O artigo “Vetores, Desafios e Apostas Possíveis Na Pesquisa Empírica Em Direito no Brasil” foi escrito por Fábio de Sá e Silva com o objetivo de demonstrar que, apesar de a pesquisa empírica em direito (PED) ter conquistado diversos avanços e viver um momento fértil no Brasil, não se deve esquecer os obstáculos históricos e culturais contra os quais a PED teve que lutar para ser construída e os desafios que ainda enfrenta para se consolidar no tempo e no espaço.
O texto foi produzido com base em “revisão de literatura, coleta de dados primários, e aspectos da experiência pessoal do autor atuando nas várias frentes que compõem o horizonte da PED no Brasil dos últimos 15 anos” (SÁ E SILVA, 2016, p. 26) e é dividido em quatro seções (seção 2, 3, 4 e 5), que tratam de diversos argumentos, e uma introdução.
A seção 2 apresenta cinco vetores que contribuíram para a emergência do fortalecimento da PED no Brasil: “(i) a exaustão do positivismo jurídico; (ii) a reforma do ensino jurídico; (iii) o chamado das políticas públicas; (iv) o advento da democracia e a apropriação do direito por outros atores acadêmicos e sociais; e (v) a globalização” (SÁ E SILVA, 2016, p. 27).
Com relação à exaustão do positivismo jurídico, é explicado que o positivismo estabelece como objeto do conhecimento jurídico as normas e o ordenamento jurídico e limita os métodos do jurista ao exame do sistema de normas do Estado e à exposição de proposições descritivas dos deveres que esse direito positivo decreta. Contudo, ao final do século XX, essa concepção começou a ser questionada e os novos conflitos mostraram que as soluções apontadas pelo tradicional positivismo não eram mais satisfatórias. Sendo assim, Sá e Silva (2016, p. 29) apresenta três rupturas nas formas de produção do conhecimento e do ensino jurídico que surgiram a partir desses questionamentos.
Segundo Sá e Silva (2016, p. 29), a primeira ruptura está relacionada ao aumento da importância e da influência da sociologia jurídica que mostrou a distância entre o direito dos livros e o direito em ação, já as outras duas rupturas se relacionam mostrando a rejeição à perspectiva descritiva do direito e a necessidade de solidariedade com grupos oprimidos na busca pelo reconhecimento da produção do conhecimento jurídico como um componente das lutas por mudanças sociais.
Com relação a reforma do ensino jurídico, o texto mostra que, a partir dos anos 1990, um processo conduzido pela Comissão de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Comissão de Especialistas de Direito do Ministério da Educação (MEC) possibilitou “o estabelecimento de novos princípios; de novas possibilidades de arranjos disciplinares; e de novos instrumentos para a mediação das relações de ensino/aprendizagem” (SÁ E SILVA, 2016, p. 27) nas Faculdades de Direito.
Desse modo, o ensino e a aprendizagem foram orientados na busca pela integração entre pesquisa, ensino e extensão e na busca pela combinação entre teoria e prática. Ademais, novos instrumentos surgiram para sustentar essa nova forma de pensar o ensino jurídico no Brasil, sendo eles: os Núcleos de Prática Jurídica (NPJs), as Atividades Complementares (ACs) e os Trabalhos de Curso (TCs).
À respeito da apropriação do direito por outros atores sociais e acadêmicos, o artigo expõe que, com a chegada da ordem democrática no Brasil, o positivismo usado como meio de manter práticas políticas autoritárias deu lugar ao reconhecimento da existência de tensões entre a ordem normativa e os movimentos sociais. Desse modo, a participação popular e o contexto social se tornam extremamente relevantes para a produção do conhecimento jurídico. Além disso, o direito passou a ser de interesse de outras disciplinas e não somente dos juristas.
No que se refere ao chamado das políticas públicas, torna-se claro que a aproximação entre elementos da realidade e a produção teórico-científica do conhecimento do direito foi estimulada por um novo conjunto de atores:
[...] gestores públicos vinculados ao Executivo e/ou ao Judiciário envolvidos com o planejamento e a execução de políticas públicas, os quais, por diferentes razões, passaram a demandar análises não sobre o law in books, mas sim sobre o law in action (SÁ E SILVA, 2016, p.36).
Contudo, tensões relacionadas aos recorte das pesquisas e à movimentos de instrumentalização trouxeram dificuldades. Considerando que os gestores esperam respostas rápidas e de baixos custos e que os pesquisadores realizam seus trabalhos de forma mais complexa e em prazos maiores, os resultados apresentados acabam sendo genéricos ou tendo baixa viabilidade política. Ademais, muitos gestores se interessam pela participação de acadêmicos simplesmente “pela legitimidade que aportam aos produtos finais” (SÁ E SILVA, 2016, p. 38).
No que concerne à globalização, o texto torna visível que esse fenômeno mundial permitiu que existisse um intercâmbio de acadêmicos brasileiros com novos conhecimentos teóricos-metodológicos.
Ao apresentar os desafios atuais da PED, o texto estabelece como maior risco as “disputas por hegemonia em relação a essas múltiplas vocações e usos sociais” (SÁ E SILVA, 2017, p. 41). A partir disso, o texto mostra a importância de perceber os desafios da pesquisa empírica em direito segundo dois planos: o epistemológico e o procedimental.
Com relação aos desafios epistemológicos, o artigo estabelece como objeto principal para a PED o pluralismo jurídico, ou seja, que diferentes ordens jurídicas coexistam e cooperem entre si em uma sociedade de forma simultânea. Para mais, aponta como objetivo dessa pesquisa um programa consciente de intervenção na realidade que seria estabelecido por meio da solidariedade entre os pesquisadores e a comunidade e pelo chamado das políticas públicas.
No tocante aos desafios procedimentais, é estabelecido que para que a PED seja adequadamente gerida e se solidifique no mundo jurídico é necessário perceber que o desafio central está na adequação entre método e objeto. Além disso, torna-se claro que, por causa do compromisso ético, “a PED também deve uma incorporar preocupação sobre como prestar contas aos sujeitos e práticas sociais a partir dos quais constrói suas narrativas sobre a realidade” (SÁ E SILVA, 2016, p. 46)
Conclui-se, portanto, que a leitura do texto, construído com base em argumentos fundamentados em pesquisas, em dados e em autores reconhecidos, permite aos leitores compreender de forma completa os objetivos que o autor pretendia transmitir ao produzir o artigo. Sendo assim, é claramente perceptível que a pesquisa empírica em direto ao buscar a aproximação com os movimentos sociais e as novas formas de se pensar o conhecimento jurídico conseguiu estabelecer diversos avanços. Contudo, não se deve fechar os olhos para a necessidade de continuar lutando para consolidar a PED apesar de todos os desafios que ainda são presentes.
Referências:
SÁ E SILVA, Fabio de. “Vetores, Desafios e Apostas Possíveis Na Pesquisa Empírica Em Direito no Brasil”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, vol.3, n.1, p. 24-53.