CANCELAMENTO DE CONTRATOS DE SERVIÇOS TURÍSTICOS E CULTURAIS DURANTE A PANDEMIA DO COVID 19 E A IMPORTÂNCIA DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE CONFLITOS

17/04/2020 às 10:14
Leia nesta página:

O presente artigo apresenta uma breve abordagem sobre a problemática dos consumidores em caso de cancelamento de contratos de turismo e cultura frente ao cenário da pandemia do COVID 19, com a edição da Medida provisória 948/2020.

 

Em razão da pandemia de coronavíruis, caso fortuito e força maior, alguns consumidores não usufruíram dos serviços de pacotes de viagem de turismo contratados, não utilizaram a passagem aérea adquirida,cancelaram diárias em hotéis e pousadas, compraram ingressos de show ou de teatro e não utilizaram, por exemplo.Como o Código de Defesa do Consumidor - lei 8078/90 - trataria uma situação extraordinária não prevista?

 A medida provisória nº 948/2020 foi publicada em 08(oito) de abril de 2020 com intuito de estabelecer métricas para solucionar essas situações, estabelecendo um equilíbrio entre o prestador de serviço, empresas e consumidores. De um lado, o consumidor que pagou pelo serviço, reserva ou evento não podendo utilizá-lo e ainda não teve seu reembolso, encontrando-se em situação de notória vulnerabilidade. De outro, o prestador de serviço ou empresa, sem fluxo de caixa que permita reembolsar todos os consumidores e que muitas vezes funcionam em imóvel locado, sem sequer conseguir honrar com compromissos do seu próprio contrato de locação ou junto aos seus funcionários e se vê obrigada a reparação dos possíveis prejuízos causados ao consumidor.

O artigo 2º[1] da referida medida provisória retira a obrigatoriedade dos prestadores de serviço em reembolsar os consumidores, prevendo alternativas como a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados,ou a  disponibilização de crédito para uso ou abatimento em outros serviços oferecidos pela empresa ou prestador de serviço. Ou ainda, pode ser formalizado um acordo com o consumidor.

Numa breve análise, na referida disposição normativa houve uma tentativa de proporcionar segurança jurídica nas relações de consumo, além de restabelecer o equilíbrio entre as partes,fomentar a possibilidade de acordo,possibilitando utilizar meios alternativos de conflitos(negociação, conciliação ou mediação), como forma de solucionar a problemática dos consumidores, dos prestadores de serviço ou empresas em meio a crise de pandemia.

Os meios alternativos de solução de conflitos mostram-se mais eficazes quanto ao resultado célere na resolutiva, principalmente em um período que vigora a Resolução  nº 313[2] do Conselho Nacional de Justiça, uma vez que nem todas demandas podem ser solucionadas no monento de forma tão rápida junto ao Poder Judiciário, consistindo numa forma de eficácia mais célere na resolutiva de reparar possíveis prejuízos decorrentes.

O consumidor poderá assim optar sem qualquer custo adicional, taxa ou multa, desde que faça a solicitação no prazo de 90(noventa) dias a contar da data de vigência da medida provisória, ou seja, 08 de abril de 2020. Questiona-se neste cenário de incerteza: este prazo seria suficiente para que o consumidor possa fazer opção para uma das alternativas previstas no art. 2º, diante das incertezas deste período?.Porém, é o prazo previsto.

O crédito a que se refere poderá ser utilizado pelo consumidor no prazo de (12) doze meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo  decreto legislativo nº 06/2020, que ainda é uma incognita diante da incerteza do prazo de término da crise epidêmica.

 Porém, na total impossibilidade de ajuste diverso, o consumidor poderá ser restituído, cujo valor será atualizado monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E, também no prazo de doze meses, a partir da data de encerramento do estado de calamidade pública.

O art.5º da Medida Provisória em discussão, prevê que as relações de consumo regidas por esta normativa são hipóteses de caso fortuito ou força maior e não enseja danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades. No entanto, esta interpretação deve ser criteriosa, considerando que a própria Constituição Federal, norma hieraquicamente superior, prevê no seu art 5º inciso X[3] a possibilidade de indenização por dano moral.

Obviamente que o fato de um crédito para usufruir do serviço posteriormente, por exemplo, não poderá ensejar dano moral, pois a medida provisória veio atender casos fortuitos e força maior em situação extraordinária de pandemia.Porém, como ficaria aquele que permaneceu num aeroporto por muitas horas sem retorno da companhia áerea quanto a  remarcação ou resolutiva, por exemplo? Podem surgir situações ou circuntâncias vividas pelo consumidor que venham ensejar o dano moral, mesmo decorrentes da pandemia, mas fora de hipóteses expressamente previstas na Medida Provisória.

Assim, a medida provisória nº 948/2020 consagra medidas com o propósito de contemplar as várias situações dos consumidores neste cenário extraordinário de pandemia, evitando a judicialização, pois a norma consagra alternativas de solucionar os conflitos estabelecendo ainda que minimamente a segurança jurídica e o equilíbrio nas relações de consumo. Entretanto, diante da incerteza deste cenário, possivelmente muitos ajustes normativos serão necessários ou os casos concretos irão possibilitar novos entendimentos jurisprudenciais.

 

 


[1] Art. 2º - Na hipótese de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem:

I - a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados;

II - a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou

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III - outro acordo a ser formalizado com o consumidor.

 

[2] Resolução CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ nº 313, de 19.03.2020 – D.J.E.: 19.03.2020. Ementa Estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de Plantão Extraordinário,
para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19, e garantir o acesso à justiça neste período emergencial.

 

[3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 

Sobre a autora
Elaine Cristina de Carvalho

Advogada com ênfase no Direito Privado e advocacia extrajudicial (OAB SP 439033), conciliadora e mediadora judicial com formação pelo Centro de Mediação e Arbitragem de São Paulo, pós graduada em Direito do Consumidor, Responsabilidade Civil e em Direito Eleitoral,aluna especial do mestrado profissional"Inovação Tecnológica" da Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP, psicanalista acadêmica, atuou durante 15(quinze) anos na graduação com as seguintes experiências: 2017-2019: advogada, microempresária, conciliadora e mediadora. 2017-2018: membro da Comissão de Direitos do Consumidor, membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem e da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Maranhão, 2013-2017: Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Estácio de São Luís. 2002- 2017: docente da Faculdade Estácio de São Luís. . 2015-2017: docente da Faculdade Santa Terezinha - CEST(APAE) 2011/2012: coordenadora Adjunta do Curso de Direito da Universidade CEUMA. 2011 - Supervisora do Núcleo de Prática Jurídica - NPJUR da Faculdade São Luís.. 2008-2010: Assessora Jurídica de Desembargador no Tribunal de Justiça do Maranhão e Coordenadora do Curso de Direito da Universidade Ceuma. 2003 - 2018: sócia do Cardoso&Matos Advogados Associados. 2007 - Integrante da Comissão Especial responsável pelos estudos de reorientação do Curso de Direito Uniceuma (Portaria nº 545/REIT;2007). Coordenadora Geral substituta da Unidade Anil do Uniceuma( Portaria nº341/REIT/2006) e Presidente do Conselho do Curso de Direito do Centro Universitário do Maranhão (2006/2007). Membro do colegiado do Curso de Ciências Contábeis - Faculdade São Luis. 2002- Membro da Comissão de defesa dos direitos do consumidor( Portaria nº015) 2003 - Membro do colegiado do Curso de Ciências Contábeis - Faculdade São Luis. 2002,Membro da Comissão de defesa dos direitos do consumidor( Portaria nº015) e docente da Centro Universitário do Maranhão-CEUMA. 2002/2004: professora dos Cursos de Administração, Ciência Contábeis e Direito da UB Uni São Luís(Faculdade São Luís).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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