O presente artigo é dedicado a todos os membros e participantes da Comissão de Direito das Sucessões da Subseção Jabaquara / Saúde da OAB/SP, como forma de agradecimento e gratidão, tendo por escopo examinar a participação dos cônjuges e companheiros na sucessão legítima, de forma sucinta e objetiva.
Em 10/05/2017, o Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 646.721-RS e 878.694-MG, declarou, em sede de repercussão geral, a inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil que disciplina a participação da companheira (o) na sucessão, dispondo que: “no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
Em face dos Acórdãos proferidos em ambos os processos foram opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados, tendo ocorrido o trânsito em julgado do Acórdão proferido no RE nº 878.694-MG em 04/12/2018; e, na data de 28/03/2019 quanto ao Acórdão proferido no RE nº 646.721-RS.
Portanto, conforme o entendimento consolidado perante o E. STF, com o reconhecimento de repercussão geral, no caso de sucessão de companheiro(a), nas situações de união estável, observa-se a ordem de vocação hereditária estabelecida no artigo 1.829 do Código Civil, ou seja, o(a) companheiro(a) sobrevivente participa da sucessão do companheiro(a) falecido da mesma e idêntica forma que o cônjuge supérstite participa da sucessão do cônjuge falecido.
Podemos, desta forma, considerar que, aberta a sucessão, a herança defere-se em favor dos descendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente.
Porém, não haverá a referida concorrência se o regime do casamento ou da união estável for o da comunhão universal de bens ou da separação obrigatória de bens, última hipótese esta prevista para as circunstâncias do artigo 1641 do Código Civil.
Ainda não haverá a estipulada concorrência, se o regime do casamento ou da união estável for o da comunhão parcial de bens e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou seja, se apenas houver deixado bens comuns do casal.
Assim, haverá a concorrência do cônjuge e companheiro(a) sobrevivente, nas hipóteses de casamento ou união estável, sob o regime da separação total ou convencional de bens; e, sob o regime da comunhão parcial de bens se o autor da herança houver deixado bens particulares.
Destaca-se os seguintes julgados do E. STJ:
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. ESCRITURA DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL COM OPÇÃO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. COMPANHEIRO. HERDEIRO NECESSÁRIO. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, C/C COM OS ARTS. 1.845 E 1.890 DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO
Ocorre que, diferentemente do que assinalou o aresto recorrido, a jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido, a teor do que dispõe o art. 1.829, I, c/c o art. 1.845 do CC/2002, entendimento que só pode ser excepcionado na hipótese de separação legal de bens fundada no art. 1.641 do referido diploma legal. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.446.278 – RJ, julgado em 01/02/2017, Relator Ministro Dr. Marco Aurélio Beliizze).
CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC.
1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil).
2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil.
(Recurso Especial n. 1.382.170/SP, Relator p/ Acórdão o Ministro João Otávio de Noronha, DJe de 26/5/2015).
Em se tratando de bens comuns, os quais, em regra, são os havidos onerosamente na constância do casamento ou união estável, o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente é meeiro, não tendo participação na herança deixada.
Com relação aos bens particulares do falecido, os quais, em regra, são os havidos anteriormente ao casamento e constituição da união estável, ou havidos por herança ou doação, salvo cláusula de incomunicabilidade, o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente não é meeiro, e, portanto, participa da herança deixada, concorrendo com os descendentes.
Há de se ressaltar que, na concorrência com os descendentes, o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente tem direito a um quinhão de, no mínimo ¼, ou seja, 25% da herança, se for o ascendente dos herdeiros filhos. Ou seja, se houver 04 filhos herdeiros do consorte sobrevivente herdeiros ou mais, o consorte sobrevivente terá uma quinhão superior ao dos seus filhos. Mas esta hipótese apenas ocorre se todos os descendentes herdeiros forem filhos do consorte sobrevivo.
Destaca-se, também, que, não haverá concorrência, ou seja, apenas os descendentes herdarão se o casal já estiver separado judicialmente, ou ainda, separados de fato há mais de 02 (dois) anos, salvo prova do consorte sobrevivente de que a convivência se tornou impossível, sem culpa a ele(a) imputável.
Nos casos de separação de fato há mais de 02 (dois) anos, portanto, destaca-se a viabilidade e a importância, na hipótese de não ser possível ou desejável o divórcio, de formalizar-se uma Escritura Pública Declaratória, para justificar e atestar o lapso temporal de separação fática, o que servirá de forte meio de prova no inventário para afastar a concorrência do cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente.
É questionável a possibilidade de afastar-se o direito à herança, na concorrência com descendentes, por meio de estipulação no Pacto Antenupcial ou na Escritura Declaratória de União Estável. O E. STJ já decidiu que a eficácia do pacto antenupcial se extingue com o falecimento de um dos cônjuges, apenas podendo regular a partilha em vida, no caso de divórcio, mas não a sucessão “causa mortis”:
RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO DAS SUCESSÕES. ALEGAÇÃO DE OMISSÕES E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. AFASTAMENTO. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXEGESE DOS ARTS. 1.845 E 1.829, III, DO CÓDIGO CIVIL/2002. REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL CONVENCIONAL DE BENS. REGRAMENTO VOLTADO PARA AS SITUAÇÕES DE PARTILHA EM VIDA. NÃO ULTRATIVIDADE.
1. Afasta-se de alegação de omissão e falta de fundamentação do acórdão recorrido quando o Tribunal de origem tiver adotado fundamentos adequados e suficientes para amparar sua conclusão, sobretudo quando os dispositivos invocados não guardarem relação com o objeto da controvérsia.
2. A definição da ordem de vocação hereditária é competência atribuída ao legislador, que, no novo Código Civil, erigiu o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, independentemente do regime de bens adotado no casamento.
3. O regime de bens entre os cônjuges contratado por meio do pacto antenupcial, extingue-se com a morte de um dos contratantes, não podendo produzir efeitos depois de extinto.
4. Recursos especiais conhecidos e desprovidos.
(REsp n. 1.501.332/SP, Relator o Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe de 26/8/2016).
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO E PARTILHA. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL.
PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA COM DESCENDENTES. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. RECONHECIMENTO. EXEGESE DO ART. 1.829, I, DO CC/02. AVANÇO NO CAMPO SUCESSÓRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL.
1. O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna.
2. O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípio da vedação ao retrocesso social.
3. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencional somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial.
4. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem.
5. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil.
6. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente.
7. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988).
8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por
acervo particular.
9. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.472.945/RJ, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 19/11/2014).
Ressalte-se que, não havendo descendentes, o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente concorrerá na herança com os ascendentes, independentemente do regime de bens e independentemente da natureza destes bens, sejam comuns ou particulares, já que os artigos 1836 e 1837 não fazem qualquer distinção.
Ademais, não havendo, descendentes ou ascendentes, a herança é deferida, por inteiro, ao cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente.
Por fim, há de se destacar o direito real de habitação atribuído ao cônjuge sobrevivente e, também, extensível ao companheiro(a) supérstite, relativo ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Com relação ao direito real de habitação, há de se destacar que o consorte sobrevivente não pode alugar a residência, nem a ceder em comodato, mas simplesmente ocupá-la com sua família, nos termos do artigo 1414 do Código Civil.
Portanto, ocorreram grandes alterações no regramento da participação do cônjuge e do companheiro na sucessão, para as quais o profissional do direito deve se manter atento.
Nos tempos de Roma era considerada uma indignidade o cidadão romano falecer sem ter deixado testamento. Nos tempos presentes, diante das alterações legislativas no campo do Direito das Sucessões e a evolução da sociedade com grandes transformações nas famílias, tornou-se muito importante a realização do PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO, por meio das várias ferramentas jurídicas disponíveis aos profissionais do direito.
AA. BASSIM CHAKUR FILHO – OAB/SP nº 106.309, advogado há 30 anos e Presidente da Comissão de Direito das Sucessões da Subseção Jabaquara / Saúde da OAB/SP.