RECONHECIMENTO DE MODULAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO NO CASO DE INDENIZAÇÃO DE SEGURO DE VIDA QUANDO HOUVER SUICÍDIO
Rogério Tadeu Romano
I – O SEGURO DE VIDA
O seguro de pessoa, tradicionalmente chamado de seguro de vida, é eminente privado, consistindo em um contrato onde o segurador se obriga a pagar ao segurado ou a terceiro determinada quantia na forma de capital ou renda, em decorrência do evento previsto, ou seja, a morte.
Dizem eles ainda:
“O seguro de pessoa abrange não somente o seguro de vida, como também o seguro de saúde.
Tal espécie de seguro está prevista nos artigos 789 a 802 do Código Civil, sendo amplamente utilizada nos dias de hoje.
Atualmente o seguro de pessoas tem suas normas reguladoras específicas editadas pela SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), que são a Resolução CNSP 117/2004, os circulares SUSEP 302/2005 e 317/2006 – estes tratando a respeito das coberturas de risco – e a Resolução CNSP 140/2005 (com alterações da Resolução CNSP 148/2006) e Circular SUSEP 339/2007 – que dizem respeito à cobertura por sobrevivência.
O evento no seguro de vida, diferentemente dos demais, é certo, sendo incerto somente o momento em que irá ocorrer.
Por sua vez, a prestação - que nada mais é do que o valor a ser pago - não tem limite de quantia, visto que a vida é um bem inestimável, e é aquele estipulado na apólice. Assim, não existe vedação à contratação de mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com um ou diversos seguradores, conforme refere o art. 789 do Código Civil.
O valor da indenização do seguro de vida, no caso de contratação com mais de uma seguradora, e havendo o evento morte, será o da soma de todas as apólices. Já no caso do seguro saúde, o valor dos gastos comprovados deverá ser dividido entre todas as seguradoras.
Desta forma, conforme o número de pessoas, o seguro de vida poderá ser chamado de (a) individual, quando há apenas um segurado; e (b) coletivo ou em grupo, quando a cobertura abrange mais, ou ainda, várias pessoas, em ambos os casos sempre pessoas físicas.
O seguro pessoal individual é, destarte, a proteção econômica que o indivíduo busca para obter uma prevenção (ou compensação) contra riscos aleatórios, sendo uma das maneiras mais eficazes de proteção contra acontecimentos imprevistos.
Esta forma de seguro pode garantir o pagamento de uma indenização ao segurado ou ao beneficiário, nos casos de invalidez permanente total ou parcial por acidente, ou morte por qualquer causa, conforme o capital contratado. Seus principais fatores são a formação do prêmio e a idade do segurado, sendo autorizada cláusula que delimite prazo de carência, preestabelecido.
Seguindo a regra geral dos contratos de seguro, os beneficiários são aquelas pessoas escolhidas pelo segurado na proposta do seguro que receberão o capital segurado, acaso a morte ocorra durante a vigência da apólice. Esses podem ser substituídos a qualquer tempo, desde que em manifestação escrita, e não sendo a garantia de alguma obrigação pecuniária sua causa declarada.
Importante salientar que, no caso de invalidez, o beneficiário é o próprio segurado, e que, nos termos do Artigo 792 do Código Civil, a ausência de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por outro motivo não prevalecer aquela que foi feita quando firmado o contrato, metade do capital será pago ao cônjuge, e o restante aos herdeiros do segurado, respeitando-se a ordem hereditária.
É de praxe que nestes contratos fique estabelecido que o beneficiário deverá tão-somente apresentar a documentação necessária para receber a indenização no caso de ocorrência do sinistro.
Por outro lado, será o segurado obrigado a cumprir com as cláusulas e limites previstos ao seguro contratado, sendo, do contrário, responsabilizado ao pagamento de multas ou até mesmo ao cancelamento do contrato. Diniz descreve os casos em que o segurado será unicamente responsabilizado:
“a) Não pagar o prêmio convencionado, no prazo estipulado, ao segurador [...];
b) Se atrasar o pagamento do prêmio, caso em que deverá responder pelos juros monetários [...];
c) Praticar atos que possam aumentar ou agravar os riscos, isto é, atos contrários aos termos estipulados” [...] (2002, p.317)
Não obstante, existem casos em que o segurado não terá direito à indenização, são eles[9]:
“a) Não comunicar ao segurador todo o incidente, isto é, fato imprevisto, alheio à sua vontade que possa agravar consideravelmente o risco coberto [...];
b) Não levar ao conhecimento do segurador assim que souber do sinistro, e não tomar as devidas providências para diminuir as consequências, pois esta omissão injustificada exonerará o segurador [...];
c) Não for leal ao responder às perguntas atinentes à avaliação do risco e ao cálculo do prêmio, caso em que se terá anulação por dolo( CC art. 765), perda do valor do seguro e dever de par o prêmio vencido” (CC art. 766) [...].
Outras situações que podem eximir as seguradoras do pagamento são os casos de má–fé do segurado e a comprovação da já existência de doenças preexistentes à contratação do seguro de vida.
No que tange ao seguro coletivo, os segurados poderão estar nominalmente referidos na apólice (apólice simples) ou designados como um grupo, como, por exemplo, os funcionários de uma empresa, ocasião em que os segurados variam com a entrada ou saída da coletividade (apólice flutuante), conforme leciona o artigo 801 do Código Civil.
Assim, esta espécie de seguro de vida se destina a várias pessoas ligadas por uma razão de fato ou de direito, e que, quando contratadas em conjunto, tendem a propiciar melhores condições de contratação e menores valores pagos, o que justifica a sua utilização, sendo que o exemplo mais comum é o caso em que um empregador faz o contrato, ocasião em que é chamado de estipulante, cuja cobertura abrange os funcionários da empresa.
Ademais, os elementos definidores do valor do prêmio e das condições da contratação podem ser o estado de saúde dos segurados, ou o prazo de carência estabelecido, e a média de idade dos segurados, além do índice de sinistros ocorridos nos últimos anos, e funcionários afastados, numa análise relacionando estes com os que estão em atividade, além do número total. Ressalta-se, contudo, que o norteador da relação jurídica entre a seguradora e os segurados é o risco, que fica de certa forma dependente de uma análise sobre os elementos supra indicados, e, especialmente, da atividade exercida pela empresa, podendo ser reajustado o valor do seguro quando o índice de sinistros for alto no período, ou por fatores objetivos como variação salarial, por exemplo, o que deverá estar expresso nas propostas e no contrato; ou ainda pela correção anual do IPCA (índice de preços ao consumidor amplo).
Quando falamos em risco, devemos considerar que este seja segurável, ou seja, deve ser futuro, incerto quanto ao momento de ocorrência, independa da vontade dos interessados, ameace significativo número de pessoas, e seja um acontecimento normal.
Sem risco, é nulo o contrato, visto que não existe objeto.
O ente segurador não pode ser obrigado a incluir na cobertura securitária todos os riscos de uma mesma natureza, já que deve possuir liberdade para oferecer diversos produtos oriundos de estudos técnicos, pois quanto maior a periculosidade do risco, maior será o valor do prêmio. A propósito, a seguinte lição de Pedro Alvim: "(...) 199 - As observações anteriores, embora de natureza técnica, ajudam a esclarecer por que as apólices contêm geralmente uma cláusula de cobertura ampla dos riscos de determinada espécie, seguida de outra onde se faz a exclusão de todos os riscos extraordinários e de outros que injunções de ordem técnica ou comercial desaconselharam sua cobertura no mesmo plano. (...) Esse processo é usado, de um modo geral, para todos os contratos, qualquer que seja a modalidade do seguro. Ao invés da enumeração dos riscos assumidos pelo segurador, faz-se a enumeração dos riscos excluídos. A garantia abrange, de forma ampla, todos os da mesma espécie, com exceção apenas dos que foram expressamente excluídos. Assim, no seguro incêndio, por exemplo, qualquer que seja sua causa a cobertura funciona, salvo se for uma daquelas referidas na exclusão. 200 - O segurador não pode ser obrigado a incluir na garantia da apólice todos os riscos da mesma espécie. É preciso ter liberdade de conceber os planos técnicos de acordo com a conveniência do próprio negócio, sob pena de não poder resguardar sua estabilidade necessária. (...) Segundo a lição de Ramella, as cláusulas da apólice constituem, às vezes, uma limitação contratual do risco, de modo que o segurador restringe sua responsabilidade a determinado risco e em certas circunstâncias. A razão de semelhante restrição está na medida do prêmio, essencialmente regulado pela maior ou menor periculosidade do risco." (ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, págs. 254-257 - grifou-se) Desse modo, "(...) as diferentes espécies de seguros serão regulados pelas
Desse modo, "(...) as diferentes espécies de seguros serão regulados pelas cláusulas das respectivas apólices (...). Só há uma restrição: estas cláusulas não devem contrariar disposições legais" nem devem "(...) contrariar também a finalidade do contrato" (ALVIM, Pedro. Obra citada, pág. 246 - grifou-se). Com relação ao contrato de seguro e à embriaguez ao volante, é certo que a Terceira Turma desta Corte Superior possui entendimento de que a direção do veículo por um condutor alcoolizado já representa agravamento essencial do risco avençado, sendo lícita a cláusula do contrato de seguro de automóvel que preveja, nessa situação, a exclusão da cobertura securitária. Isso porque há comprovação científica e estatística de que a bebida alcoólica é capaz de alterar as condições físicas e psíquicas do motorista, que, combalido por sua influência, acaba por aumentar a probabilidade de produção de acidentes e danos no trânsito, entre outros fundamentos (princípios do absenteísmo e da boa-fé e função social do contrato). Assim, nessa espécie securitária, constatado que o condutor do veículo estava sob influência do álcool (causa direta ou indireta) quando se envolveu em acidente de trânsito - fato que compete à seguradora comprovar -, há presunção relativa de que o risco da sinistralidade foi agravado, a ensejar a aplicação da pena do art. 768 do CC. Por outro lado, a indenização securitária deverá ser paga se o segurado demonstrar que o infortúnio ocorreria independentemente do estado de embriaguez, como, a título exemplificativo, culpa do outro motorista, falha do próprio automóvel, imperfeições na pista, animal na estrada (vide REsp nº 1.485.717/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 14/12/2016).
Ao contrário do que acontece no seguro de automóvel, a cláusula similar inscrita em contrato de seguro de vida que impõe a perda do direito à indenização no caso de acidentes ocorridos em consequência direta ou indireta de quaisquer alterações mentais, compreendidas entre elas as consequentes à ação do álcool, de drogas, entorpecentes ou substâncias tóxicas, de uso fortuito, ocasional ou habitual, revela-se inidônea.
Na matéria, a Superintendência de Seguros Privados editou a Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007, orientando as sociedades seguradoras a alterar as condições gerais dos seguros de pessoas justamente por ser vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas.
II – A SÚMULA 105 DO STF E A SÚMULA 61 DO STJ
No passado, tinha-se a Súmula 105 do STF. O que dizia essa súmula?
Súmula 105
Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.
Disse Carvalho Santos que o caráter antissocial ou imoral atentatório à ordem pública do seguro feito antecedendo ao suicídio. Havia, no entanto, necessidade do segurador provar que foi ele deliberado, pois se resultava, de grave, embora momentânea perturbação da inteligência, não anulará o contrato(Comentários, volume XIX, pág. 286).
Para Clóvis Beviláqua, essa morte era uma fatalidade. O indivíduo não quis, consequência, distingue-se o suicídio em voluntário e involuntário. Cláusula que exclua indenização à finalidade econômica do contrato de seguro.
Acentuou Washington Barros Monteiro que para contornar as objeções, costumavam as companhias seguradoras estabelecer um período de carência, superado este, excluía-se a investigação sobre as causas de suicídio, se voluntário ou involuntário. a inserção da referida cláusula destruía o próprio vínculo do contrato de seguro(Curso de direito civil, 5/369).
Da literatura, colhe-se a lição de Isaac Halperin(Contrato de seguro, pág. 521, 2ª edição) quando disse que o suicídio como ato de extremo desespero, não teria caráter voluntário.
Ainda, no passado, o STF, de forma reiterada, negou a validade escusante da responsabilidade da companhia seguradora(ERE nº 8.226 - Arq. Judiciário 80/119; RE nº 2.729; Agr. nº 88.815 - RTJ 104/1.114).
III – O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E O ENTENDIMENTO DO STJ
O atual Código Civil estabelece que "é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado", conquanto tenha ressalvada a hipótese de suicídio ocorrido "nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso". Confira-se:
"Art. 797. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro. Parágrafo único. No caso deste artigo o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada.
Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.
" Em consonância com o novel Código Civil, a jurisprudência da eg. Segunda Seção consolidou seu entendimento para preconizar que "o legislador estabeleceu critério objetivo para regular a matéria, tornando irrelevante a discussão a respeito da premeditação e que, assim, a seguradora não está obrigada a indenizar apenas o suicídio ocorrido dentro dos dois primeiros anos do contrato.
Confira-se:
DIREITO CIVIL. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO OCORRIDO ANTES DE COMPLETADOS DOIS ANOS DE VIGÊNCIA DO CONTRATO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. ART. 798 DO CÓDIGO CIVIL.
1. De acordo com a redação do art. 798 do Código Civil de 2002, a seguradora não está obrigada a indenizar o suicídio ocorrido dentro dos dois primeiros anos do contrato.
2. O legislador estabeleceu critério objetivo para regular a matéria, tornando irrelevante a discussão a respeito da premeditação da morte, de modo a conferir maior segurança jurídica à relação havida entre os contratantes.
3. Agravo regimental provido. (AgRg nos EDcl nos EREsp 1.076.942/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 15/06/2015)
Assim, e com mais razão, a cobertura do contrato de seguro de vida deve abranger os casos de morte involuntária em decorrência de acidente de trânsito, ainda que o condutor do veículo, também vítima do sinistro, eventualmente estivesse dirigindo sob os efeitos da ingestão de álcool, motivo já suficiente para que se acolha a pretensão autoral lastreada nas disposições do revogado Código Civil.
Quanto ao suicídio e o seguro de vida o STJ já emitiu duas súmulas:
Súmula 610, Órgão Julgador: S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data do Julgamento: 25/04/2018, Data da Publicação/Fonte: DJe 07/05/2018
Enunciado: O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada.
Súmula 61, Órgão Julgador: S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data do Julgamento: 14/10/1992, : Data da Publicação/Fonte: DJ 20/10/1992 p. 18382 RSTJ vol. 44 p. 81 RT vol. 688 p. 172
Enunciado: O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado. SÚMULA CANCELADA
A Segunda Seção, na sessão de 25 de abril de 2018, ao apreciar o Projeto de Súmula n. 1.154, determinou o CANCELAMENTO da Súmula n. 61-STJ.
Em outra oportunidade, decidiu o STJ:
DIREITO CIVIL. DEVOLUÇÃO DA RESERVA TÉCNICA EM SEGURO DE VIDA NO CASO DE SUICÍDIO PREMEDITADO.
Se o segurado se suicidar dentro dos dois primeiros anos de vigência de contrato de seguro de vida, o segurador, a despeito de não ter que pagar o valor correspondente à indenização, será obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada, mesmo diante da prova mais cabal de premeditação do suicídio. Realmente, conforme a redação do art. 798, caput, do CC/2002, o "beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato [...], observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente". Por sua vez, o parágrafo único do art. 797 do CC/2002 estabelece que, se o segurado se suicidar dentro do prazo de carência do seguro, o beneficiário - conquanto não tenha direito ao capital estipulado (art. 798, caput) - terá direito ao ressarcimento do "montante da reserva técnica já formada". Ao contrário do CC/1916, não há, no CC/2002, previsão acerca do caráter premeditado ou não do suicídio, visto que a intenção do novo Código é precisamente evitar a dificílima prova da premeditação e da sanidade mental e capacidade de autodeterminação no momento do suicídio. Percebe-se, portanto, que o art. 798 do CC/2002 adotou critério objetivo temporal para determinar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação. Nesse contexto, deve-se ressaltar o fato de que a Súmula 105 do STF ("Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro") foi formada, antes do CC/2002, a partir de precedentes nos quais se invalidava a cláusula de exclusão de cobertura simplesmente porque não havia previsão legal, na época, para esta cláusula. Posteriormente a essa Súmula, surgiu a Súmula 61 do STJ ("O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado"), em data também anterior ao CC/2002, em uma época em que o pressuposto de todos os precedentes tanto da mencionada Súmula do STF quanto da referida Súmula do STJ era a ausência de previsão legal que autorizasse a estipulação de cláusula que eximisse a seguradora da cobertura por suicídio não premeditado, o contrário do que sucede hoje, quando a lei expressamente estabelece que o de suicídio durante os primeiros dois anos de vigência da apólice é um risco não coberto (art. 798, caput). REsp 1.334.005-GO, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 8/4/2015, DJe 23/6/2015.
Trata-se de ação de cobrança de seguro de vida ajuizada por beneficiário da apólice em decorrência da morte de sua companheira provocada por suicídio ocorrido após cinco meses da contratação do seguro. A controvérsia, no REsp, consiste em examinar se o advento do art. 798 do CC/2002 (que inovou ao fixar o prazo de dois anos de vigência inicial do contrato para excluir o pagamento do seguro) importa uma presunção absoluta de suicídio premeditado desde que ocorrido no prazo estipulado no citado artigo. No sistema anterior (CC/1916), como cediço, predominava a orientação de que a exclusão da cobertura securitária somente alcançava as hipóteses de suicídio premeditado e o ônus da prova cabia à seguradora (ex vi Sum. n. 105-STF e Sum. n. 61-STJ). Esclarece o Min. Relator ser evidente que o motivo da norma é a prevenção de fraude contra o seguro, mas daí admitir que aquele que comete suicídio dentro do prazo previsto no CC/2002 age de forma fraudulenta, contratando o seguro com a intenção de provocar o sinistro, a seu ver, seria injusto. Isso porque a boa-fé deve ser sempre presumida enquanto a má-fé, ao contrário, necessita de prova escorreita de sua existência. Dessa forma, o fato de o suicídio ter ocorrido no período de carência previsto pelo CC/2002, por si só, não acarreta a exclusão do dever de indenizar, já que o disposto no art. 798, caput, do referido código não afastou a necessidade da comprovação inequívoca da premeditação do suicídio. Por outro lado, explica que a interpretação literal do citado artigo representa exegese estanque que não considera a realidade do caso frente aos preceitos de ordem pública estabelecidos pelo CDC aplicáveis obrigatoriamente na hipótese, pois se trata de uma típica relação de consumo. Também observa o Min. Relator que há certa confusão entre a premeditação ao suicídio por ocasião da contratação com premeditação ao próprio ato. Uma coisa é a contratação causada pela premeditação ao suicídio e outra, diferente, é a preparação do ato suicida; assim, o que permite a exclusão de cobertura é a primeira hipótese, o que não se verifica no caso dos autos; visto que não há prova alguma da premeditação da segurada em matar-se, caberia então à seguradora comprová-la. Após essas considerações, entre outras, conclui o Min. Relator que, salvo comprovação da premeditação, no período de carência (dois anos), não há que se eximir o segurador do pagamento do seguro de vida. Diante do exposto, a Turma prosseguindo o julgamento, por maioria, deu provimento ao recurso. REsp 1.077.342-MG, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 22/6/2010.
Para fins de seguro de vida, o suicídio não premeditado inclui-se no conceito de acidente. Dessarte, a beneficiária recorrente tem direito ao pagamento do adicional por morte acidental. Precedentes citados: REsp 16.560-SC, DJ 22/6/1992, REsp 6.729-MS, DJ 3/6/1991, e REsp 194-PR, DJ 2/10/1989. REsp 304.286-SP, Rel. Min. Ruy Rosado, julgado em 12/3/2002.
EREsp 973725 / SP, EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL, 2013/0016348-9, Relator(a) Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) (8400), Órgão Julgador: S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data do Julgamento: 25/04/2018, Data da Publicação/Fonte: DJe 02/05/2018
Ementa: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO DE VIDA PROPOSTA POR FAMILIARES BENEFICIÁRIOS DA COBERTURA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE DO CONDUTOR SEGURADO. NEGATIVA DE COBERTURA PELA SEGURADORA. ALEGAÇÃO DE AGRAVAMENTO DE RISCO. INGESTÃO DE BEBIDA ALCOÓLICA. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. RELEVÂNCIA RELATIVA. ORIENTAÇÃO CONTIDA NA CARTA CIRCULAR SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.
1. Sob a vigência do Código Civil de 1916, à época dos fatos, a jurisprudência desta Corte e a do egrégio Supremo Tribunal Federal foi consolidada no sentido de que o seguro de vida cobre até mesmo os casos de suicídio, desde que não tenha havido premeditação (Súmulas 61/STJ e 105/STF).
2. Já em consonância com o novel Código Civil, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou seu entendimento para preconizar que "o legislador estabeleceu critério objetivo para regular a matéria, tornando irrelevante a discussão a respeito da premeditação da morte" e que, assim, a seguradora não está obrigada a indenizar apenas o suicídio ocorrido dentro dos dois primeiros anos do contrato (AgRg nos EDcl nos EREsp 1.076.942/PR, Rel. p/ acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA).
3. Com mais razão, a cobertura do contrato de seguro de vida deve abranger os casos de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas, ressalvado o suicídio ocorrido dentro dos dois primeiros anos do contrato.
4.Orientação da Superintendência de Seguros Privados na Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007: "1) Nos Seguros de Pessoas e Seguro de Danos, é VEDADA A EXCLUSÃO DE COBERTURA na hipótese de 'sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas'; 2) Excepcionalmente, nos Seguros de Danos cujo bem segurado seja um VEÍCULO, é ADMITIDA A EXCLUSÃO DE COBERTURA para 'danos ocorridos quando verificado que o VEÍCULO SEGURADO foi conduzido por pessoa embriagada ou drogada, desde que a seguradora comprove que o sinistro ocorreu devido ao estado de embriaguez do condutor". Precedentes: REsp 1.665.701/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA; e AgInt no AREsp 1.081.746/SC,Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA.
5. Embargos de divergência providos.
Tem-se então que o suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada.
IV – A MODULAÇÃO DOS EFEITOS PELO STJ
No entanto, há recente entendimento do STJ de máxime importância.
Para isso, transcrevo recente notícia do STJ, em 15 de abril do corrente ano, que decisão do Superior Tribunal de Justiça envolvendo modulação de efeitos em decisão para determinar o pagamento de indenização securitária ocorrida em caso de suicídio.
“Ao modular os efeitos de alteração jurisprudencial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma viúva para determinar o pagamento de seguro de vida contratado por seu marido – que se suicidou antes de decorridos dois anos da contratação –, aplicando entendimento vigente à época dos fatos.
O recurso teve origem em ação ajuizada pela viúva, em 2012, para pleitear a indenização após a negativa de pagamento pela seguradora, a qual invocou o artigo 798 do Código Civil.
Em 2014, o juízo de primeiro grau julgou o pedido procedente, com base no entendimento então vigente no STJ (Súmula 61), que refletia a posição do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria (Súmula 105). A jurisprudência era no sentido de que o fato de o suicídio ter ocorrido nos dois primeiros anos do contrato de seguro, por si só, não eximia a seguradora do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca de que o segurado suicida contratou o seguro de forma premeditada.
Novo entendimento
Em 2015, o STJ mudou de posição e passou a entender que o suicídio não é coberto pelo seguro se ocorre nos dois anos iniciais do contrato, como estabelece literalmente o artigo 798. Com isso, o Tribunal de Justiça do Paraná deu provimento à apelação interposta pela seguradora. O novo entendimento do STJ deu origem à Súmula 610, editada em 2018 pela Segunda Seção.
Com fundamento na doutrina da superação prospectiva da jurisprudência – também chamada de modulação dos efeitos –, a viúva pediu, no recurso ao STJ, que fosse aplicado ao seu caso o entendimento anterior, uma vez que os fatos e a sentença antecederam a mudança jurisprudencial.
Para o futuro
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que essa teoria é invocada nas hipóteses em que há alteração da jurisprudência consolidada dos tribunais. Segundo ela, "quando essa superação é motivada pela mudança social, é recomendável que os efeitos sejam para o futuro apenas – isto é, prospectivos –, a fim de resguardar expectativas legítimas daqueles que confiaram no direito então reconhecido como obsoleto".
Para a ministra, é com fundamento na confiança legítima e no interesse social que o artigo 927, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão ou de regime de transição para a adoção da nova tese jurídica.
A modulação de efeitos, porém, segundo ela, "deve ser utilizada com parcimônia, de forma excepcional e em hipóteses específicas, em que o entendimento superado tiver sido efetivamente capaz de gerar uma expectativa legítima de atuação nos jurisdicionados e, ainda, o exigir o interesse social envolvido".
Alteração traumática
No caso sob análise, a ministra considerou que "é inegável a ocorrência de traumática alteração de entendimento desta Corte Superior, o que não pode ocasionar prejuízos para a recorrente, cuja demanda já havia sido julgada procedente em primeiro grau de jurisdição de acordo com a jurisprudência anterior do STJ".
De acordo com a relatora, como meio de proteção da segurança jurídica e do interesse social contido na situação em discussão, é necessário aplicar ao caso o entendimento anterior do STJ, que está refletido na Súmula 105 do STF.
Nancy Andrighi afirmou que, se uma alteração legislativa posterior que mudasse a regulação dos seguros não poderia afetar a situação da recorrente, devido à irretroatividade das leis, "com mais razão não se poderia aplicar retroativamente – nos autos que já contavam com sentença favorável – o novo entendimento jurisprudencial".
A matéria foi discutida no REsp 1.721.716.
Ali falou-se na teoria da superação prospectiva (prospective overruling), de origem norte-americana, é invocada nas hipóteses em que há alteração da jurisprudência consolidada dos Tribunais e afirma que, quando essa superação é motivada pela mudança social, seria recomendável que os efeitos sejam para o futuro apenas, isto é, prospectivos, a fim de resguardar expectativas legítimas daqueles que confiaram no direito então reconhecido como obsoleto.
Anote-se, na matéria, que Alexy é da mesma opinião de Hart e reivindica o uso de técnicas de aplicação do precedente(distinguishing e overruling) dos sistemas jurídicos abertos aos sistemas jurídicos formais a fim de alcançar uma maior limitação sobre a “área do possível discursivamente”(Teoria da Argumentação, pág. 274). “A técnica do distinguishing serve para interpretar de forma estrita a norma que há que considerar desde a perspectiva do precedente, por exemplo, mediante a introdução de uma característica do suporte de fato não existente no caso a decidir, de maneira que não seja aplicável ao caso. Com isso, o precedente como tal não segue sendo respeitado. A técnica do overruling, pelo contrário, consistem em repelir o precedente. Aqui somente interessa uma coisa: tanto o distinguishing como o overruling tem que ser fundamentados. Segundo Kriele, para isso necessita-se razões jurídicas”(Teoria de la argumentación juridica. La teoria del discurso racional como teoria de la fundamentación juridica(Traducción de Manuel Atienza e Isabel Espejo) Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1989, pág. 266).
A doctrine of precedent, ancorada na Supremacia do Parlamento, após a Revolução de 1688, o Bill ofRights, fulcradas nas idéias contratualistas de Locke, é sintetizada, no sistema anglo-saxão, diverso do sistema europeu ancorado na Lei e na divisão de poderes, na aplicação aos novos episódios, de regras legais derivadas de princípios jurídicos e de precedentes judiciais com o objetivo de conservar a uniformidade, consistência e certeza, aplicadas a todos os casos, desde que não se afigurem ilógicas, que surgirem. Tal doutrina foi várias vezes repetida, como nos casos Bearnisch v. Beamisch (1861), Bradford vs. Pickles (1895), London Tranways Company v. London Conty Council( 1898), sempre pela Câmara dos Lords. Nos julgamentos, no âmbito do Common Law, impõe-se a exigência da Corte pela expressa alusão à jurisprudência do Tribunal Superior ou da própria Corte, aproximando-se os elementos objetivos que possam identificar a demanda em julgamentos com decisões anteriores proferidas em casos análogos. A evolução determinada pela dinâmica social orienta exceção à regra do precedente a esse respeito. Fala-se em: a) retrospective overruling (revogação ex tunc do precedente); b) prospective overruling( eficácia ex nunc ); c) na revogação preventiva do precedente (antecipatory overruling), face a experiência americana (José Rogério Cruz e Tucci, obra citada, a partir das ilações de Moretti, La dottrina dei precedente giudiziario nel sistema inglese, p. 56 e 57). O surgimento do precedente obrigatório ou vinculativo datou na Inglaterra, do século XVII, com relação ao equity (súplica ao rei para eliminar injustiças tributadas ao rigorismo dos Tribunais), passando pelo Common Law, em sentido amplo, na segunda metade do século XIX e início do século XX, assinalada pela solene declaração da Câmara dos Lordes de 1898.
A força vinculante do precedente, em sentido estrito, bem como da jurisprudência, em sentido substancial, decorre de sua capacidade de servir de diretriz para o julgamento posterior em casos análogos e de, assim, criar nos jurisdicionados a legítima expectativa de que serão seguidos pelo próprio órgão julgador e órgãos hierarquicamente inferiores e, como consequência, sugerir para o cidadão um padrão de conduta a ser seguido com estabilidade.
A chamada prospective overruling é a técnica utilizada para arejar posicionamentos jurisprudenciais corroídos pelo tempo e distantes dos fins constitucionais de elevação civilizatória e aprimoramento coletivo. Sabidamente, decisões judiciais não são feitas de pedra, mas de valores jurídicos suscetíveis à natural influência do avançar da vida em sociedade. Logo, o progredir da existência traz consigo um natural efeito renovador da lei e de suas interpretações. Ou seja, a revisão jurisprudencial deve ser um processo de aperfeiçoamento civilizatório e, não, um retrocesso institucional.
A vida ensina que a marcha da evolução caminha para frente. Logo, a lei deve ter como norte o progresso de sua respectiva comunidade política, elevando-a em seus hábitos, posturas e relações sociais.
A recorrente ajuizou ação pleiteando a indenização securitária em 09/01/2012 e, ainda no ano de 2014, obteve sentença de 1º grau de jurisdição que julgou procedente seu pedido, com base no entendimento então vigente deste STJ, que ainda refletia vetusta posição do STF sobre matéria de lei federal.
Atento à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de origem deu provimento à apelação interposta pela seguradora recorrida, afastando a aplicação da Súmula 105 do STF, in verbis: 4.3. Sobre o assunto, o entendimento desta Câmara Cível e do Superior Tribunal de Justiça era de que a interpretação literal destas normas significaria admitir a presunção de má fé do segurado que se suicida nos dois primeiros anos de vigência da apólice; nessa linha, o direito à indenização somente poderia ser excluído, caso a seguradora comprovasse a premeditação do suicídio. 4.4. Contudo, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, posicionou-se diversamente sobre a matéria, no Recurso Especial n° 1.334.005/GO, e no AgRg nos EDcI nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n° 1.076.942/PR, entendendo que o legislador de 2002 adotou o critério objetivo, ao estabelecer no artigo 798 do Código Civil, que inexiste direito à indenização quando o suicídio ocorre nos dois primeiros anos da vigência do contrato. Ou seja, a Corte Superior optou pela interpretação literal do dispositivo legal, tornando inócua a discussão quanto à premeditação do suicídio no período de dois anos após a contratação. Confira-se: "DIREITO CIVIL. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO OCORRIDO ANTES DE COMPLETADOS DOIS ANOS DE VIGÊNCIA DO CONTRATO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. ART. 798 DO CÓDIGO CIVIL. 1. De acordo com a redação do art. 798 do Código Civil de 2002, a seguradora não está obrigada a indenizar o suicídio ocorrido dentro dos dois primeiros anos do contrato. 2. O legislador estabeleceu critério objetivo para regular a matéria, tornando irrelevante a discussão a respeito da premeditação da morte, de modo a conferir maior segurança jurídica à relação havida entre os contratantes. 3. Agravo regimental provido". (AgRg nos EDcI nos EREsp 1076942/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 27/05/2015, DJe 15/06/2015) "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO 'DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO DENTRO DO PRAZO DE DOIS ANOS DO INÍCIO DA VIGÊNCIA DO SEGURO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, 1. Durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, o suicídio é risco não coberto. Deve ser observado, porém, o direito do beneficiário ao ressarcimento do montante da reserva técnica já formada (Código Civil de 2002, art. 798 c/c art. 797, parágrafo único). 2. O art. 798 adotou critério objetivo temporal para determinar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação. Após o período de carência de dois anos, portanto, a seguradora será obrigada a indenizar, mesmo diante da prova mais cabal de premeditação. 3. Recurso especial provido". (REsp 1334005/GO, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 08/04/2015, DJe 23/06/2015) 4.5. Seguindo este novo posicionamento, tem-se por inaplicáveis ao caso as súmulas 105 do Supremo Tribunal Federal e 61 do Superior Tribunal de Justiça (e-STJ fls. 911).
O acórdão reportado, parte da compreensão de que não se pleiteia a revisão do entendimento do STJ acerca do art. 798 do CC/2002, mas que seja aplicada, à hipótese em julgamento, a orientação jurisprudencial anterior ao julgamento do REsp 1.334.005/GO, pela Segunda Seção, no ano de 2015.
Lembrou a ministra relatora que também nos EUA, a eficácia temporal na superação dos precedentes é tradicionalmente retroativa. Por exemplo, no ano de 1910, afirmou Oliver Wendell Holmes, então membro da Suprema Corte norte-americana, que “as decisões judiciais tem tido efeitos retroativos por aproximadamente mil anos”, mencionando que a superação de precedentes anteriores, tradicionalmente, sempre teve efeitos retroativos. (Suprema Corte dos Estados Unidos, Kuhn v. Fairmont Coal Co., 215 U.S. 349, 1910, p. 372, dissenting opinion). Foi essa preocupação que fundamentou a formulação da chamada superação prospectiva (ou prospective overruling) nos EUA, iniciada por Benjamin Cardozo, em 1932, em um importante julgamento da Suprema Corte daquele país (Great Northern Railway v. Sunburst Oil and Refining Company, 288 U.S. 350, 1932).
Quando nos EUA, essa doutrina é aplicada, embora julgando um litígio de acordo com um precedente aplicável, a Corte proclama que nas hipóteses futuras modificará seu entendimento e não mais observará o precedente até então vinculante, com o objetivo de não desiludir a confiança de pelo menos uma das partes que confiou na manutenção dos precedentes até então observados.
Não se afastaria dessa forma de pensar o novo CPC. Com fundamento na confiança legítima e no interesse social que os arts. 927, § 3º, do CPC/15 prevê a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão ou a previsão de regime de transição para o cumprimento da nova tese jurídica.
No julgamento, a ministra relatora ainda trouxe as seguintes considerações:
“O recurso em julgamento adquire, ainda, contornos mais graves na medida em que o fato em discussão é justamente a ocorrência de um suicídio, incidente sempre delicado que, além de ceifar a vida daquele que o comete, arrasta todos seus entes queridos para um turbilhão de dúvidas, mágoas e tristezas pelo resto de suas vidas. Assim, como meio de proteção da segurança jurídica e do interesse social contido na situação em discussão, impõe-se reconhecer que, para hipótese em julgamento, a aplicação do entendimento anterior do STJ, que está refletido na Súmula 105/STF.”
Entendeu-se assim que essa é a medida que se impõe, pois, mesmo se houve alteração legislativa, que alterasse todo o arcabouço regulatório dos seguros de vida, mesmo em situações de suicídio, a hipótese da recorrente não seria afetada pela irretroatividade das leis, com mais razão não se poderia aplicar retroativamente – nos autos que já contava com sentença favorável – o novo entendimento jurisprudencial.