Relevância da sensibilidade notarial na constatação da capacidade e interpretação da vontade das partes

Breves considerações à luz da legislação vigente e Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Por Davi de Sousa Camboim. 18 de abril de 2020.

21/04/2020 às 16:34

Resumo:


  • O tabelião de notas é responsável por interpretar corretamente a vontade das partes no ato notarial, conforme as Normas de Serviço de São Paulo.

  • A capacidade das partes e intervenientes, conforme o Código Civil, é essencial para a validade do negócio jurídico.

  • A sensibilidade notarial envolve a responsabilidade de formalizar atos jurídicos públicos, atestando a capacidade dos envolvidos e interpretando suas vontades de acordo com a legislação vigente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Breves considerações acerca da sensibilidade notarial na lavratura de seus atos.

Ao ser aprovado em concurso de prova e títulos, o tabelião de notas mostra-se como o profissional do direito capaz de interpretar corretamente a vontade das partes sob o prisma jurídico. Ou seja, a parte informa o que deseja, e o Tabelião “dá o norte”, dentro do ordenamento jurídico vigente, sobre o ato notarial que se adequa à realidade apresentada. Nesse sentido, as Normas de Serviço de São Paulo trazem, em seu item 45, Cap. XVI, a seguinte disposição: “A escritura pública, salvo quando exigidos por lei outros requisitos, deve conter: c) manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes”. Ainda nessa mesma esteira lógica, tem-se o item 132, Cap. XVI, que diz: “Nas procurações outorgadas por pessoas idosas, recomenda-se aos Tabeliães de Notas, especialmente quando insinuado risco concreto de comprometimento patrimonial do idoso, que as lavrem com prazo de validade não superior a 01 (um) ano, com atribuição de poderes para prática de negócios jurídicos específicos e determinados e sem previsão de cláusula de irrevogabilidade, ressalvadas as hipóteses em que esta for condição de um negócio jurídico bilateral ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do outorgado/mandatário” (grifos nossos).

Há de se observar que o Código de Normas em tela apenas reflete princípios constitucionais, normativas civilistas e atribuições delegadas aos notários em razão da Lei 8935/94. Diz a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. De acordo com o Código Civil em vigor, em seus artigos 3º e 4º, tem-se, respectivamente, que “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos” e “São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Ainda, tem-se o artigo 6º da lei 8935/94, que, em seus incisos I e II, prescreve: “Aos notários compete: I - formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;”.

É certo, então, que o itens estudados trazem total relação com o princípio constitucionalista, civilista e notarial da Liberdade de Contratar e da Autonomia da Vontade, que, segundo o qual, nas palavras de Paulo Gaiger e Felipe Leonardo, “as pessoas maiores e capazes são soberanas para decidir sobre seus desejos, consolidando-os em contratos privados, quando queiram, até o limite da lei[1]. Dessa forma, dizem os autores, “o tabelião, igualmente, pode recepcionar essas vontades, redigindo os instrumentos adequados”. Somados a esses preceitos, deve o notário atentar-se para a legislação civilista quanto à capacidade das partes, com influência no exercício da vontade, conforme apresentado.

Resta incontroverso que: (i) capacidade e vontade das partes e intervenientes relacionam-se amplamente entre si; e (ii) a autonomia da vontade tem relação estreita com a liberdade de contratar. Lembremos a redação do artigo 421, do Código Civil, que diz: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”. Concluiu, então, o Professor e Jurista Vítor Kümpel: “Pode-se conceituar o princípio da autonomia da vontade como aquele que se funda na liberdade contratual das partes, consistindo no poder de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, balizando a liberdade na função sócio-econômica do contrato e na boa-fé dos contratantes”.{C}[2]

Lembremos, pois, que o rol dos incapazes foi alterado pela lei n.° 13.146, de julho de 2015 (que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual deu nova redação aos artigos 3º e 4º do Código Civil Brasileiro, acima mencionados. Dessa forma, só são absolutamente incapazes, de acordo com o novo texto legal, “de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos” (art.º 3º). Devem estes, então, ser representados{C}[3], pois é nulo o negócio jurídico quando celebrado por pessoa absolutamente incapaz (art.º 166 do Código Civil Brasileiro). Em função da legislação supracitada, nova redação também fora dada ao artigo 4º do diploma civilista. O rol dos que são considerados relativamente incapazes em relação a certos atos da vida civil ou à maneira de exercê-los foi alterado. Devem estes ser assistidos[4] neste exercício, caso seja necessário, nascendo a possibilidade da tomada de decisão apoiada alternativa à curatela.

Dessa feita, de acordo com o jurista Vitor Kümpel (2017){C}[5],

 

Com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, foram revogadas as demais hipóteses de incapacidade absoluta do art. 3º, do Código Civil. O deficiente deve ser tido como plenamente capaz para a prática dos atos não econômicos da vida civil, sendo relativamente incapaz para os atos econômicos, hipótese em que incidirá o instituto da tomada de decisão apoiada (art. 1.783, do Código Civil), ou eventual curatela.

Além da incapacidade absoluta, trata o legislador da incapacidade relativa no art. 4º, do Código Civil, não podendo contratar, ainda, todos aqueles que tenham entre dezesseis e dezoito anos, que sejam ébrios, viciados em tóxicos ou que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, sob pena de anulabilidade do referido contrato, ressalvada a hipótese de as pessoas elencadas estarem assistidas por seus pais, tutores ou curadores.

Por isso, os absolutamente incapazes serão representados em seus interesses por seus pais ou tutores, conforme estejam sob o pátrio poder, tutela ou curatela. Os relativamente incapazes, embora possam participar pessoalmente dos negócios jurídicos, deverão ser assistidos pelas pessoas a quem a lei determinar, salvo as hipóteses em que poderão atuar sem assistência”.{C}[6]

 

Relevante observação deve ser feita em relação ao item 132, do capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em seu Tomo II. Antes, porém, há de ser exposto que são idosos todos aqueles com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos de idade, conforme preconiza o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003 - Art. 1o:É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”). Assim, busca trazer a normativa do serviço extrajudicial em São Paulo recomendação e zelo quanto à lavratura de procurações que tenham como outorgantes pessoas idosas. Requer do notário, enfatizam as normas, atenção quando, principalmente, forem outorgados poderes que culminem em disposição patrimonial. Aconselha que os instrumentos do mandato sejam lavrados com prazo máximo de 1 (um) ano de validade, além da descrição com especificidade dos poderes estabelecidos.

Menção oportuna também deve ser dada à prescrição do artigo 104, do Código Civil, que diz: “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei”.

Há, então, conclusão lógica e determinante, com base nas legislações mencionadas e implicações práticas, que a sensibilidade notarial traz em si significado de responsabilidade intrínseca à atividade daquele que formaliza atos jurídicos públicos, atestando a capacidade dos envolvidos, interpretando a vontade das partes e intervenientes, além de fazer cumprir as demais formalidades essenciais para validade e eficácia dos instrumentos lavrados. Capacidade e vontade apresentam-se, em nosso ordenamento, como variáveis sensíveis de aferição precisa; e que, nos instrumentos públicos, trazem a relevante responsabilidade do notário.

Referências bibliográficas:

 

Tratado Notarial e Registral vol. III / Kümpel, Vitor Frederico et. al.  1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2017.

FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Tabelionato de Notas I: Teoria Geral do Direito Notarial e Minutas. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Instituiu o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, 11 jan. 2002.

BRASIL. Lei n.º 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 1 de outubro de 2003.

BRASIL. Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial: Brasília, DF, 6 de julho de 2015.

SÃO PAULO (Estado). Corregedoria Geral de Justiça. Provimento n.º 56, Tomo II, de 11 de dezembro de 2019 [regulamenta a prestação dos Serviços Extrajudiciais de Notas e de Registros]. Diário Oficial do Estado de São Paulo: Poder Judiciário, São Paulo, 11 de dezembro de 2019.

 


{C}[1]{C} FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Tabelionato de Notas I: Teoria Geral do Direito Notarial e Minutas. São Paulo: Saraiva, 2016.

{C}[2]{C} Tratado Notarial e Registral vol. III / Kümpel, Vitor Frederico et. al.  1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2017, p. 174.

{C}[3]{C} De acordo com Vitor Kümper, ”Representar é estar no lugar do outrem, manifestando vontade para a prática do ato ou do negócio jurídico”. Citando Pontes de Miranda, Kümpel transcreve: ”Em sentido estrito, ”a representação é o ato de manifestar vontade, ou de manifestar ou comunicar conhecimento, ou sentimento, ou de receber a manifestação, ou comunicação, ou sentimento, por outrem (representado), que passa a ser o figurante e em cuja esfera jurídica entram os efeitos do ato jurídico, que se produz“. Assim, para que exista a representação, é preciso que o figurante do negócio jurídico não esteja juridicamente presente“. Kümpel continua: “A representação propriamente dita é o vínculo jurídico segundo o qual determinada pessoa se obriga diretamente perante terceiro, por meio de ato praticado em seu nome por um representante ou intermediário. De certa forma, designa a substituição, na medida em que é atribuído poderes a alguém para praticar um ato em nome de outrem, quer no polo ativo, quer no passivo da relação jurídica” (Tratado Notarial e Registral vol. III / Kümpel, Vitor Frederico et. al.  1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2017, p. 492).

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{C}[4]{C} Acerca da Representação, quando comparada a outros institutos, diz Kümpel: ”A representação propriamente dita não se confunde  com outros fatores influentes na validade do negócio jurídico, tais como a assistência e a autorização ou anuência”. Continua o autor: ”Na assistência por sua vez, o ato é praticado em conjunto pelo assistido e assistente, prevalecendo a carga volitiva do assistido, ao passo que na representação enfoca-se a prática do ato por um terceiro em nome do representado, a quem pertence a carga volitiva” (Tratado Notarial e Registral vol. III / Kümpel, Vitor Frederico et. al.  1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2017, p. 493).

[5]{C} ”Art. 1.783-A, do Código Civil – 2002: “A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade. § 1 o Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar. § 2 o  O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo. § 3 o Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio. § 4 o A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado. § 5 o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado. § 6 o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão. § 7 o Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz. § 8º Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio. § 9º A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada. § 10.  O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria. § 11.  Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições referentes à prestação de contas na curatela”.

{C}[6]{C} (Tratado Notarial e Registral vol. III / Kümpel, Vitor Frederico et. al.  1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2017, p. 387).

Sobre o autor
Davi Camboim

Cristão - Tabelião Substituto do 19º Tabelião de Notas da Capital - SP - Professor - Direito Notarial e Registral - Direito Imobiliário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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