Nulidade pela ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública ou do defensor dativo sobre os atos do Processo Penal

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O artigo aborda a nulidade pela ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública ou do defensor dativo sobre os atos do Processo Penal.

O Superior Tribunal de Justiça concluiu que ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública ou do defensor dativo sobre os atos do processo gera, via de regra, a sua nulidade. - Jurisprudência em teses edição nº 69

Essa conclusão se esboça no seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PRELIMINARES DE NULIDADE DO PROCESSO E CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA. PREJUÍZO. INEXISTENTE.

1. Constitui prerrogativa da Defensoria Pública a intimação pessoal para todos os atos do processo, sob pena de nulidade.

2. Necessário, porém, aferir a ocorrência de prejuízo decorrente de eventual irregularidade na intimação.

3. O Tribunal de origem, à luz de ampla cognição fático-probatória, cuja análise é inviável em recurso especial, assentou, de modo incontroverso, a ausência de qualquer prejuízo às partes recorrentes.

4. O princípio da instrumentalidade das formas recomenda que a declaração de nulidade seja precedida da comprovação de efetivo prejuízo, fato não evidenciado no caso em análise conforme se infere do voto condutor do acórdão recorrido.

5. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada.

6. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(AgInt no REsp 1710994/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/05/2019, DJe 17/05/2019)

Princípio do prejuízo: Pas de nullité sans grief

De acordo com o princípio do prejuízo, ou pas de nullité sans grief,  as nulidade  só implicarão invalidação de atos que sejam capazes de produzir prejuízos para as partes.[1]

Essa orientação se fundamenta no princípio da conservação dos atos processuais, segundo o qual sempre que possível os atos devem ser preservados.

O princípio do prejuízo[2] deve ser aplicado para as nulidades absolutas (com presunção relativa de prejuízo) e relativas (sem presunção de prejuízo).

Pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça “[...] o Processo Penal é regido pelo princípio do pas de nullité sans grief e, por consectário, o  reconhecimento  de  nulidade,  ainda  que absoluta,  exige  a  demonstração do prejuízo (CPP, art. 563) [...].” STJ, HC 250.201/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 28/09/2016.

Considerado a amplitude do vício, as nulidades podem ser classificadas como absolutas ou relativas.

Nulidade absoluta

A nulidade absoluta decorre do atentado ao interesse público processual.

O ato absolutamente nulo, que viola o interesse público, merece rigorosa censura processual. Assim, as nulidades absolutas podem ser reconhecidas de ofício pelo juízo ou tribunal, ou seja, independentemente da alegação das partes.

A jurisprudência vem se posicionando no sentido de que os tribunais não podem reconhecer nulidade absoluta desfavorável ao acusado, alegada no recurso da acusação, sob pena de afronta ao princípio non reformatio in pejus.

A propósito, o enunciado nº 160 da súmula da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal reconhece ser nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.

O art. 563 do Código de Processo Penal prevê que nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Essa previsão reafirma o princípio pas des nullités sans grief, cuja orientação é de que só poderá haver o reconhecimento da invalidade de atos cujas nulidades causem efetivos prejuízos às partes.[3]

Nos casos das nulidades absolutas há uma presunção relativa de que causam prejuízo.[4] Assim, compete à parte interessada na validade do ato nulo demonstrar que a nulidade, ainda que absoluta, não gerou prejuízos.

As nulidades absolutas também poderão ser reconhecidas de ofício, pelo juízo ou tribunal, a qualquer tempo durante o processo, resguardadas as limitações de reforma em prejuízo dos acusados, como assinalado acima.

Além disso, as partes poderão pretender o reconhecimento da nulidade absoluta a qualquer tempo. Essa possibilidade decorre do fato de eu a nulidade absoluta não pode ser neutralizada pela preclusão temporal ou pela preclusão lógica. Em outros termos, ela não se convalida pelo transcurso do tempo nem admite que as partes aceitem os seus efeitos.

É preciso ressalvar a hipótese da sentença penal absolutória própria, cujos efeitos convalidam até mesmo as nulidades de caráter absoluto. O convalescimento das nulidades absolutas, nesses casos, decorre da inadmissibilidade de revisão criminal em desfavor do réu.

Nos casos de sentenças condenatórias ou absolutórias impróprias, naturalmente, a nulidade absoluta poderá ser arguida até mesmo após o trânsito em julgado, seja através de habeas corpus, revisão criminal ou instrumento equivalente.

O Código de Processo penal elenca inúmeras hipóteses de nulidades absolutas.[5] 

Incialmente, como regra, serão absolutamente nulos os atos digam respeito à incompetência, suspeição ou suborno do juiz, bem como à ilegitimidade das partes.

Também haverá nulidade absoluta, entre outras hipóteses, por ausência: i) de denúncia, queixa ou representação; ii) de exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios. Se o exame de corpo de delito não puder ser realizado, por desaparecimento dos vestígios, a prova testemunhal poderá substituí-lo; iii) da nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de idade; iv) de citação do réu; v) de interrogatório, quando o acusado não estiver foragido; vi) da sentença de pronúncia; vii) da presença pelo menos de 15 jurados para a constituição do júri; viii) do sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua incomunicabilidade; ix) da presença da defesa na sessão de julgamento; x) da sentença condenatória ou absolutória, entre outras causas.

Além desses exemplos, o legislador e a jurisprudência apontam outras hipóteses de nulidades absolutas envolvendo questões referentes à violação de interesse público.

Nulidade relativa

A nulidade relativa ocorre quando o ato é praticado em desconformidade com normas infraconstitucionais, sem atentar contra o interesse público. Os atos relativamente nulos, de maneira abrangente, desafiam os interesses das partes[6].  As nulidades relativas poderão ser sanadas e os atos convalidados, se presentes alguns pressupostos legais.[7]

As nulidades relativas devem ser arguidas em momento oportuno pelas partes, nos termos do art. 571 do Código de Processo Penal, sob pena de preclusão temporal.

Além da preclusão temporal a nulidade relativa pode ser sanada pela preclusão logica, quando as partes aceitam os seus efeitos.

Se o ato relativamente nulo, praticado por forma distinta, atingir o fim almejado pela norma, também haverá superação da nulidade relativa.

Serão relativas as nulidades que decorram da ausência da intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública

Também haverá nulidade relativa caso não haja concessão de prazos para as partes.

A falta de intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia, também é causa de nulidade relativa.

De modo geral, haverá nulidade relativa sempre que houver omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato praticado.[8]

Referências

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal parte especial, 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Boletim do IBCCrim n. 223, São Paulo, jun. de 2011.

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COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao “Verdade, Dúvida e Certeza”, de Francesco Carnelutti. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Mentalidade Inquisitória e Processo Penal no Brasil. Vol. 3. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria da garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

KHALED JUNIOR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

LOPES JUNIOR, Aury. Prisões Cautelares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal, 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.

TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 


[1] Art. 563 do Código de Processo Penal.

[2] “Em tese este princípio teria maior aplicação nas nulidades relativas, pois para as nulidades absolutas o prejuízo seria presumido de forma absoluta (juris et de jure), não permitindo prova em sentido contrário. Todavia, o STF tem entendimento de que sempre o prejuízo deve ser demonstrado para permitir o reconhecimento das nulidades, inclusive das nulidades absolutas (HC no 81.510, 1' Turma, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em n/12/2001, DJU 12/4/2002, p. 54).” ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal parte especial, 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 329.

 

[3] Portanto, crê-se que, também em sede de nulidades absolutas, dependendo do caso, se for possível realizar novamente (outro) ato e não houver prejuízo (especialmente) ao réu, não há de se declarar a nulidade do processo. No máximo, há de se declarar a nulidade apenas do ato, que, repise-se, não admite convalidação. E se houver nulidade do processo, que sejam mantidos hígidos ao máximo os demais atos, respeitando-se, na máxima proporção, a causalidade (art. 573, CPP).”PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 813.

 

[4] “No processo penal, sabemos que as nulidades absolutas se classificam por prescindir de demonstração de prejuízo para a eficácia do direito fundamental e de alegação oportuna. Não obstante, mesmo nulidades absolutas têm sido objeto da necessidade de fustigação urgente pelas partes, sob pena de preclusão. Em outros termos, STF, STJ e a jurisprudência majoritária têm relativizado, em certa medida, as tradicionais nulidades absolutas reconhecidas pela doutrina e pelos precedentes mais antigos.” TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1508.

[5] Art. 564 do Código de Processo Penal.

[6] “Interesse para o reconhecimento da nulidade: do mesmo modo que é exigido interesse para a prática de vários atos processuais, inclusive para o início da ação penal, exige-se tenha a parte prejudicada pela nulidade interesse no seu reconhecimento. Logo, não pode ser ela a geradora do defeito, plantado unicamente para servir a objetivos escusos. Por outro lado, ainda que não seja a causadora do vício processual, não cabe a uma parte invocar nulidade que somente beneficiaria a outra, mormente quando esta não se interessa em sua decretação.”NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 888.

 

[7] “O princípio pas des nullités sans grief- corolário da natureza instrumental do processo (CPP, art. 563: "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.") - impede a declaração da nulidade se não demonstrado o prejuízo concreto à parte que suscita o vício. Em se tratando de nulidade absoluta, geralmente violadora de norma protetiva de interesse público com status constitucional (v.g., devido processo legal, ampla defesa, contraditório), grande parte da doutrina êntende que o prejuízo é presumido.”LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1586.

 

[8] Súmula 155 do Supremo Tribunal Federal: É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha; Súmula 273 do Superior Tribunal de Justiça:  Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado.

 

Sobre os autores
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Jeffrey Chiquini

Coautor: Jeffrey Chiquini. Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor de processo penal da Escola da Magistratura Federal do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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