Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda é alvo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade

17/04/2020 às 18:30
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Estamos vivendo um cenário pior do que o de uma guerra, que pode ser interrompida por meio da signatura de um tratado de paz, o que não é possível com a expansão do Covid-19 que colocou o mundo de cabeça para baixo, espalhando o medo e angústia a toda população, sem exceção.

É certo que mesmo em tempo da pandemia a força do direito há de ser preservada, sob pena de romper a paz e harmonia que devem reinar em qualquer  sociedade.

Contudo, regras e até mesmo princípios de direito hão de ser flexibilizados, privilegiando-se sempre o direito material em prejuízo do seu aspecto formal. E esse direito há de ser interpretado dentro da ordem jurídica global e à luz  do princípio maior da razoabilidade. Não é o que vem acontecendo, como veremos a seguir.

O governo federal, acertadamente, editou a Medida Provisória nº 927/20  para conferir prioridade ao acordo individual de trabalho sobre o acordo coletivo, enquanto perdurar o estado de calamidade pública. Trata-se de uma medida bastante razoável considerando que em época de isolamento social horizontal não é viável a reunião sindical.

Em seguida o Executivo Federal baixou a Medida Provisória nº 936/20 implantando o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Esse Programa permite:

  1. redução da jornada de trabalho e da redução proporcional do salário pelo prazo máximo de 90 dias;
  2. suspensão temporária do contrato de trabalho pelo prazo máximo de 60 dias.

Nos períodos de suspensão e de redução de jornada de trabalho será pago pela União o BEMER calculado em termos percentuais incidentes sobre o valor do seguro-desemprego a que teria direito o empregado. O prazo de redução da jornada, bem como o percentual dessa redução, que pode ser de 25%, 50% e 70%, devem  ser acordados entre o empregado e o empregador.  A MP n 936/20 prevê, ainda, a possibilidade de acordo das partes para complementação salarial que terá  natureza indenizatória, para todos os efeitos legais.

Esse Programa criativo que buscou a preservação do emprego e da produtividade, ambos indispensáveis para dar combate efetivo à pandemia, vem sendo contrariado por partidos políticos que ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade, atacando as duas Medidas Provisórias retrorreferidas.

Em uma dessas ações o Ministro Marco Aurélio, em fundamentada decisão, rejeitou o pedido de liminar.

Contudo, na ADI n 6363 aflorada pela Rede de Sustentabilidade desestabilizou-se aquelas medidas provisórias, por força do deferimento da medida cautelar pelo Ministro Ricardo Lewandowski que condicionou a validade do acordo de redução da jornada de trabalho e redução salarial firmado  entre o empregado e o empregador à concordância do sindicato. Colocou-se uma barreira burocrática desnecessária e de difícil superação nesse período de isolamento social. Pergunta-se, o que de positivo acrescenta o carimbo do sindicato nas novas  relações de trabalho acordado pelas partes interessadas?

 Com o deferimento dessa medida cautelar criou-se um clima de total insegurança jurídica, comprometendo centenas de acordos individuais firmados, assim como lançou sombras duvidosas acerca das centenas de negociações em andamento com vistas à assinatura de acordos no futuro próximo. Aumentou-se consideravelmente o drama dos empregados e dos patrões que ficaram desnorteados ante a inesperada decisão judicial.

Penso que este não é momento adequado para ficar apegado a dispositivos isolados da Constituição e das normas convencionais da OIT que asseguram certos direitos a empregados, como a irredutibilidade salarial. Pior que a redução salarial é a perda do emprego, quando nada receberá o ex empregado, salvo as verbas rescisórias de praxe que um dia irá se exaurir.

A questão deve ser analisada sob a ótica do direito global. A Constituição, sem dúvida alguma, assegura uma série de direitos ao empregado, mas ela assegura, também, o direito à segurança, o direito à vida, o direito a dignidade humana e o direito ao desenvolvimento de atividade econômica lícita. Condição primeira para assegurar dignidade humana é propiciar condições e empregabilidade, de trabalho, de produtividade. Sem emprego a pessoa terá que viver à custa do Estado que já sustenta  13,5 milhões de miseráveis que, por si só, não conseguiriam comprar pão e leite todos os dias.

Se o empregado perder o seu emprego ele e seus familiares irão engrossar o contingente de miseráveis. E aí, a União, que já extinguiu o Fundo PIS/PASEP transferindo seus recursos para o FGTS, não terá como atendê-los, pois os recursos do Erário não são inesgotáveis, principalmente na conjuntura atual caracterizada por despesas públicas extraordinárias e queda sensível da arrecadação, por conta a redução de atividades econômicas impostas para conter a propagação do vírus. 

Outros 13.5 milhões de desempregados certamente quebraria o Tesouro Nacional que teria de redirecionar os recursos de outros setores, inclusive, dos da saúde, para a área social, a fim de que  os excluídos da sociedade não morram de fome. Falando nisso, o vírus da fome está matando uma pessoa a cada quatro segundos no mundo. Considerando o total  de 7,7 bilhões da população mundial chega-se à conclusão de que 28.800 pessoas estão morrendo de forme a cada dia. Por se tratar de mortes seletivas a mídia não tem dado importância, mantendo sepulcral silêncio a respeito. Nem os trabalhos da FAO são divulgados. Mas,o vírus da fome é bem mais terrível que o do Covid-19. Só que este ataca a todos indistintamente. Daí a sua divulgação pela mídia.

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Não é razoável,  data vênia, prender-se às normas trabalhistas que protegem os empregados em tempos normais, principalmente, se essa proteção contribuir para a perda do emprego, levando à situação de desespero do empregado e de seus dependentes. O  momento está a exigir união de forças das autoridades dos três Poderes e da sociedade em geral para que juntos possamos vencer essa batalha do Covid-19, com o menor custo econômico-social possível.

Esperamos que o Plenário do STF reverta a medida cautelar concedida pelo Ministro Ricardo Levandowisck e firme posição pela constitucionalidade formal e material das medidas provisórias guerreadas, permitindo que os legítimos e meritórios  objetivos por elas visados sejam plenamente alcançados, para o benéfico, não só do empregado, como também da sociedade em geral que deve contar com instrumentos normativos eficazes de manutenção da fonte produtiva e consequente manutenção do emprego.   

SP, 15-4-2020.

                                                                                                                                             

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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