A nova era da participação digital em cooperativas de crédito: reflexões sobre as inovações legais

22/04/2020 às 00:57
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Este pequeno artigo apresenta reflexões sobre a possibilidade de realização de reuniões e assembleias gerais semipresenciais e digitais pelas cooperativas de crédito.

Ao longo dos últimos anos, os bancos tradicionais passaram por transformações digitais que modernizaram a forma de relacionamento com seus clientes. Novos aplicativos e infraestrutura tecnológica resultaram em celeridade e ruptura dos modos convencionais de atendimento.

No âmbito do cooperativismo de crédito, essas mesmas tecnologias foram aplicadas, visando ao atendimento de cooperados inseridos nesse mundo digital. Hoje, os sistemas cooperativos contemplam tecnologias iguais ou melhores que muitos concorrentes tradicionais, englobando: robustos datacenters, aplicativos mobile próprios, plataformas Open Banking, Blockchain, chats com inteligência artificial etc.

Contudo, inobstante os benefícios dessas inovações tecnológicas, os valores e princípios cooperativistas pareciam cada vez mais se distanciar desses cooperados digitais, avessos a ambientes de baixa estrutura tecnológica e de ritos formalísticos presenciais. Em um mundo contemporâneo tão digital, como plantar as sementes da cooperação e da participação democrática nesses cooperados digitais? Como ressaltar os valores cooperativistas que diferem o segmento das tradicionais instituições financeiras? Uma resposta mais contundente a esses e outros questionamentos ganhou força com a previsão legal expressa de participação dos cooperados, por meio do voto a distância, em reuniões e assembleias semipresenciais e digitais das cooperativas.

Com as inovações trazidas pela Medida Provisória nº 931, de 30/3/2020, que alterou a Lei nº 5.764/1971, e posteriormente regulamentadas pela Instrução Normativa (IN) nº 79/2020, do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), as cooperativas de crédito foram autorizadas a realizar reuniões e assembleias em ambientes exclusivamente digitais ou semipresenciais, mesclando a possibilidade de votação em local físico e a distância, por meio de boletim de voto a distância ou mediante atuação remota em sistema eletrônico.

Na prática, as cooperativas de crédito podem incrementar a sua atuação digital, que já possui um leque de funcionalidades parametrizadas em sistemas e apps de serviços financeiros, com inovações relacionadas à gestão democrática: ou seja, a efetiva participação digital de cooperados nas decisões da cooperativa. Abrem-se opções para melhoria do relacionamento com os cooperados em meio digital, possibilitando novas funcionalidades disruptivas, dentre as quais: prestação de contas com relatórios interativos e dinâmicos; gravação de vídeos curtos de candidatos a órgãos sociais; possibilidade de manifestação em tempo real dos cooperados em assembleias digitais; utilização de QR Codes nas transmissões virtuais; etc.

Há quem diga que essas inovações digitais poderiam desfigurar o espírito tradicional cooperativista, enraizado na participação física e no relacionamento caloroso no ambiente cooperativo. Porém, esse espírito cooperativo e as inovações digitais não são excludentes entre si; podem caminhar juntos e contribuir significativamente para o aumento da participação dos cooperados no processo decisório da cooperativa, efetivando, de forma plena, o princípio cooperativista universal da gestão democrática.

Recorrendo aos pioneiros do cooperativismo, a Sociedade dos Probos de Rochdale provou que o sucesso da empreitada cooperativista se deveu não apenas à implementação de princípios e diretrizes formais, mas, em grande parte, à participação recorrente dos cooperados nos rumos da sociedade: reuniões corriqueiras, sessões formais, assembleias anuais etc. Obviamente que, hoje, há um número infinitamente superior de cooperados e amplitude nas condições de admissão em cooperativas se comparados ao passado, mas, da mesma forma, as cooperativas de crédito poderão utilizar essas inovações para garantir a escuta ativa contínua de seus cooperados: enquetes, votações prévias, pré-assembleias digitais, além das assembleias semipresenciais e digitais.

Aquelas cooperativas de crédito que porventura tenham o perfil de cooperados baseado na pessoalidade, com baixa adesão tecnológica, poderão continuar com suas reuniões e assembleias presenciais. As cooperativas de crédito que, aos poucos, têm migrado para o ambiente virtual com perfil de cooperados cada vez mais digital ou heterogêneo, poderão mesclar a participação presencial, de forma física, com a participação digital, realizando assembleias semipresenciais. Já as cooperativas de crédito com perfil predominantemente tecnológico, com baixíssima adesão a reuniões e assembleias presenciais físicas, poderão utilizar de forma massiva as funcionalidades de participação digital, a exemplo da assembleia digital. O importante é garantir transparência e informação ao processo decisório, disponibilizando ao quadro social todas as ferramentas possíveis para participação efetiva.

É inegável que, atualmente, há um processo contínuo de incremento tecnológico nos processos societários e negociais das cooperativas de crédito (assinatura digital ou eletrônica, digitalização de documentos, formalização eletrônica de instrumentos contratuais, admissão de cooperados por meio de app etc.). Mas havia uma lacuna para implementação efetiva de tecnologias de participação digital dos cooperados que agora foi preenchida: há respaldo legal específico, expresso e inequívoco para realização de reuniões e assembleias de forma digital.

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Certamente, essa nova era de participação digital em cooperativas de crédito trará bons frutos para implementação efetiva da gestão democrática, garantindo a decisão soberana dos cooperados nos rumos da cooperativa. Há, a partir dessas inovações legais, um caminho virtuoso a ser trilhado no âmbito das cooperativas de crédito, que beneficiará todo o segmento, principalmente a sua razão de ser: os cooperados.

 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Instrução Normativa DREI nº 79, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a participação e votação a distância em reuniões e assembleias de sociedades anônimas fechadas, limitadas e cooperativas. Disponível em:  http://www.mdic.gov.br/images/REPOSITORIO/SEMPE/DREI/INs_EM_VIGOR/IN_DREI_79_2020.pdf. Acesso em: 22 abr. 2020.

BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5764.htm. Acesso em: 22 abr. 2020.

BRASIL. Medida Provisória nº 931, de 30 de março de 2020. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv931.htm. Acesso em: 22 abr. 2020.

HOLYOAKE, G. J. Os 28 Tecelões de Rochdale (História dos probos pioneiros de Rochdale). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1933. Tradução de: Archimedes Taborda. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me003029.pdf. Acesso em: 22 abr. 2020.

Sobre o autor
Thiago da Costa Cartaxo Melo

Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Especialista em Análise Política e Relações Institucionais pela Universidade de Brasília (UnB). MBA Executivo em Direito: Gestão e Business Law pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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