Para além da motivação: o art. 21 da LINDB e o consequencialismo nas decisões administrativas.

13/04/2020 às 16:19
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O artigo tem o propósito de trazer alguns questionamentos sobre possíveis efeitos práticos do art. 21 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Resumo

Até os idos de 2018, em virtude do princípio da motivação, era exigido à administração pública apenas que indicasse os motivos de fato e direito das decisões sobre invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa. Contudo, a partir da Lei nº 13.655, de 2018 que incluiu o art. 21 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), a administração deverá também indicar de modo expresso as consequências jurídicas e administrativas da decretação de invalidação e cogitar as condições para a regularização proporcional. Esse artigo tem o propósito de trazer alguns questionamentos sobre possíveis efeitos práticos desse dispositivo.

Princípio da Motivação

O princípio da motivação, a despeito de não ser mencionado no art. 37 da Constituição, é consagrado de forma unânime pela doutrina e jurisprudência como aquele que exige da administração pública a indicação dos fundamentos de fato e direito de suas decisões.

Esse princípio começa a ganhar força a partir da Teoria dos Motivos Determinantes, segundo a qual, em princípio, não há o dever de motivar os atos discricionários, porém, as razões de fato e de direito, se apresentadas, passam a condicionar a validade do pronunciamento administrativo, sujeitando-se ao controle judicial de legalidade[i].

A sua aplicabilidade se justifica em qualquer tipo de ato, sendo, pois, formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.

Na Constituição, o princípio só aparece expressamente no art. 93, X, porém, na Lei nº 9.784/99, art. 2º, parágrafo único, II, aparece claramente a exigência de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão que de alguma forma afetem direitos ou interesses individuais (art. 50 da Lei nº 9.784/99).

Isto é, o princípio serve para salvaguardar os destinatários dos atos administrativos, inclusive em outras hipóteses de decisão, como na Lei 8.666/90, sobre licitações e contratos[ii].

Vejamos, portanto, que mesmo antes da Lei nº 13.655, de 2018 que incluiu o art. 21 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), a administração pública tinha que motivar os seus atos, sob pena de invalidação pelos órgãos de controle internos e externos.

Art. 21 da LINDB

O art. 21 da LINDB possui a seguinte redação: “A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”.

Isto é, a norma exige a indicação expressa, na decisão de invalidação, das suas consequências jurídicas e administrativas.

Mendonça nos ensina que as consequências são estados de fato e direito admissíveis pela Constituição e exequíveis e explica: “o julgador não poderá invalidar o ato, negócio ou norma administrativa quando, disso, decorrerem estados jurídicos ou administrativos inconstitucionais e/ou inexequíveis” [iii].

Além disso, Mendonça ainda explica que as consequências jurídicas e administrativas devem: ser certas e prováveis, e não apenas plausíveis; relativas a estados imediatos e imediatamente futuros, mas não os remotos no tempo; e que se possa indicar alguma base, lógica ou empírica, de evidenciação.

Vejamos, pois, que o dever de indicação das consequências previstas no caput do artigo possui alguns limites a serem observados. Em sendo assim, passaremos análise do parágrafo único do dispositivo.

O parágrafo único dispõe que: “a decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos” (grifo nosso).

Mas afinal, o que é regularização?

Segundo Mendonça, a regularização não significa exigência de leniência ao particular, mas sim o dever de identificar, para todos os envolvidos e terceiros, os efeitos da pós-invalidação. De outro modo, pode-se entender a regularização como o ato ou efeito de tornar regular a construção das condições de possibilidade da validade jurídica do ato, negócio, processo ou norma.

Notadamente, essa regularização pode ser feita, por exemplo, pela adoção à períodos de transição, fazendo com que não haja prejuízos ao interesse geral (sim, essa é a terminologia do dispositivo e não interesse público).

Portanto, podemos dizer em apertada síntese que o art. 21 da LINDB determina que o administrador, além de observar o princípio da motivação, explicitando os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão de invalidação, agora tem de indicar expressamente, quando for o caso, as consequências e a regularização proporcional que sejam exequíveis, certas ou prováveis relativas a estados imediatos e imediatamente futuros, mencionando inclusive alguma base, lógica ou empírica, de evidenciação.

Consequencialismo

Pois é, o consequencialismo chegou em terras brasileiras e mais uma vez do jeito que estamos acostumados: através de lei.

Como se vê da leitura do art. 21 da LINDB, o que se pretende é reagir à cultura do hipercontrole público pela prática do consequencialismo jurídico. Explico.

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Antes da modificação legislativa em exame, os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas, que antes tinham a seu favor, por exemplo: a vagueza dos conceitos de improbidade administrativa (art. 11 da Lei de Improbidade); o uso da opinião jurídica sobre tipos abertos, possibilitando um performance cinematográfica; bem como os incentivos para inclusão de novos tipos e de penalidades mais severas (MENDONÇA, 2018).

No entanto, embora seja notório os abusos dos órgãos controladores, “é preciso cuidado para o remédio aplicado para salvar não termine por matar o doente. Sim, o nosso sistema administrativo e de controle anda padecendo de patologias graves” (CARVALHO, 2018).

Daí porque, a LINDB, no art. 21, resolveu adotar o consequecialismo jurídico, pois é a “postura interpretativa que considera, como elemento significativo da interpretação do Direito, as consequências de determinada opção interpretativa” (MENDONÇA, 2018). Em outras palavras, o artigo veio com a intenção de servir como freio à cultura do hipercontrole.

Parece-nos que o jogo virou!

Agora, aquela administração pública que se via de mãos atadas para gerir os recursos com medo da arbitrariedade e perseguição, por vezes infundadas, dos órgãos de controle, agora passou a bola do medo para eles.

Nesse contexto, uma série de questionamentos se impõem diante da doutrina e jurisprudência. Primeiramente os já questionados por Mendonça: será que os tribunais serão capazes de adiantar consequências? Será que por força de exigência suprarrogatória, o cumprimento do art. 21 seria mera retórica? Como pode ser feito o controle judicial do art. 21? Em segundo a indagação de Carvalho: o artigo seria um escudo à efetividade da competência anulatória? E em terceiro a indagação desse autor: No país como o Brasil, com nível de corrupção exacerbado, é eficaz a tentativa de barrar a arbitrariedade do controle com a exigência de motivação consequencialista inexequível?

“É preciso cuidado para o remédio aplicado para salvar não termine por matar o doente.” (CARVALHO, 2018). 

Conclusão

Esse artigo, como dito alhures, não tem como fim encerrar essa questão, pelo contrário, vem reascender o debate sobre os efeitos práticos que o art. 21 da LINDB pode trazer aos órgãos de controle. Daí porque se encerra trazendo aqui algumas reflexões.

Há que se dizer que nenhum julgador tem bola de cristal, portanto não se pode esperar a indicação das consequências em níveis inatingíveis.

Sendo assim, o consequecialismo buscado no artigo, não pode ser uma mera retórica, devendo-se pois, indicar aquilo que está ao seu alcance mediante evidências empíricas, que sejam exequíveis, sob pena de não trazer nenhum ganho na racionalidade da invalidação.

Do mesmo modo, o medo que o artigo pode inserir nos órgãos de controle vai atingir somente àqueles que agiam deliberadamente, sem comprometimento com o ordenamento jurídico. Assim, não há o que temer, pois que a invalidação da invalidação (controle judicial), acontecerá quando as consequências indicadas sejam manifestamente erradas.

De mais a mais, ressalte-se que a sombra do “capa preta” que rodeia os órgãos de controle não pode amedrontar o exercício da competência que lhe cabe, pois caso contrário, o artigo que veio no intuito de barrar o hipercontrole, acabaria por permitir o descontrole.

Por fim, lembremos que a tentativa de repressão de ilicitudes com base em regramentos da motivação não poderá resultar em prejuízos significativos à própria Administração e à sociedade, por conseguinte, diante desse cenário, cabe aos juristas construir mecanismos que viabilizem o atendimento das finalidades decorrentes das regras introduzidas pelo art. 21 da LINDB, sem fazer ruir as demais regras constitucionais e legais.


[i] CARVALHO, Raquel. A Lei 13.655/2018 e o dever de motivação pela Administração Pública na LINDB. 2018. Disponível em: http://raquelcarvalho.com.br/2018/08/12/a-lei-13-655-2018-e-o-dever-de-motivacao-pela-administracao-publica-na-lindb/. Acesso em 13 abril 2020.

[ii] DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Atlas. 2002.

[iii] MENDONÇA, José Vicente Santos de. Art. 21 da LINDB - Indicando consequências e regularizando atos e negócios. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 43-61, nov. 2018. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77649>. Acesso em: 13 Abr. 2020. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v0.2018.77649.

Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Possui pós-graduações em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pelo Centro Universitário Estácio e em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente cursa especialização em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. É 1 Tenente R2 do Exército Brasileiro e membro ativo na Comissão Nacional de Direito Militar da ABA (Associação Brasileira de Advogados), além de integrar a Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Compõe o Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais da UNIFIEO e da Editora Mente Aberta. Atua como Professor de Direito Administrativo na Múltipla Difusão do Conhecimento, onde também coordena o curso preparatório para a 2 fase do Exame da OAB em Direito Administrativo. Advogado contratado pelas Obras Sociais Irmã Dulce, com experiência em Direito Administrativo e Militar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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