Sobre a Ilegalidade das Medidas Restritivas de Ingresso de Advogados e Advogadas nas Dependências Forenses, no Estado De São Paulo

17/04/2020 às 23:47
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O desrespeito ao princípio da igualdade entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, no ingresso às instalações forenses do Estado de São Paulo, fundado em norma administrativa que afronta decisão superior do CNJ.

Introdução:

O presente estudo visa analisar, à luz da Carta Magna, e da legislação federal pertinente, os atos normativos e as decisões administrativas emanadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJESP) face à revista de Advogados e Advogadas, quando do ingresso nas repartições forenses paulistas, e  a relação destes atos face ao princípio da igualdade consagrada entre os atores do Direito, em nosso ordenamento pátrio.

Antes, esta breve análise visa evidenciar, acima de tudo, a problemática instalada no tocante às barreiras físicas impostas aos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, e a falta de correspondência no tratamento dispensado aos Magistrados, membros do Ministério Público e servidores do Judiciário Paulista, quando do ingresso, de todos estes, nos Fora e demais repartições judiciais, no Estado.

I – Do Princípio da Igualdade entre os atores do Direito, no exercício de suas atividades laborais forenses

A despeito do princípio da essencialidade do profissional de Advocacia, para a configuração de um processo justo, contido no Artigo 133, da CF, nota-se, ainda, o disposto no Artigo 5º, inc. XXXV, da Carta Magna, o qual institui que “a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Assim, vê-se o casamento da garantia da apreciação, pelo Estado, das lesões de direito, a que o cidadão se encontra vitimado, com a essencialidade da atuação do Advogado, no contencioso judicial (exceção feita nas causas inferiores a 20 salários mínimos, apreciadas pelo Juizado Especial Cível, e na impetração de Habeas Corpus), a fim de que o direito lesado possa ter a sua postulação realizada de modo técnico, garantindo-se, dessa forma, a melhor realização da Justiça!

No espírito do Constituinte de 1988, o legislador ao elaborar o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1994, viu a necessidade de positivar, aquilo que já era norma lógica, dentro da prática jurídica, ou seja, a ausência de hierarquia e subordinação entre Advogados, Magistrados e membros do Ministério Público.

Vale ressaltar que esta igualdade não nasceu no atual Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. A Lei 4.215/63, que dispunha sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu Artigo 69, determinava, in verbis:

Art. 69. Entre os juízes de qualquer instância e os advogados não há hierarquia nem subordinação, devendo-se todos consideração e respeito recíprocos.

Tal dispositivo foi aperfeiçoado no caput do Artigo 6º, da Lei 8.906/94, que revogou a Lei 4.215/63, ratificando e ampliando a determinação de ausência de hierarquia e subordinação entre o Advogado e os demais atores do Direito, agora, para relacionar, igualmente, os membros do parquet, a saber:

Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.

Ou seja, desde a primeira regulamentação legal da Ordem dos Advogados do Brasil, excetuado o Artigo 17, do Decreto nº 19.408/1930, que o nosso ordenamento iguala em direitos e obrigações, os Advogados e os Magistrados, em qualquer instância ou Tribunal.

Muito embora o ordenamento preconize a igualdade entre estes atores do Direito, o caráter impositivo da atuação do magistrado na condução do processo, empresta a este, enquanto representante do Estado na composição dos conflitos de interesses que lhes são apresentados, uma aura de autoridade, a qual muitas das vezes é voltada, de forma ilegal e até inconstitucional, face aos Advogados.

O ressentimento com que os magistrados, por vezes, tratam os Advogados, no curso dos processos é, de forma clara, uma afronta ao disposto no §único, do Artigo 6º, da Lei 8.906/94.

A imposição de uma postura hierárquica, por parte dos magistrados, face aos Advogados é incabível, posto que ilegal e inconstitucional. Não pode um julgador, a qualquer título, impor conduta a um Advogado, em qualquer circunstância, sob pena de serem violadas as prerrogativas profissionais.

Não há argumento que se sustente, na tentativa de justificar qualquer medida que possua o condão de subordinação de um Advogado a um magistrado ou Tribunal. Somente a Ordem dos Advogados do Brasil é competente para impor condutas e penalidades a seus inscritos, na forma preceituada pela Lei 8.906/94.

A imunidade profissional do Advogado, vai além daquela inerente ao exercício profissional, strictu sensu. Ela abarca, também, os atos dos agentes públicos que possam, de forma direta ou indireta, impor-lhes norma procedimental de cunho disciplinar, principalmente aquelas revestidas de forma administrativa, seja através de provimentos, resoluções portarias, etc., quer sejam emitidas por órgão jurisdicional, seja por órgão de controle externo, como, in casu, o Conselho Nacional de Justiça.

Assim, a ausência de hierarquia e subordinação entre Advogados, magistrados e membros do Ministério Público, havida no Art. 6º, do EAOAB, constitui-se em uma prerrogativa de tratamento, na garantia da sua independência, para o desempenho profissional, de forma livre e desembaraçada, em vista da perfeita prestação jurisdicional, pelo Estado.

A liberdade e a independência do Advogado se fazem de forma tão essencial à sua natureza profissional, no exercício do múnus público, que não há meios de se conceber a sua sujeição à autoridade de qualquer agente público, na defesa dos interesses de seu cliente, sob pena de se desfigurar a ordem pública, em prejuízo da existência do Estado Democrático de Direito.

De fato, a liberdade do Advogado e as prerrogativas de que goza, no exercício de sua profissão, fazem-no objeto de inveja pelos agentes públicos, que tentam, por todos os meios, impor-lhe uma forma de controle, de autoridade, de subordinação, mesmo que indiretamente, como o fato de se lhe exigir a revista, na entrada dos Fora, inclusive com a vistoria de suas pastas e de suas bolsas, no caso das Advogadas, como se um criminoso, em potencial, assim o fosse.

É esta a atitude covarde, que certos agentes públicos tentam impor aos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, a fim de tentar, por todos os meios, tolher o legítimo exercício do direito de defesa daqueles que necessitam da ação do Estado, na composição de suas lides.

II – Da Regulamentação do Ingresso nas Instalações do Poder Judiciário, pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Em vista da grave crise de segurança vivida pela sociedade Brasileira, o Conselho Nacional de Justiça, no interesse, primeiro, da segurança dos magistrados e, por consequência, dos demais servidores públicos e dos usuários de seus serviços, decidiu regulamentar o acesso às suas instalações, mais especialmente, daquelas onde se localizassem varas criminais, utilizando-se de meios que coibissem o ingresso de portadores de quaisquer objetos que pudessem ser utilizados como meio de ofender à integridade física ou a vida destas pessoas.

Neste ensejo, foi, assim, passada a Resolução nº 104, de 06/4/2010.

Nota-se, através da leitura direta do dispositivo em tela, que a finalidade, deste, é impedir que todas as pessoas, sem qualquer distinção, que pretendam ingressar nas instalações do Judiciário, as quais possuam varas criminais, se submetam a determinados procedimentos de vigilância e segurança, até mesmo, seja através de aparelhos (câmeras e detector de metais).

Pode se notar, ainda, que a norma apenas excetua de sua aplicação, os agentes da escolta de presos. Ninguém mais.

Embora, a princípio, tal dispositivo possa causar estranheza e incômodo ao Advogado, ante a sua liberdade característica e à prerrogativa contida no inciso, I, e na alínea “c”, do inciso VI, ambos do Artigo 7º, do EAOAB, de fato, a generalização de sua aplicação encontra harmonia com o seu propósito, qual seja, garantir a segurança nas instalações do Judiciário.

De fato, o emprego de armas de fogo ou de lâminas (facas, canivetes, espadas, etc.), ou de objetos contundentes (cassetetes, porretes, etc.) não faz parte do rol instrumental dos profissionais do Direito. Dessa forma, a aplicação desta norma, não configura, em tese, restrição ao exercício profissional do Advogado.

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da Portaria nº 9.334/2016, resolveu aplicar normas similares àquelas constantes da Resolução nº 104, de 06/4/2010, do CNJ, contudo, avançando em seu detalhamento e ingressando em aspectos muito distantes daqueles abordados naquela Resolução, principalmente no que consta disposto em seus Artigos 6º e 7º.

Como pode ser percebido, a norma editada pelo Tribunal de Justiça local, fere de morte o preceito contido no caput do Artigo 6º, do EAOAB, ao dar tratamento diferenciado a advogados, magistrados e membros do Ministério Público.

Não há justificativa plausível para tal tratamento!

A dispensa de revista outorgada a magistrados e aos membros do Ministério Público, bem como a todo e qualquer servidor do Judiciário, vai contra o que preceitua a Resolução do Conselho Nacional de Justiça.

Assim, podemos concluir, de pronto e sem muito esforço, que a Portaria nº 9.334/2016, do TJESP, não merece prosperar, não somente porque fere uma norma administrativa, superior, mas porque afronta a Lei 8.906/94.

Ainda mais! Ao permitir o ingresso de armas de fogo portadas por magistrados e por membros do Ministério Público (que não são servidores do Judiciário, ressalte-se), a Portaria nº 9.334/2016, do TJESP expõe todos os usuários da Justiça a risco e confronta com o princípio da segurança das pessoas que se servem das instalações onde hajam varas criminais.

Cumpre ressaltar que o fato de alguém ser magistrado ou membro do parquet, não lhe empresta nenhuma característica sobre-humana, a ponto de impedir-lhe o uso equivocado de uma arma de fogo, pincipalmente, nos tempos sombrios nos quais vivemos, onde todos atacam os advogados, em diversas frentes, como meio de impedir a plena defesa dos cidadãos, ante o descarado desrespeito aos seus direitos, em todas as esferas públicas.

Assim, através de um simples comparativo entre a Resolução do CNJ e a Portaria emanada do TJESP, vemos, de forma clara e inconteste, que esta última não pode permanecer vigente, por conta das inúmeras afrontas, à Lei e às regras do órgão máximo de controle externo do Judiciário.

III – Das Práticas Indevidas quanto à revista de Bolsas e Pastas de Advogadas, nos Fora do Judiciário Paulista

De fato, o simples exame das instalações forenses, da Capital, faz notar, claramente, o desrespeito à Resolução 104, do Conselho Nacional de Justiça, dentre outros fatores, a revista realizada por agentes do sexo masculino às bolsas (contendo pertences íntimos das Advogadas), como condição para o seu ingresso naquele prédio.

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Ainda tomando-se o método comparativo entre as normas expedidas pelo CNJ e pelo TJESP, vemos que o Tribunal Paulista avançou, onde o Órgão de Controle não se manifestou.

Não consta, em nenhum dispositivo da Resolução 104, do CNJ, qualquer autorização à verificação de bolsas, pastas e similares. Esta encontra-se materializada, apenas, na parte final do caput, do Artigo 6º, da Portaria nº 9.344/2016.

Ou seja, o Judiciário Paulista, não apenas dispensa servidores do judiciário (magistrados, escreventes, estagiários, prestadores de serviços, etc.) e do executivo (parquet) da aplicação do conteúdo da Resolução 104, do CNJ, como impõe, aos Advogados e Advogadas o constrangimento de serem a única categoria profissional submetida, não somente ao detector de metal, mas a uma revista em bolsas, pastas e similares, que não existe, na norma superior.

Além da discriminação escancarada com a classe dos Advogados e Advogadas Paulistas, a norma do Tribunal local perverte o conceito sobre o qual se entende que o Forum é local de trabalho dos patronos das causas de seus clientes.

Se o Tribunal de Justiça local entende que um integrante de outro poder, como um membro do parquet, pode ingressar armado em suas dependências, porque não poderia fazê-lo, um Advogado ou uma Advogada?

Em verdade, como já sustentamos, armas, de qualquer espécie, não fazem parte do instrumental de trabalho dos profissionais do Direito; logo, tal permissão mostra-se, completamente, descabida, anacrônica, com remedos de bangue-bangue.

A atuação de seguranças do sexo masculino, revistando bolsas de Advogadas, como condição sine qua non para o seu ingresso nas instalações forenses,  fere de forma grave o princípio da privacidade e da intimidade da Colega que, por uma falha no rodízio de funcionários, ou por outra causa qualquer, se veja defrontada com tal situação vexatória.

A parte das discussões sobre a igualdade de gêneros e de direitos entre homens e mulheres, o que se discute é o princípio da intimidade, que vai muito além e de forma muito mais profunda, do que qualquer pauta deste tema.

É inegável o constrangimento! Fato!

Obrigar-se um Advogado ou uma Advogada à revista, dispensando-se todos os demais, já constitui, per si, uma afronta ao princípio da igualdade preconizado no caput do Artigo 6º, do EAOAB. Adicionar-lhe a prática vexatória de um funcionário, homem, revistar a bolsa e os pertences de uma mulher, fere todos os limites de civilidade, urbanidade e o decoro do múnus público desempenhado pela Advogada.

IV – Conclusão

Dessa forma, ante os vícios havidos na Portaria nº 9.344/2016, do TJESP, e o conflito desta com a Resolução nº 104, do CNJ, e principalmente com o Artigo 6º, do EAOAB, somos da opinião de que tal dispositivo carece ser revisto por aquela Egrégia Corte, imediatamente.

De fato, tal dispositivo carece de ser ajustado à luz da norma maior, como meio de que se alcance, no Estado de São Paulo, o espírito igualitário emanado do CNJ, pondo-se fim a um ranço ultrapassado e ilegal, com o qual a Magistratura, desrespeitosamente, vem tratando a Advocacia, por estas terras.

Sobre o autor
Jorge Alberto Neves

Coordenador da Comissão de Direito e Relações Internacionais, Coordenador Adjunto da Comissão de Ética e Disciplina e Membro da Comissão de Defesa dos Direitos e Prerrogativas do Advogado, da OAB/SP (102ª Subseção - Santo Amaro), no Triênio 2019-2021; Assessor da 24ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP (2018) Membro do Grupo Diretivo do Comité Internacional de Direitos Humanos, da Seção de Direito Internacional da American Bar Association (ABA), no Biênio 2019-2020.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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