NÃO CABE HC CONTRA ATO HIPOTÉTICO

19/04/2020 às 11:08
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE O HC CONTRA ATO HIPOTÉTICO.

NÃO CABE HC CONTRA ATO HIPOTÉTICO

Rogério Tadeu Romano

 

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ribeiro Dantas indeferiu o habeas corpus preventivo em que três advogados de São Paulo pediam salvo-conduto para não serem presos por desrespeitar o isolamento social, caso o governador João Doria cumprisse a ameaça de endurecer as regras de combate à pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Em entrevista recente, o governador afirmou que, se o número de moradores de São Paulo cumprindo a quarentena não chegasse a 70%, seriam necessárias medidas mais rígidas, que poderiam incluir multa e até prisão para quem violasse o isolamento.

No habeas corpus – em que pediram garantias para não sofrer qualquer ameaça ao seu direito de locomoção –, os advogados alegaram que não haveria no ordenamento jurídico brasileiro dispositivo legal que autorizasse o governador a tomar tais medidas extremas – o que poderia, inclusive, culminar em ato de improbidade administrativa.

Além disso, os advogados sustentaram que, como partes indispensáveis à administração da Justiça, poderiam ser acionados a qualquer momento para a realização de diligências. Eles também apontaram que o seu exercício profissional está protegido por cláusula pétrea, nos termos do artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal.

O julgamento se deu no HC 572.879.

O risco de cumprimento das sanções é meramente hipotético e não cabe pedido de Habeas Corpus contra o chamado "ato de hipótese". Além disso, não é a liberdade de locomoção propriamente dita que está sob risco.

Assim foi dito:

"[o] risco de cumprimento, ante tempus, é meramente hipotético, sabendo-se que não cabe ação de habeas corpus contra o chamado, por alguns, 'ato de hipótese'. Portanto, não há constrangimento ilegal a ser evitado ou sanado pelo presente habeas corpus, o qual se mostra manifestamente incabível" (HC n.º 82.319/SP, 5ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ 12/09/2007).

Entenda-se: a ameaça de constrangimento ao jus libertatis a que se refere a garantia prevista no rol dos direitos fundamentais (art. 5º, LXVIII, da Constituição da República) há de se constituir objetivamente, de forma iminente e plausível, e não hipoteticamente, como parece ser a hipótese dos autos.

Nesse sentido, tem-se os seguintes julgados, mutatis mutandis: "'HABEAS CORPUS' - DECISÃO QUE LHE NEGA TRÂNSITO - [...] - INEXISTÊNCIA DE QUALQUER SITUAÇÃO DE DANO EFETIVO OU DE RISCO POTENCIAL À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO FÍSICA DO PACIENTE - CONSEQÜENTE INADMISSIBILIDADE DO "WRIT" CONSTITUCIONAL - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA DOUTRINA BRASILEIRA DO 'HABEAS CORPUS' - CESSAÇÃO (REFORMA CONSTITUCIONAL DE 1926) - RECURSO IMPROVIDO. A FUNÇÃO CLÁSSICA DO "HABEAS CORPUS" RESTRINGE-SE À ESTREITA TUTELA DA IMEDIATA LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO FÍSICA DAS PESSOAS. - A ação de "habeas corpus" não se revela cabível, quando inexistente situação de dano efetivo ou de risco potencial ao "jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque" do paciente. Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 - que importou na cessação da doutrina brasileira do "habeas corpus" - haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes. - Considerações em torno da formulação, pelo Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Constituição de 1891, da doutrina brasileira do "habeas corpus": a participação decisiva, nesse processo de construção jurisprudencial, dos Ministros PEDRO LESSA e ENÉAS GALVÃO e, também, do Advogado RUI BARBOSA.

 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem salientado que, não havendo risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física, não se revela pertinente o remédio do "habeas corpus", cuja utilização supõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa - atual ou iminente - ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas. Doutrina. Precedentes." (STF, HC 97.119-AgR/DF, 2.ª Turma, Rel Min. CELSO DE MELLO, DJe de 07/05/2009.) "HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO. PACIENTE CONDENADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA PELO CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONCESSÃO, NA SENTENÇA, DO DIREITO DE O PACIENTE APELAR EM LIBERDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE DELIBERAÇÃO, POR PARTE DO TRIBUNAL IMPETRADO, ACERCA DO PEDIDO PARA QUE O PACIENTE PERMANECESSE EM LIBERDADE, O QUE SEQUER FOI PLEITEADO A ESSE ÓRGÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA DE AMEAÇA, POR PARTE DO TRIBUNAL DE ORIGEM, AO DIREITO AMBULATORIAL DO PACIENTE. FALTA DE ATO COATOR. NÃO CABIMENTO, NA HIPÓTESE, DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL DO HABEAS CORPUS. 1. No caso, ao proferir-se sentença condenando Paciente pelo crime de atentado violento ao pudor, reconheceu-se seu direito de apelar em liberdade. Após, o Tribunal de origem, ao manter a condenação quando do julgamento da apelação, nada determinou acerca da expedição do mandado de prisão, certamente em atenção ao atual entendimento dos Tribunais Pátrios de que a pena não pode ter seu cumprimento iniciado senão depois do trânsito em julgado da condenação. 2. Ausente, portanto, interesse processual na presente causa, por faltar ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinação para que o Paciente fosse segregado cautelarmente. Inexistente o risco de o Estado constranger ilicitamente a liberdade do paciente, por não restar configurado, sequer, ato coator por parte do Órgão Jurisdicional Impetrado. 3. Incide na hipótese o entendimento de que não é cabível o remédio constitucional do habeas corpus se não há possibilidade de o direito ambulatorial do Paciente ser ilegalmente constrangido. 4. [...]. 5. Habeas corpus não conhecido." (STJ, HC 128.943/SP, 5.ª Turma, Rel. p/ Acórdão Min. LAURITA VAZ, DJe de 22/03/2010.)

"Habeas corpus preventivo (hipótese de cabimento). Progressão de regime (obtenção do benefício). Impugnação do Ministério Público (caso). Constrangimento ilegal (não-ocorrência). 1. O habeas corpus preventivo tem cabimento quando, de fato, houver ameaça à liberdade de locomoção, isto é, sempre que fundado for o receio de o paciente ser preso ilegalmente. E tal receio haverá de resultar de ameaça concreta de iminente prisão. 2. [...]. 3. Agravo regimental a que se negou provimento." (AgRg no HC 84.246/RS, 6.ª Turma, Rel. Min. NILSON NAVES, DJ 19/12/2007.)

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Destaca-se, nesse sentido, decisão proferida pelo eminente Ministro CELSO DE MELLO, do Supremo Tribunal Federal:

"Como se sabe, a ação de "habeas corpus" destina-se, unicamente, a amparar a imediata liberdade de locomoção física das pessoas, revelando-se estranha, à sua específica finalidade jurídico-constitucional, qualquer pretensão que vise a desconstituir atos que não se mostrem ofensivos, ainda que potencialmente, ao direito de ir, de vir e de permanecer das pessoas. É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal, atento à destinação constitucional do “habeas corpus”, não tem conhecido do remédio heróico, quando utilizado, como no caso, em situações de que não resulte qualquer possibilidade de ofensa ao “jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque” (RTJ 116/523 - RTJ 141/159). A ação de “habeas corpus”, portanto, enquanto remédio jurídico-constitucional revestido de finalidade específica, não pode ser utilizada como sucedâneo de outras ações judiciais, notadamente naquelas hipóteses em que o direito-fim (ou direito-escopo, na expressão feliz de PEDRO LESSA) não se identifica - tal como neste caso ocorre - com a própria liberdade de locomoção física. [...] Cabe reafirmar, desse modo, que esse remédio constitucional, considerada a sua específica destinação tutelar, tem por finalidade amparar, em sede jurisdicional, “única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos (...)” (RTJ 66/396 - RTJ 177/1206-1207 - RT 423/327 - RT 338/99 - RF 213/390 - RF 222/336 - RF 230/280, v.g.) [...]. Mesmo que fosse admissível, na espécie, o remédio de “habeas corpus” (e não o é!), ainda assim referida ação constitucional mostrar-se-ia insuscetível de conhecimento, eis que o impetrante sequer indicou a existência de ato concreto que pudesse ofender, de modo direto e imediato, o direito de ir, vir e permanecer do ora paciente. [...] É por tal motivo que a ausência de precisa indicação de atos concretos e específicos inviabiliza, processualmente, o conhecimento da ação constitucional de “habeas corpus”, como tem advertido o Plenário desta Suprema Corte (HC 83.966-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Vê-se, portanto, que a pretensão deduzida nesta sede processual claramente evidencia que o ora impetrante, na realidade, pretende questionar “in abstracto” - sem qualquer referência concreta pertinente a uma situação específica - a própria constitucionalidade de “Lei que exige prova, para exercer função de advogado”. Cabe ter presente, bem por isso, na perspectiva do caso ora em exame, que o remédio de “habeas corpus” não pode ser utilizado como (inadmissível) sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, eis que o ora impetrante não dispõe, para efeito de ativação da jurisdição constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal, da necessária legitimidade ativa “ad causam” para o processo de controle normativo abstrato [...]. Registro, finalmente, por relevante, que Juízes do Supremo Tribunal Federal, em contexto semelhante ao que emerge deste processo, nãotêm conhecido de ações de “habeas corpus”, considerado o fundamento de que o remédio heróico não pode ser utilizado como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade (HC 74.991/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 95.921/RN, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 96.238/DF, Rel. Min. MENEZES DIREITO - HC 96.301/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE - HC 96.425/SP, Rel. Min. EROS GRAU - HC 96.748/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 97.763/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 103.998/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.)." (HC 109.327-MC/RJ, decisão monocrática, DJe de 08/08/2011.)"

Ainda nesse sentido, menciona-se os seguintes julgados: "Declaração de inconstitucionalidade de normas estaduais. Caráter principal da pretensão. Inadmissibilidade. Remédio que não se presta a controle abstrato de constitucionalidade. Pedido não conhecido. Ação de habeas corpus não se presta a controle abstrato de constitucionalidade de lei". (STF, HC 81.489/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe de 23/11/2007).

Sendo assim a ausência de precisa indicação de atos concretos e específicos inviabiliza, processualmente, o conhecimento da ação constitucional de "habeas corpus" (STF, HC 109.327-MC/RJ, decisão monocrática, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 08/08/2011).

Em sendo assim uma petição inicial de habeas corpus que envolva situação hipotética deve ter negado o seguimento.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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