade no salário, desde que a função realizada seja compatível com a dos outros funcionários da empresa. Se existir alguma diferença na remuneração, isso será caracterizado como uma prática ilícita e discriminatória.

    3) Não houve alteração quanto aos percentuais da Lei das Cotas e nem da obrigatoriedade da contratação de outra pessoa com deficiência imediatamente quando da dispensa.

Além disso, com supedâneo na Lei das Cotas e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem-se que a forma de elaboração do contrato de trabalho, com a Reforma Trabalhista se manteve, tais quais:

  1. não há regra especial quanto à formalização do contrato de trabalho com trabalhador portador de deficiência;

  2. dependendo do grau de deficiência do trabalhador poderá haver horário flexível ou reduzido, com proporcionalidade do salário, quando tais procedimentos se fizerem necessários;

  3. isonomia salarial: Não há qualquer diferenciação quanto ao salário a ser pago, sendo igual aos demais empregados na mesma função, força do art. 7º, incisos XXX e XXXI, da Constituição Federal de 1988 e o art. 461 da CLT;

  4. não há previsibilidade legal de estabilidade para o empregado com deficiência; 5) não há incompatibilidade, ainda, para que a pessoa com deficiência firme contrato de aprendizagem.

Desta feita, entende-se que a Reforma Trabalhista, mediante a flexibilização da jornada de trabalho e regulamentação do teletrabalho estende os caminhos para empresas promoverem adaptações aos profissionais com deficiência, na visão mais otimista, pois além da regulamentação do teletrabalho, importante para as pessoas com dificuldade de locomoção, ainda, melhorou, consideravelmente, os direitos trabalhistas sob o prisma do trabalho a tempo parcial, até porque muitas pessoas com deficiência, até pela continuidade de tratamento, não podem cumprir a jornada de 44 horas semanais, previstas na Constituição da República de 1988.


 

          1. O Poder Normativo nas relações de emprego das pessoas com deficiência.


 

A Reforma Trabalhista trouxe impactos no direito coletivo, como, por exemplo, estipulando as matérias que podem ser objeto ou não de negociação coletiva, através da exposição de assuntos. Nota-se, na verdade, que o critério usado pelo legislador reformista lembra a ideia de divisão dos direitos trabalhistas em indisponibilidade absoluta e relativa.

Quanto ao poder normativo, a Constituição Federal de 1988, deixa assente o poder constitucional das convenções e acordos coletivos como representação próxima e clara da intenção dos sindicatos e empresas em firmarem negociação coletiva.

Houve, então, um inegável respeito por tais negociações, sendo que a Reforma Trabalhista fez as devidas divisões do que pode ou não se alvo de disponibilidade restritiva por parte do poder negociador.

Note-se que o empecilho para as matérias de indisponibilidade absoluta são apenas no que se refere às alterações negativas ou que piorem, pois é uma invocação clara a proibição do efeito cliquet, ou seja, não podem piorar aquilo que, de forma irrenunciável, incorporou-se no patrimônio jurídico da classe trabalhadora, como, por exemplo, a assinatura da CTPS, o direito às férias, os percentuais dos adicionais de insalubridade e periculosidade etc. Então até mesmo estas matérias podem ser objeto de negociação coletiva, porém, no sentido de proporcionar uma melhoria nas condições. O contrário é expressamente vedado.

Defende-se com a Reforma Trabalhista, a prevalência do negociado sobre o legislado. Porém, tal frase deve ser vista com certa cautela e algumas limitações, e, é possível gerar, no âmbito social, dúvidas sobre a possibilidade de a norma coletiva regular as funções a serem consideradas na base de cálculo da cota legal de pessoas com deficiência.

Sabe-se, ainda, que no direito do trabalho, não existe propriamente uma regular obediência à hierarquia de normas, pois, tem o princípio da aplicação da norma mais favorável, porém, deve-se atentar sempre ao teor constitucional e sua função teleológica ao promover a igualdade dos cidadãos perante a lei, bem como do valor social do trabalho. O trabalho deve ser visto e aplicado no sentido de propiciar a máxima efetividade social.

Além desse argumento, há ainda um de matriz constitucional, no sentido de que os direitos das pessoas com deficiência podem ser complementados por outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte (art. 5º, § 2º), inclusive com status constitucional (§ 3º).

Isso porque não se olvide que a Convenção de Nova Iorque tem natureza de norma constitucional. Sendo assim, não poderia alterar para pior ou suprimir direitos da pessoa com deficiência, sob qualquer argumento econômico, pois seria um retrocesso social inegável.

Neste panorama, surge o trabalho das pessoas com deficiência e a Lei das Cotas. Alguns sustentam que determinados instrumentos da Reforma Trabalhista podem permitir o ingresso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, como, por exemplo, o teletrabalho. No entanto, quanto à normatização, deve-se ater ao seguinte: não poderia existir transação negocial dos sindicatos dos empregados com o sindicato patronal ou até o empregador sobre as disposições da contratação das pessoas com deficiência.

Defende-se aqui que não. Isso porque o trabalho da pessoa com deficiência tem um viés extremamente protetivo, não podendo o poder negocial afrontar a legislação quanto aos percentuais das cotas ou dispor sobre o direito de reintegração no que tange à contratação imediata de uma pessoa com deficiência na dispensa de outra.

Afinal, está se referindo a norma de ordem pública, de indisponibilidade absoluta, do qual as normas mínimas de proteção não podem ser negociadas, mesmo sob o argumento de que estaria inserindo ao mercado de trabalho as pessoas com deficiência.

Sendo assim, as pessoas com deficiência podem, realmente, ser sujeitos nas relações trabalhistas negociadas, porém com os limites que a lei estabeleceu em seu favor, para fins de proteção e inclusão social, sob pena de esvaziamento teleológico da legislação.

Não se entende possível, por exemplo, que por força de convenção ou acordo coletivo, possa a pessoa com deficiência sofrer diminuição no percentual de cotas, ou abrir mão de sua garantia de contratação de outro, ou, até mesmo, aceitar pagamento inferior ou condições de trabalho diverso do que estabelecido aos demais, bem como se sujeitar a plano de saúde empresarial com discriminações etc.

Não se olvide que as normas protetivas do Estatuto da Pessoa com Deficiência ultrapassam uma esfera individual, gerando um impacto em toda a sociedade, com efeitos, inclusive, na seara previdenciária. Então, não são direitos disponíveis quando se refere à relação dos direitos protetivos, como os percentuais de cotas.

Se o raciocínio, de fato, for o da inclusão social, pode-se admitir que em demais direitos passíveis de negociação, como os do art. 611 – A da CLT6, referidas pessoas podem sim ser influenciadas, como por exemplo, redução temporária de salários e jornadas (Acordo Japonês), pois os direitos aqui são passíveis de negociação.

Entenda-se. Não se pretende entender que a relação de emprego com uma pessoa com deficiência é intocável ou impossível de negociação coletiva, pois isso seria um efeito reverto da própria finalidade de inclusão social.

Na verdade, apenas os parâmetros legais, como a Lei das Cotas e o Estatuto da Pessoa com Deficiência não podem ser violados, sob a pecha de flexibilização das leis trabalhistas, pois não são passíveis de negociação, representando um patamar civilizatório mínimo.

Em igual prismam, no art. 611-B da CLT, houve expressa proibição de cláusulas em negociação coletiva que estabeleçam qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência.

Ou seja, o teor de cláusula que altera a base de cálculo da cota legal não se ajusta ao objetivo da negociação coletiva previsto na CLT, que deve sempre regular as condições de trabalho que, por sua vez são aplicáveis no âmbito das representações dos sindicatos signatários e empresa às relações individuais de seus trabalhadores (art. 611 da CLT).

Diante disso, existe, de fato, peculiaridades no poder negocial, mesmo com o advento da Reforma Trabalhista, razão pela qual é preciso reforçar a atenção sobre as tratativas negociais se estão de acordo com as normas constitucionais aplicáveis às pessoas com deficiência.

 

          1. Conclusões

O mercado de trabalho no Brasil das pessoas com deficiência ainda é incipiente, porém, deve ser alvo de preocupação, pois a Lei de Cotas mais do que uma exigência trabalhista, tem natureza constitucional, internacional e com repercussão previdenciária.

Não se pode olvidar que alguns apontam que os mecanismos de novos pactos de trabalho podem proporcionar o aumento no mercado de trabalho das pessoas com deficiência, com destaque para o teletrabalho para as pessoas com dificuldade de locomoção, por exemplo. Associado a isso, tem- se que os direitos da pessoa com deficiência, além do viés constitucional e da CLT, possuem previsão na Lei das Cotas, Lei Brasileira de Inclusão e no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Com base nestas legislações, defende-se a ideia de que pertencem ao patamar civilizatório mínimo, ou seja, são normas de indisponibilidade absoluta, razão pela qual não são passíveis de negociação coletiva no Brasil, muito embora a ênfase concedida pelo Legislador Reformista para a prevalência do negociado sobre o legislado.

No entanto, para fins de não engessar o próprio processo de inclusão, que, por sua natureza, é lento, gradativo, tem-se que as normas que, essencialmente, sejam de disponibilidade relativa, conforme o art. 611 – A da CLT, podem sim ser aplicadas às relações de trabalho que envolvem pessoas com deficiência, apenas com atenção, por exemplo, nas normas já mencionadas que, pelo interesse público, não podem ser negociadas a bel prazer do empregador, mesmo sob o argumento econômico de fomentar a contratação.


 

Bibliografia

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. LEI 8213, DE 24 DE JULHO DE 1991

BRASIL. LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015.

BRASIL. LEI 13.467, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2017.

FERRAZ, Carolina Valença; et al. Manual dos Direitos da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed., 16ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008.

RODRIGUES, Davi. Dez Ideias (mal) feitas sobre a Educação Inclusiva. In: RODRIGUES, Davi. (Org.). Inclusão e educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006, p. 299-318.

SILVA, Luzia Gomes da. Portadores de deficiência, igualdade e inclusão social. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 95, dez 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10839&revista_caderno=9>. Acesso em abril de 2019.


 


 


 


 

 

 

1Juíza do Trabalho Substituta do TRT da 7a Região lotada no quadro móvel da Corregedoria. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Porto. Foi membro do Ministério Público do Estado de Rondônia e atuou como juíza do trabalho no TRT 14a Região.

2O Projeto de Lei 569/19 determina que os empregados que são pais ou responsáveis legais por pessoa com deficiência só poderão ser despedidos por falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas. O texto tramita na Câmara dos Deputados. A proposta é do deputado Vicentinho Júnior (PR-TO). O objetivo, segundo o deputado, é resguardar os direitos das pessoas com deficiência. “Urge garantir a essas pessoas a estabilidade familiar para dar-lhe o suporte diário necessário à sua manutenção e ao seu desenvolvimento”, justificou Vicentinho Júnior.
O texto em análise na Câmara altera o capítulo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Decreto-Lei 5.452/43) sobre estabilidade no emprego.

3Deficiente só pode ser demitido se houver contratação de outro deficiente para o mesmo cargo A demissão de pessoa com deficiência contratada pelo sistema de cotas só pode ocorrer se houver contratação de substituto, também deficiente, para o mesmo cargo. Com base nesse entendimento, a Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por maioria de votos, determinou a reintegração ao emprego de uma funcionária demitida pelo Banco Santander em 2008. O banco foi condenado, ainda, ao pagamento dos salários vencidos e vincendos, vantagens correspondentes, além dos benefícios a que a trabalhadora teria direito se estivesse em atividade. Vítima de amputação traumática, a bancária foi admitida no Banco Santander em fevereiro de 2006 para exercer as funções de auxiliar de operações. Dispensada em outubro de 2008, quando tinha salário de R$ 921,49, recorreu à Justiça do Trabalho pedindo reintegração ao emprego. Ela alegava que, embora a empresa tivesse admitido outra pessoa com deficiência para preencher a cota prevista no artigo 93 da lei 8.213/91, a contratação não se deu para o mesmo cargo. Após ter seu pedido negado em primeira instância e mantida a sentença pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região (SP), a auxiliar de operações recorreu ao TST. O ministro Lélio Bentes Corrêa (foto), relator do processo, considerou que a contratação de outro empregado em cargo distinto daquele que ocupava o empregado demitido não justifica a demissão da pessoa com deficiência nem atende à condição imposta no parágrafo 1º do artigo 93 da Lei 8.213/91 para validar a dispensa. De acordo com a lei, empresas com 100 ou mais empregados estão obrigadas a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, habilitadas, e a dispensa imotivada só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. Apontando decisão precedente da Quarta Turma do TST, o relator afirmou que a demissão de um trabalhador com deficiência só pode se produzir mediante a contratação de substituto, para o mesmo cargo. "Do contrário, estaríamos facultando às empresas uma via transversa para dispensar trabalhadores com deficiência que já houvessem galgado postos de maior hierarquia, mediante a contratação de outros empregados em setores menos relevantes ou com responsabilidades subalternas", afirmou. O advogado do Banco Santander alegou não ter havido discriminação com o funcionário. Segundo ele, a lei não proíbe a demissão do funcionário deficiente físico, mas sim que haja o desligamento de um funcionário deficiente físico sem a contratação de outro. Segundo o advogado, não é possível afirmar que a reclamante foi demitida de um cargo maior ou com maiores benefícios do que o daquele funcionário que foi contratado em lugar dele. De acordo com a defesa do Banco Santander, o que houve foi a presunção de que este funcionário estaria em cargo inferior apenas por ser  deficiente.   O ministro Lélio Bentes destacou que sua interpretação da disposição legal não era meramente literal, mas levava em conta a finalidade social da norma, que é assegurar a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho com possibilidade de crescimento na hierarquia da empresa. "A se admitir que essa restrição quanto à contratação de substituto de condição semelhante refira-se apenas ao valor numérico da cota, há sim, uma possibilidade bastante factível de se restringir o alcance da norma no que diz respeito à garantia de progressão funcional desses trabalhadores. Estou absolutamente convencido de que o alcance social da norma só é plenamente atingido, mediante a observância estrita dessa garantia nos termos ditados pelo dispositivo legal", concluiu o ministro. Processo: RR – 231700-03.2009.5.02.0070

4 A lei que condiciona a dispensa de um empregado com deficiência à contratação de outro em iguais condições tem o objetivo de manter o percentual legalmente estabelecido. Se mesmo com a demissão, a empresa se mantiver cumprindo sua cota, ela não deve ser punida. Esse foi o entendimento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho ao absolver empresa de transporte. A companhia comprovou que, em janeiro de 2004, quando houve a dispensa, era obrigada por lei a ter em seus quadros 15 empregados reabilitados ou com deficiência, mas tinha 16. O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES)manteve o indeferimento da pretensão de reintegração do cobrador. O trabalhador recorreu da decisão e a 7ª Turma do TST julgou procedente o pedido de reintegração, com o entendimento de que a dispensa imotivada de trabalhador reabilitado ou com deficiência depende sempre da contratação de substituto em condição semelhante. A decisão enfatizou, inclusive, o conteúdo da Convenção 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, assinalando que o objetivo maior da norma é garantir a esses trabalhadores a possibilidade inserção no mercado de trabalho. Virada da defesa Contra a decisão de reintegração, a empresa interpôs recurso de embargos à SDI-1. O relator, ministro Renato de Lacerda Paiva, explicou que o sistema jurídico, visando à proteção de um grupo de trabalhadores, exige que a empresa preencha determinado percentual de cargos com essas pessoas conforme o número total de empregados. O fato de a empresa não ter comprovado a contratação de substituto em situação análoga, a seu ver, não implica a ilegalidade da dispensa e, consequentemente, afasta a necessidade de reintegração. Por maioria, a SDI-1 proveu o recurso da empresa para restabelecer o acórdão regional no tema. Processo 10740-12.2005.5.17.0012

5Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - até 200 empregados. 2%; II - de 201 a 500 3%; III - de 501 a 1.000 4%; IV - de 1.001 em diante.5%.

 

6A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) II - banco de horas anual; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) VI - regulamento empresarial; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) X - modalidade de registro de jornada de trabalho; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) XI - troca do dia de feriado; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) XII - enquadramento do grau de insalubridade; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) XV - participação nos lucros ou resultados da empresa. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) sem repetição do indébito. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017)

Sobre a autora
Maria Rafaela de Castro

Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região. Atuou como Juíza Substituta no TRT da 14a Região. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Porto em Portugal. Foi Membro do Ministério Público do Estado de Rondônia. Professora convidada da Escola Judicial do TRT da 7a Região e da Universidade de Fortaleza na área de Pós Graduação, além de professora de cursos preparatórios para concursos na cidade de Fortaleza.

Informações sobre o texto

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