A DISPENSA DE LICITAÇÃO NA PANDEMIA COVID-19

19/04/2020 às 12:30
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A necessária obediência da contratação direta fundamentada no art. 24, IV da Lei nº 8.666/93, e no caso da Crise do Coronavirus, na Nova Lei nº 13.979/20 e na Medida Provisória nº 926/20.

 

INTRODUÇÃO

            A Constituição Federal desde 1988 foi extremamente sábia em introduzir em seu art. 37, XXI, que:

XXI - Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

            Neste momento, o destaque do estudo é o “ressalvados os casos específicos na legislação”, o qual se conceberam as famosas normas gerais sobre licitações e contratos administrativos contidas na vigente Lei nº 8.666/93. Nesta específica lei, defrontamos com as exceções a sua aplicação no art. 24, mais precisamente ao caso concreto no seu inciso IV, cujo texto transcrevemos:

Art. 24.  É dispensável a licitação: (...)

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

            Assim, é pacífico que o dispositivo em apreço se adapta perfeitamente ao caso concreto quando menciona a “calamidade pública” e o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, que em sua ementa destaca:

“Reconhece para fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do Estado de Calamidade Pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da mensagem nº 93 de 18 de março de 2020”.

Diante dos fatos, preliminarmente, todo o respaldo necessário para utilização da excepcionalidade ressalvada pela Constituição Federal se encontra presente, permitindo assim o uso do instrumento legal da “Dispensa de Licitação”.

            Portanto, Srs. Agentes Públicos, não obstante a obrigatoriedade da regra de licitações, decretado como está o “Estado de Calamidade Pública” a permissibilidade esta concedida, continuando a obediência dos demais termos constantes do inciso IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93.

            Registre-se que de forma extremamente ágil, foi sancionada a Lei nº 13.979, em 6 de fevereiro de 2020, a qual dispõe em seu art. 4º também da permissibilidade da dispensa de licitação, sendo esta Lei especifica, mesmo que  de forma temporária, vindo em sequência a Medida Provisória nº 926/20 que além de ampliar a abrangência, estabeleceu simplificações ainda maiores, as quais serão pormenorizadas na sequência deste estudo.

A NOVA LEI Nº 13.979/20, ATUALIZADA PELA MP Nº 926/20

            Como já destacado neste introdutório, a Lei nº 8.666/93 em seu inciso IV do art. 24 com certeza serviu de base a essa nova legislação neste ponto e assim de forma específica e ainda temporal a Lei nº 13.979/20 no seu art. 4º e seguintes, incisos e alíneas atualizados e acrescidos em muito que foram pela Medida Provisória nº 926/20, que leciona com o seguinte conteúdo:

Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei. (Redação dada pela Medida Provisória 926/2020)

§ 1º A dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

§ 2º Todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição. 

§ 3º Excepcionalmente, será possível a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido. (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

Art. 4º-A A aquisição de bens e a contratação de serviços a que se refere o caput do art. 4º não se restringe a equipamentos novos, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido. (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

Art. 4º-B Nas dispensas de licitação decorrentes do disposto nesta Lei, presumem-se atendidas as condições de:(Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

I - ocorrência de situação de emergência; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

II - necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

III - existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

IV - limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência. (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

Art. 4º-C Para as contratações de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei, não será exigida a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns. (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

Art. 4º-D O Gerenciamento de Riscos da contratação somente será exigível durante a gestão do contrato.  (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

Art. 4º-E Nas contratações para aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência que trata esta Lei, será admitida a apresentação de termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado. (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

§ 1º O termo de referência simplificado ou o projeto básico simplificado a que se refere o caput conterá: (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

I - declaração do objeto; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

II - fundamentação simplificada da contratação; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

III - descrição resumida da solução apresentada; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

IV - requisitos da contratação; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

V - critérios de medição e pagamento; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

VI - estimativas dos preços obtidos por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros: (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

a) Portal de Compras do Governo Federal; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

b) pesquisa publicada em mídia especializada; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

d) contratações similares de outros entes públicos; ou (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; e (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

VII - adequação orçamentária.  (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

§ 2º Excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será dispensada a estimativa de preços de que trata o inciso VI do caput. (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

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§ 3º Os preços obtidos a partir da estimativa de que trata o inciso VI do caput não impedem a contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços, hipótese em que deverá haver justificativa nos autos. (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

Art. 4º-F Na hipótese de haver restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição.  (Incluído pela Medida Provisória 926/2020)

            A respectiva lei, ainda em seu art. 4º e seguintes prossegue para casos de licitações, no entanto, aqui não analisaremos em detalhe por fugir da temática agora abordada.

            Este é assim um importante amparo legal mesmo que transitório para o enfrentamento da situação emergencial advindo da Pandemia do COVID-19.

            Destaca-se que neste texto legal o objetivo de não se limitar a bens, serviços e insumos a serem adquiridos, permitindo inclusive obras de hospitais e similares, demonstrando que a legislação buscou utilizar o instrumento da Dispensa de Licitação para as mais diversas soluções, desde que objetivem enfrentar a situação pandêmica, ou seja, com a referida lei o agente público dispõe de autoridade legal para utilizar-se desse instrumento para a melhor solução no caso concreto, desde que obedecido o nexo da casualidade.

            Diante do exposto, vamos a seguir pontuar aspectos necessários que mesmo diante de uma “emergência” ainda assim devem ser buscados por quem se utilizar para a perfeita segurança jurídica dessas contratações.

 

REQUISITOS NECESSÁRIOS

            Mesmo diante do caso concreto da Pandemia em que se evidenciam necessidades emergenciais imprescindíveis no atendimento à saúde da população, é importante não se desvincular desse objetivo, ou melhor, de forma prática, o objeto da aquisição (bens, serviços ou obras) deve estar perfeitamente adstritos a casualidade expressa na respectiva lei.

            É conceitual o entendimento que em face da Pandemia, a legislação a ser aplicada no caso analisado é a lei nº 13.979/20 por sua especificidade no tocante as Dispensas de Licitação. ainda assim é necessário atender procedimentos e estes não foram dispensados in totun, ou seja, dentro do possível devem ser realizadas as estimativas de quantidade, mensurar a qualidade perseguida, os prazos de atendimento, entre outros, inclusive destacado na própria legislação.

            Portanto, apesar da menção “simplificado”, permanece a necessidade da elaboração do Termo de Referência ou do Projeto Básico, dispensando objetivamente os Estudos Preliminares e o Gerenciamento de Riscos.

            O art. 4º - E, já transcrito, é taxativo quanto a necessidade destes, somado a seus parágrafos e incisos, mesmo que considerando, toda a urgência e emergência vivenciada, realmente não é possível descuidar dos requisitos mínimos mencionados sob pena de comprar qualquer coisa que não venha a atender à necessidade e a valores incompatíveis com o mercado. Entendo, assim, como imprescindível e louvável este entendimento expressado na lei da obrigatoriedade de se elaborar mesmo nos casos de dispensa em razão da Pandemia o Termo de Referência ou Projeto Básico, ainda que de forma simplificada.     

            CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A tudo exposto é perfeitamente compreensível o quanto foi bem vinda a Lei nº 13.979/20 neste momento, tomando para si a responsabilidade sobre legislar um instrumento peculiar como a Dispensa de Licitação.

            Registro que essa legislação é temporal (válida no período que perdurar o Estado de Calamidade do Coronavirus) e especifica para enfrentamento da emergência de saúde pública da COVID-19, necessitando em tudo a casualidade com a motivação expressa taxativamente em Lei.

            Apesar da introdução de simplificação nas contratações por dispensa de licitação não podem ser descuidadas diversas exigências, principalmente a confecção mesmo que de forma simplificada do Termo de Referência ou Projeto Básico, e também vários Princípios da Administração Pública que permanecem válidos e devem ser observados, como a publicidade dos atos, a fundamentação e motivação das decisões e se sujeitam os contratos dessas aquisições ao prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, prorrogáveis por no máximo igual período desde que nesta data esteja vigente o Estado de Emergência de Saúde em razão da Pandemia.

Por fim, que fique a máxima, sem qualquer intuito desmotivador: utilizar-se do instrumento da Dispensa de Licitação é importante, necessário e imprescindível neste momento, mas requer atenção redobrada aos preceitos da LEGALIDADE, afim de se assegurar da legitimidade de todos os atos inerentes da segurança jurídica.

 

 

Sobre o autor
Alberto de Barros Lima

Advogado e Engenheiro. Mestre em Leis de Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, com mais de 35 anos de atuação na área de licitações. É autor das obras: "Como participar de licitações públicas", "As vantagens nas licitações e nas compras governamentais para as MPE´s", "As Leis de Licitações e Contratos", "Termo de Referência e Projeto Básico nas Aquisições Públicas" e "Lei nº 14.133/2021 - A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos COMENTADA". É Consultor SEBRAE na área de Políticas Públicas, onde coordenou a Elaboração da Contribuição do SEBRAE para minuta de Lei Estadual de Pernambuco e do Rio Grande do Norte de Tratamento Simplificado, Favorecido e Diferenciado para as MPE´s. Foi o conteudista dos cursos “Como Participar de Processos de Licitações” e “Sistema Integrado de Compras e Licitações Eletrônicas”, elaborados para o SEBRAE-PE, com repasse a outras unidades da Federação. Fez parte do grupo de trabalho que analisou as mudanças da Nova Lei de Licitações (PLS 559/2013) e da atualização da Lei nº 8.666/93 pelo CONFEA. Foi professor da ESA OAB sobre Licitações Públicas e membro da Comissão de Direito a Infraestrutura da OAB-PE. É diretor do SINDUSCON-PE e é Membro Conselheiro do CREA-PE. Possui vários artigos publicados referente ao tema das compras governamentais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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