O Coronavírus surgiu do nada e, como um raio, alterou as vidas das pessoas de uma maneira inimaginável. Como advogado de família, tento abordar nesse artigo as consequências que o COVID-19 tem acarretado nos processos judiciais, antecipando problemas nefastos que, ao meu ver, necessitam de atenção imediata do Conselho Nacional de Justiça.
1) Os Tribunais continuam em atividade e liminares para casos urgentes ainda podem ser obtidas. Contudo, as audiências foram canceladas e os prazos suspensos, o que certamente significará um maior atraso na resolução dos processos judiciais, com acumulação de serviço que aumentará muito a morosidade das já sobrecarregadas Varas da Família. Haverá um gargalo inevitável em processos de divórcio, pensão alimentícia e guarda. Quais as providências que estão sendo tomadas para minimizar esses efeitos?
2) É óbvio que a maior parte das famílias já está sentindo o terrível impacto financeiro da crise. As pensões alimentícias não serão pagas, e o resultado será o aumento exponencial de pedidos judiciais de cobrança e prisão por débito alimentar. Por outro lado, é certo que, em face do Coronavírus, os devedores de alimentos estão momentaneamente protegidos por determinação que proibe seu recolhimento ao sistema prisional. Isso esvazia o poder da cobrança e terá reflexos imensos nos processos de pensão alimentícia. Serão criados mecanismos para contrabalançar o prejuízo que isso causará à sobrevivência de crianças e adolescentes?
3) Os casos de pensão, guarda e visita foram atingidos em cheio, já que, além da diminuição de renda, a determinação de isolamento levantou obstáculos ao contato social, inclusive em relação a membros da própria família – e isto inclui papais e mamães que exercem direitos de visitas. Haverá acusações de lado a lado que darão muito pano para a manga em processos judiciais e poderão atrasar sua conclusão. Estamos preparados para enfrentar esse volume de processos? Investir em mediadores seria uma boa alternativa?
4) Apesar dos Tribunais estarem funcionando, a Defensoria Pública e a OAB não estão realizando atendimentos normais, o que significa que o acesso à justiça para a população de baixa renda está muito comprometido. Na prática, o efeito causado momentaneamente equivale à negativa de acesso à Justiça. Isso gerará um acúmulo monstruoso de demandas que afetará a todos os que dependem desse serviço. Há alguma política definida para atendimento dessa população quando a quarentena acabar?
5) A população mais carente terá prejuízo manifesto em relação à solicitação de ordens de restrição pela Lei Maria da Penha, pois dependem também da Defensoria Pública. Ao mesmo tempo, a convivência forçada da quarentena potencializou os conflitos familiares, com significativo aumento da violência doméstica. Some-se a isso o problema das Delegacias, que operam de forma mínima em sistema de emergência (já não o faziam antes?) e até mesmo deixaram de atender determinado tipos de casos. Tudo isso será um gargalo que irá, igualmente, impedir a proteção e o acesso à justiça a uma parcela muito significativa da sociedade. Vidas estão em risco. Qual é a política para enfrentamento imediato desses casos de violência doméstica?
Os impactos do Covid-19 no Direito de Família serão sentidos por muito tempo, e em meu entender os segmento social mais atingido será o das mulheres com menor poder aquisitivo. São elas que estão mais sujeitas à violência doméstica, que dependem mais do serviço da Defensoria Pública em casos de família e que têm na pensão alimentícia um apoio indispensável para sobrevivência dos filhos.
Mas as mulheres carentes não serão as únicas a sofrerem com isso. É necessário que desde já pensemos em soluções e políticas para minimizar os efeitos negativos que as medidas de combate ao Coronavírus causarão à Justiça e à população mais vulnerável.