Estado de calamidade pública: COVID-19

Coronavírus

12/04/2020 às 23:18
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Este artigo tem por objetivo de forma sucinta fazer uma análise sobre o estado de calamidade pública em tempos de pandemia de COVID-19.

Calamidade ou catástrofe significa desgraça pública, flagelo. Podemos definir como estado de calamidade pública uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.

O termo calamidade pública costuma ser associado também à expressão estado de emergência. Ambas estão relacionadas, mas não significam exatamente a mesma coisa em termos legais.

A decisão do governo federal está ligada ao uso de recursos para combater a crise instalada com a disseminação do vírus no Brasil (COVID-19). Isso porque o estado de calamidade pública permite que o governo não atinja sua meta de resultado fiscal.

Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em 2000 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, impõe uma série de exigências sobre como o dinheiro público deve ser empregado. Entre elas está a determinação de que haverá uma meta de resultado primário que deve ser cumprida pelo governo. O resultado primário é a diferença entre o que o governo arrecadou e o que gastou, sem contar o dinheiro que foi usado para pagamento de juros da dívida pública.

Na prática, decretar estado de calamidade pública permitirá ao governo gastar mais do que o previsto com medidas para conter os efeitos da Covid-19, e de forma mais rápida. A Lei de Licitações, por exemplo, prevê dispensa de licitação nesses casos, "quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares". Os efeitos devem valer até 31 de dezembro de 2020.

É a primeira vez que o Brasil entrará em estado de calamidade desde o início dos efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000. A União ficará dispensada de obedecer à meta fiscal prevista para este ano – a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) permite a suspensão das regras fiscais e da necessidade de bloqueio de gastos durante ao período. O orçamento de 2020, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, admite déficit fiscal de até R$ 124,1 bilhões nas contas públicas. Sem a limitação, o governo poderá gastar o quanto julgar necessário para reduzir os danos do coronavírus, podendo socorrer setores em crise, como companhias aéreas, e flexibilizar o pagamento de impostos.

O estado de calamidade pública é um termo definido por um decreto de 2010, editado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o texto, é caracterizado por "uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido". Ele pode ser decretado por prefeituras, Estados e União. Em geral, a calamidade é decretada quando, em razão da magnitude dos danos, o estado requer auxílio direto e imediato para arcar com os custos do atendimento. É o nível mais grave de atenção possível.

Com a decretação de estado de calamidade pública, algumas barreiras e impeditivos legais para a concessão de novos socorros e empréstimos podem ser superadas, e até financiamentos de órgãos federais poderiam ser liberados. Além disso, recursos carimbados para determinadas áreas podem ser remanejados para outros compromissos. O documento também determina a criação de uma comissão mista, formada por seis deputados e seis senadores, para acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas à emergência de saúde pública.

Constituição permite que em casos de calamidade pública o governante tome os chamados empréstimos compulsórios, sobre os quais falamos em nossa trilha sobre tributos. Além disso, o governante pode passar a parcelar as dívidas, atrasar a execução de gastos obrigatórios e antecipar o recebimento de receitas. O estado ou município afetado também pode ficar dispensado de realizar licitação em obras e serviços enquanto durar a calamidade. Finalmente, a população atingida pode sacar parte do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

O Governo Federal normalmente ajuda em emergências com itens de ajuda humanitária, envio da Defesa Civil ou até das Forças Armadas, além de recursos financeiros. O sistema constitucional das crises prevê, como formas de defesa do Estado e das instituições, os Estados de Defesa, de Sítio e a Intervenção Federal. A Calamidade Pública não está expressamente prevista no texto constitucional, derivando de uma interpretação sistemática de dispositivos estaduais, municipais e da Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 65, numa perspectiva de diálogo de fontes.

Infere-se que o fundamento do Estado de Calamidade é eminentemente financeiro, pois impõe maiores gastos para o governo, além do que foi orçado para o ano, relativizando o orçamento público.

Na situação atual, serão necessários bilhões de reais a mais para gastos com a saúde pública: investimento em leitos, respiradores, insumos, mais médicos, transportes e UTIs. Concomitantemente a isto, as empresas estão suspendendo suas atividades, o que contribui para uma menor geração de renda e tributos. Em resumo: os gastos vão aumentar, a receita e a tributação diminuirão e um grande déficit será gerado.

A calamidade pública decretada não tem natureza constitucional. Ela é prevista na LRF. Por não ter natureza constitucional, é voltada para a questão fiscal, não de outra natureza. A medida tampouco impede aprovação de Propostas de Emenda Constitucional (PECs) e outro tipo de matéria. A vedação a PECs ocorreria em situações de estado de defesa, de sítio ou intervenção federal.

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A medida não estende seus efeitos de liberar o cumprimento de regras fiscais previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal aos Estados e Municípios, que tendem a seguir o mesmo caminho do governo federal. A decretação de calamidade não libera o governo de cumprir o teto de gastos e a “regra de ouro” das contas públicas, que são dispositivos fiscais previstos na constituição.

O objetivo, evidentemente, é municiar o Estado de “armas legais” para que possa combater a crise sistêmica instalada, preservando vidas e protegendo o patrimônio particular e a segurança da população.

Situações extremas requerem medidas extremas. É por isso que, em caso de estado de calamidade pública, o governante tem à sua disposição poderes que em situações normais seriam considerados abusivos, a fim de salvaguardar a população atingida. Além disso, o governante passa a compartilhar responsabilidades com outros entes, principalmente o Governo Federal.

Este quadro não estava previsto no planejamento orçamentário de 2020, pois jamais se imaginou que seríamos atingidos por uma pandemia de tamanho impacto. Por isso, a decretação de calamidade pública, como forma de viabilizar a execução financeira da Lei 13.979/2020, foi acertada e necessária.

Referências bibliográficas

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1975.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7257.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação a distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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