Nulidade processual decorrente de irregularidades no reconhecimento pessoal do acusado

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O artigo aborda a nulidade processual decorrente de irregularidades no reconhecimento pessoal do acusado.

Para o Superior Tribunal de Justiça as irregularidades relativas ao reconhecimento pessoal do acusado não ensejam nulidade, uma vez que as formalidades previstas no art. 226 do CPP são meras recomendações legais. - Jurisprudência em teses edição nº 69

Esse posicionamento foi adotado no seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. VIOLAÇÃO DO ART. 226 DO CPP. RECONHECIMENTO POR FOTOGRAFIA. ABSOLVIÇÃO.ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. DECOTE DE QUALIFICADORA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. DOSIMETRIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

1. As disposições insculpidas no art. 226 do CPP configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de modo diverso.

2. O Tribunal a quo apresentou justificativa hábil para a não realização da perícia, tendo em vista o desaparecimento dos vestígios do crime, uma vez que a vítima providenciou a necessária e pronta reparação do dano causado pelo recorrente - arrombamento da janela e portão. Fica configurada, assim, uma das hipóteses nas quais há a possibilidade de exclusão da necessidade de realização do laudo pericial.

3. O acusado ostenta dez condenações transitadas em julgado, o que justificou a majoração da pena-base, em face da valoração negativa dos antecedentes criminais, e o aumento acima de 1/6 (um sexto), na segunda fase da dosimetria, devido à multirreincidência, ainda que reconhecida a atenuante da confissão espontânea.

4. O Superior Tribunal de Justiça tem competência para análise de matéria infraconstitucional, não estando obrigado a se manifestar a respeito de tema constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência reservada pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1827892/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 28/02/2020)

Irregularidades em sentido amplo

Em sentido amplo, atos irregulares são aqueles que não estão ajustados aos padrões das normas jurídicas.[1] Considerando a particularidades e a amplitude dos efeitos desses vícios, é possível fracionar as irregularidades em espécies distintas.

Irregularidades sem consequências são aquelas que não provocam resultados negativos no processo, embora os atos sejam praticados sem atenção aos padrões normativos. É o caso da utilização de termos abreviados ou de letras coloridas nas peças processuais.

Irregularidades com consequências são aquelas que produzem efeitos dentro ou fora do processo.

Quando a irregularidade violar o interesse público ou os interesses preponderantes das partes poderá ocorrer a invalidação do ato ou de todo o processo. Em alguns casos a irregularidade é tão grave que pressupõe violação aos princípios elementares do processo, como o devido processo legal. Nesses casos é possível até reconhecer a inexistência do ato, como por exemplo, a decretação de uma prisão por particular.

Há, ainda, irregularidades que acarretam apenas sanções extraprocessuais. São os casos de atos processuais irregulares que não produzem efeitos no processo penal, mas podem acarretar sanções extraprocessuais, como ocorre, por exemplo, na aplicação de multas ao defensor que abandona o processo, nos termos do art. 265 do Código de Processo Penal.

Espécies de atos processuais

Se considerarmos a congruência dos atos com as orientações das normas jurídicas, é possível apresentar uma classificação nos seguintes termos:

Atos perfeitos

Os atos perfeitos são aqueles praticados com de acordo com os parâmetros normativos. Logo, são atos existentes válidos e eficazes.

Atos meramente irregulares

Atos meramente irregulares são praticados sem a estrita observância da norma, contudo, os seus defeitos não produzem efeitos negativos no processo.[2] Eventualmente os atos meramente irregulares podem apenas implicar sanções de natureza extraprocessual.

Esses atos são existentes, válidos e eficazes, a despeito da irregularidade.

O enunciado 366 da súmula da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, reconhece não ser nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que se trata de ato meramente irregular.

Da mesma forma, há entendimento de que também correspondem a meras irregularidades a realização de interceptação telefônica nos autos principais, a ausência de recibo do preso ao condutor do flagrante, entre outros.

Atos nulos

Os atos nulos são aqueles praticados sem a observância de alguns requisitos normativos essenciais. Por não atender a alguns padrões mínimos da norma, esses atos deverão receber censura correspondente a escala do vício.[3]

Dependendo na natureza relativa ou absoluta da nulidade, esses atos poderão ou não produzir efeitos no processo penal. Ainda que existentes ou mesmo inválidos, os atos nulos poderão produzir efeitos processuais até o reconhecimento do vício. A nulidade dos atos processuais poderá ser relativa[4] ou absoluta[5]. É possível que os atos relativamente nulos também sejam convalidados.

Atos inexistentes

Atos inexistentes são aquelas que não possuem qualquer referência com as normas processuais.[6] Ainda que possam ter existência fenomenológica, como a transcrição de texto em um papel, esses atos não são considerados existentes para o direito. Exemplo bem ilustrativo de ato inexistente é a prolação de uma sentença penal condenatória por um particular. Os atos inexistentes nunca poderão corrigidos e independem de reconhecimento pela autoridade judiciária.[7]

É relevante lembrar que a jurisprudência reconhece a validade de sentença proferida por magistrado durante o gozo de férias.

Referências

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal parte especial, 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Boletim do IBCCrim n. 223, São Paulo, jun. de 2011.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao “Verdade, Dúvida e Certeza”, de Francesco Carnelutti. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Mentalidade Inquisitória e Processo Penal no Brasil. Vol. 3. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria da garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

KHALED JUNIOR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

LOPES JUNIOR, Aury. Prisões Cautelares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal, 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.

TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 


[1] “Irregularidades ou defeitos sem consequência: apesar de o ato processual não ter sido praticado em fiel observância do modelo legal, esta irregularidade não tem o condão de acarretar qualquer consequência. É o que ocorre, por exemplo, com a utilização de abreviaturas. A despeito da vedação constante do art. 169, § 1°, do CPC- não há dispositivo semelhante a este no novo CPC153 -, sua utilização em peças processuais não tem o condão de causar qualquer mácula ao processo.” LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1583.

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[2] “Atos meramente irregulares: são aqueles dotados de irregularidades sem consequência, ou de irregularidades que acarretam tão somente sanções extraprocessuais. Certamente, ato meramente irregular é aquele que possui o vício de menor gravidade entre todas as imperfeições possíveis. Essa mera irregularidade é gerada pela inobservância de regra não relevante para considerações acerca da validade do ato. Por isso, não tem, nem mesmo em tese, aptidão para produzir qualquer prejuízo às partes ou ao próprio processo. Destarte, a despeito da irregularidade, como dela não resulta nenhuma consequência capaz de repercutir na validade da relação processual, este ato também é tido como válido e eficaz.”LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1583.

 

[3] “Convalidação de irregularidades: o ato irregular, embora não seja motivo de decretação de nulidade, precisa ser corrigido, tão logo seja possível. O Código de Processo Penal estabelece algumas regras específicas para que isso se dê, dentre as quais a deste artigo, que prevê a possibilidade de regularização dos atos processuais praticados, com a participação de representante ilegítimo na sua constituição (pressuposto processual) e não para a causa, mediante a simples ratificação do que foi realizado. Regulariza-se a representação e, em seguida, colhe-se a ratificação. Conferir exemplo nas notas 136 ao art. 44 e 47-Ado art. 569.” “NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 890.

[4] “As nulidades relativas contêm vício menos grave, pois violam regras meramente processuais, daí porque devem ser arguidas pelas partes no momento oportuno, não podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, precluem, convalidam e dependem da demonstração do prejuízo.” ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal parte especial, 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 325.

[5] “No processo penal, sabemos que as nulidades absolutas se classificam por prescindir de demonstração de prejuízo para a eficácia do direito fundamental e de alegação oportuna. Não obstante, mesmo nulidades absolutas têm sido objeto da necessidade de fustigação urgente pelas partes, sob pena de preclusão. Em outros termos, STF, STJ e a jurisprudência majoritária têm relativizado, em certa medida, as tradicionais nulidades absolutas reconhecidas pela doutrina e pelos precedentes mais antigos.” TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1508.

 

[6] “Pela ótica jurídica, atos inexistentes seriam aqueles que não teriam nenhuma possibilidade de gerar ou produzir efeitos em relação ao processo criminal (exemplo clássico se verifica no caso de sentença assinada por alguém que não seja juiz, portanto não investido do poder jurisdicional). Se não produzem efeitos, os atos inexistentes jamais serão passíveis de convalidação, até por uma questão óbvia: a convalidação, se admitida, incidiria sobre a própria instituição do ato, sem qualquer efeito pretérito. É preciso compreender, portanto, que aos atos inexistentes não se fazem presentes os elementos essenciais para a produção de consequências jurídicas.”PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 811.

 

[7] “Atos inexistentes: tamanha a gravidade do vício que sequer podem ser tratados como atos processuais, sendo -considerados pela doutrina como espécie de "não ato". Nesse caso, não se cogita de invalidação, visto que a inexistência representa um defeito que antecede qualquer consideração sobre a validade do ato processual. É o que ocorre, a título de exemplo, com uma sentença sem dispositivo (conclusão): apesar de existir num plano fático, esta "não sentença" é considerada juridicamente inexistente, já que não se pode conceber uma sentença sem dispositivo, ou seja, uma sentença que nada tenha decidido.” LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1584.

 

Sobre os autores
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Jeffrey Chiquini

Coautor: Jeffrey Chiquini. Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor de processo penal da Escola da Magistratura Federal do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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