Labelling approach: estimas na seletividade penal

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09/04/2020 às 18:59
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A seletividade encontra-se em todas as etapas do processo de criminalização, pois desde a escolha das condutas a serem definidas como crime, as instância de controle e os órgãos de decisão elegem exatamente padrões de comportamento que se compatibilizam ou que se aproximam muito com a conduta do indivíduo negro, pobre, marginalizado, ou seja, excluído socialmente, conferindo uma proteção muito maior ao patrimônio, por exemplo, do que à integridade física, a liberdade e até mesmo à vida em alguns casos.

O Código Penal pátrio prevê a pena de 01 (um) a 04 (quatros) anos para o furto, conferindo, no entanto, a sanção de 03 (três) meses a 01 (um) ano ao crime de lesão corporal, deixando evidente a ideologia do controle, fortemente capitalista, pondo em dúvida, todavia, a própria razão de existir do direito penal. Assim, o Labelling Approach, ao apontar o uso do estigma como fundamento para punir e as suas consequências, com destaque à exclusão social, questiona até mesmo legitimidade do direito penal, que se mostra seletivo e discriminatório.

 Nesta perspectiva, há uma forte tendência à punição, primeiramente, não só pela prática de uma conduta tipificada pela norma, mas principalmente pelo caráter de indesejado que o excluído ostenta, pois sua figura coincide exatamente com o estigma preconizado pelas instâncias de controle. Diante disso, tem-se que nem todas as condutas que lesam bens jurídicos relevantes, ou seja, que são tipificadas como crime, acabam sendo alvo da persecução penal.

Relevante a observação feita por Raíssa Zago Leite da Silva, para quem:

                                             (...) o crime não é definido pela conduta do agente, mas sim pelo que as instâncias de controle definem como tal. Ademais, (...) nem todos os crimes são perseguidos pela sociedade e pelo Estado, punindo-se, assim, somente parte dos crimes e das pessoas, o que chamamos de seletividade. Fica claro que, pela Teoria do Labelling Approach ou etiquetamento social, as instâncias de controle definem o que será punido e quem será punido, o que nos remete a uma relação com a seletividade do sistema penal.

       O indivíduo que pertence às camadas mais vulneráveis da sociedade é portanto selecionado para integrar uma classe rotulada e específica de pessoas, pois pune-se muito mais pelo desvio social do que pela transgressão à norma legal. E uma vez marcado pelo estigma penal, torna-se bastante dificultosa a sua relação com os demais membros dessa sociedade estratificada, principalmente pela reiteração delitiva, que se revela como consequência e reprodução dos padrões impostos. 

Pelo Relatório divulgado pelo Departamento Peniteciário Nacional, em 2012, é possível entender o perfil da população carcerária no Brasil. Segundo o mencionado estudo, 54% dos presos são pardos ou negros, 55% tem entre 18 e 29 anos e a pouca escolaridade é um fator muito presente: 5,6% são analfabetos, 13% são apenas alfabetizados e 46% têm o ensino fundamental incompleto. De acordo com o relatório, somente 0,4% dos presos têm formação superior completa.

Em referência ao cenário divulgado pelo relatório, a pesquisadora supracitada sentencia:

                                  Os dados evidenciam a construção de um perfil predominante do “delinquente” brasileiro, trazendo à tona a discriminação com que a esfera estatal seleciona os indivíduos puníveis, dentro de uma lógica de rotulação, evidenciada a partir dos apontamentos do labeling approach. Há uma seletividade de classe e raça construída socialmente pelas instâncias formais de controle, que é reforçada no imaginário coletivo através do papel empenhado inclusive pelos meios de comunicação em massa, que atuam no processo de rotulação propagando o estereótipo do “criminoso” como sendo, no exemplo brasileiro, o negro, o pobre e o pouco instruído.

O estigma mostra-se como alvo maior da persecução penal, pois do relatório acima esboçado, realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional detecta-se que apenas o estigmatizado será punido pelo poder estatal, compondo a população carcerária; e não porque comete mais crimes, mas porque apenas sobre este recairá as sanções mais duras e com maior intensidade, mostrando-se evidente o caráter de controle social e a consequente ocorrência do desvio secundário.

A seletividade frente à teoria do Labelling Approach aponta as incongruências do sistema penal, que, uma vez criado para proteger bens jurídicos indispensáveis à perpetuação da vida, parece tratar-se, se analisado pelo viés do etiquetamento social, de um instrumento de controle na mão de pessoas abastadas e poderosas. Além disso, o Labelling Approch traz à tona o questionamento acerca de sua própria legitimidade, já que o direito penal, encontra o seu fundamento para punir nos estigmas sociais, ferindo o princípio da igualdade.

O direito penal acaba realizando, assim, uma proteção parcial de bens jurídicos relevantes, conferindo uma tutela muito maior aos bens da classe dominante. Para tanto, seleciona apenas o comportamento dos etiquetados para ser criminalizado, deixando desguarnecida a vida, a dignidade, a integridade física, moral e psicológica daquele que se encaixa ao estereótipo pré-definido, contribuindo deste modo, para a ocorrência do desvio primário.

Após ser encarcerado, o sujeito desprivilegiado, que já era considerado desviante, passa a ter seus rótulos reforçados. Neste processo de estigmatização, ao sair do sistema prisional, o indivíduo se identifica tão profundamente com o crime, que a reincidência e o ingresso na carreira delitiva de forma habituada parece figurar-lhe como única opção. 

 As consequências

A teoria do etiquetamento analisa os critério pelos quais o direito penal pune os indivíduos, selecionando e estigmatizando. As marcas impressas no sujeito após todo o processo de criminalização, levando-o a ter uma visão negativa de si próprio, na condição de desacreditado socialmente, acabam impelindo-o à reincidência.

A etiqueta atribuída traz consigo o preconceito, a ausência de oportunidades e perspectivas e a baixa autoestima, tornando, com isso, praticamente impossível de se romper o ciclo da permanência nas carreiras criminosas. 

Neste sentido, aponta Shecaria: 

                    Quando os outros decidem que determinada pessoa é non grata, perigosa, não confiável, moralmente repugnante, eles tomarão contra tal pessoa atitudes normalmente desagradáveis, que não seriam adotadas com qualquer um. São atitudes a demonstrar a rejeição e a humilhação nos contatos interpessoais e que trazem a pessoa estigmatizada para um controle que restringirá sua liberdade. É ainda estigmatizador, porque acaba por desencadear a chamada desviação secundária e as carreiras criminais”.

Nisto, pode-se compreender o funcionamento das relações sociais. A classe abasta elege condutas para serem criminalizadas; pune os desprivilegiados como forme de controle; reforça os estigmas empregados, de modo a condicionar o comportamento do indivíduo rotulado, moldando-o a executar fielmente o papel de delinquente que lhe foi impingido pela sua condição de marginalizado.

Assim, inicia-se um ciclo ininterrupto de habituação delitiva, pois a deturpação da personalidade e do caráter do sujeito pela internalização e assimilação da condição de estigmatizado faz-se de modo tão contundente, que a exclusão torna-se, na maioria das vezes, irreversível, fomentando a reincidência e a desigualdade social. 

As consequências desta relação de controle são de ordem psicológica e social, e mostram-se desanimadoras, por se vislumbrarem irreversíveis. Pois o indivíduo estigmatizado, ao sentir-se desacreditado passa a se identificar somente com a cultura do crime. Ao passo que a sociedade, ao mesmo tempo em que sofre com a reincidência delitiva, propicia a sua continuidade pelo reforço das etiquetas empregadas. 

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A sociedade, portanto, cria os seus próprios delinquentes, ao excluir, rejeitar, rotular, mostrando-se contraditória e paradoxal quando traz à tona o discurso da ressocialização e da diminuição da violência urbana, visto que busca solucionar um problema de grande monta, fabricado pelo seu próprio modelo de controle de classes e de interações preconceituosas.

O Labelling Approach quebrou o paradigma determinista sobre as causas do crime, demonstrando, diferentemente do que se pensava, que o criminoso não é necessariamente um sujeito mau por natureza ou predisposto a infringir normas; ao contrário, mostra-se, na maior parte das vezes, como um ser humano comum, que pela mera condição de desprivilegiado passa a ser rotulado e forçado a viver à margem.

Desta concepção de que o crime e a criminalidade são construções sociais, pôde-se identificar, na verdade, o caráter vulnerável do sujeito considerado delinquente, que além de ser previamente escolhido para integrar o sistema penal, é impelido, sem muitas possibilidades de escolha, a permanecer nele. Assim, carrega a pesada carga pessoal do estigma, tornando improvável a possibilidade de mudança, e a distintiva etiqueta de um problema social. 

                

CONCLUSÃO

O Labelling Approach, surgindo em um momento de crises políticas e sociais, mostrou-se como importante alternativa à Criminologia Clássica, que, ante aos complexos anseios da sociedade moderna, não apresentava respostas efetivas para o progresso do direito penal. Assim, a Criminologia Crítica, por sua vez, trouxe a análise aprofundada do estudo do crime e do criminoso, quebrando o paradigma determinista e estático que não refletia a fundo os verdadeiros problemas sociais.

Ao buscar o seu fundamento no etiquetamento, a mencionada teoria inovou ao tratar o delinquente como alguém que, na realidade é muito mais impelido à delinquência pela própria sociedade do que se imaginava.

Entendeu-se o processo de criminalização exercido pelas instâncias de controle e a perda da identidade do sujeito considerado criminoso. Nisto, observa-se que o criminoso não nasce com esta marca distintiva, mas é fabricado, passando a adotar o comportamento antinormativo pela condição de rotulado que ostenta.

A exclusão social é fomentada pelo sistema penal que, de forma seletiva, escolhe apenas dentre os marginalizados quem passará a integrar o seu rol. Pois em um primeiro momento, no processo de  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BERNARDES, Helton Fonseca. Estratégias punitivas e legitimação. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris Editor, 2005

FACHIN, Melina Girardi; MAZONI, Ana Paula de Oliveira. A teoria do etiquetamento do sistema penal e os crimes contra a ordem econômica: uma análise dos crimes de colarinho branco. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/viewFile/10183/10422 Acesso em: 4 de Janeiro de 2018.

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