O Código Penal Militar na atualidade

22/04/2020 às 14:57
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O Código Penal Militar foi promulgado no final dos anos 60 e teve como missão punir mais gravemente o militar que cometesse um crime. Com o passar dos anos, acabou por ficar obsoleto, por ter ficado parado no tempo, sem modificações legais.

O Código Penal Militar foi promulgado durante os Anos de Chumbo da Ditadura Militar Brasileiro através de um Decreto-Lei (nº 1.001/69), feito pela Junta Militar que assumiu o país no final do Governo Costa e Silva. Visando modernizar a legislação penal, foi editado a legislação penal militar e uma legislação penal nova (Decreto-Lei 1.004/69), que nunca entrou em vigor.

O Código Penal Militar foi considerado inovador quando entrou em vigor, revogando o CPM antigo (Decreto-Lei 6.227/44). A título de exemplo, podemos trazer a descrição do conceito de culpa (artigo 33, II), a tipificação do furto de uso (artigo 241), de chantagem (artigo 245) e de abuso de radiação (artigo 271), a qualificadora de resultado morte no crime de sequestro (artigo 225, § 3º) e a causa especial de aumento de pena de multipicidade de vítimas no homicídio culposo (artigo 206, § 2º).

Além disso, a intenção do CPM era punir mais gravemente o militar que cometesse um crime do que um civil, já que a reprovabilidade do ato por aqueles que possuem o dever de defender era superior ao do civil. Como exemplo, podemos trazer a pena mais exacerbada dos crimes de apropriação indébita simples (artigo 248), estelionato (artigo 251) e incêndio (artigo 268), dentre outros.

Porém, com o passar do tempo, o Código Penal civil foi modificado por legislações posteriores, que passaram a adequar a legislação de 1940 aos dias atuais. O mesmo, contudo, não aconteceu com o Código Penal Militar, que foi deixado no ostracismo e que, nos dias atuais, acaba por punir mais brandamente o militar que comete crime, do que o civil.

Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, por exemplo, descritos originalmente nos artigos 213 e 214 do Código Penal, possuíam penas originais de três a oito anos e dois a sete, respectivamente. Em 2009, ambos os crimes se uniram no atual crime de estupro e a pena é de 06 (seis) a 10 (dez) anos. A presunção de inocência, descrita no artigo 224, passou a ser o novel crime de estupro de vulnerável do artigo 217-A, com penas que variam entre 8 (oito) e 15 (quinze) anos.

No Código Penal Militar, entretanto, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor ainda subsistem. Os artigos 232 e 233 preveem penas de três a oito anos e dois a seis anos para os crimes citados, respectivamente, sem prejuízo da pena correspondente à violência. Ademais, o artigo 236 ainda prevê a presunção de inocência, com a mesma pena do crime comum. Em ambos os crimes, também não existem as qualificadoras de vítima menor de 18 (dezoito) anos ou com resultado de lesão corporal grave ou morte, como descrito nos §§ 1º e 2º do artigo 213 e 217-A, §§ 3º e 4º.

Ainda existe no CPM o crime de corrupção de menor (artigo 234), na forma descrita original (“corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de dezoito e maior de quatorze anos, com ela praticando ato de libidinagem ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo), sem as modificações trazidas ao artigo 218 do Código Penal pela Lei 12.015/09. Também não há os crimes de importunação sexual (artigo 215-A), assédio sexual (artigo 216-A), registro não autorizado da intimidade sexual (artigo 216-B), satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (artigo 218-A), favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (artigo 218-B) ou Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia  (artigo 218-C) no Código Penal Militar, ainda que todos existem no Código Penal.

O Código Penal Militar determina, em seu artigo 290, o crime de tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar, em lugar sujeito à administração militar. A pena é de até cinco anos de reclusão, muito similar ao original crime do artigo 281 do Código Penal, mas muito diferenciado das atuais penas de cinco a quinze anos de reclusão do artigo 33 da Lei 11.343/06.

Também não foram atualizados os crimes de furto e roubo com as atualizações das Leis 13.654/18 e 13.964/19. Não há modificação, portanto, para os crimes patrimonais se houver emprego de explosivo ou de artefato que cause perigo comum ou para a subtração indevida destes materiais. Ademais, não há aumento de pena para roubos cometidos com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.

Igualmente, não há atualização sobre os crimes de feminicídio (artigo 121, § 2º, VII, § 2º-A e § 7º do Código Penal) e violação doméstica (artigo 129, § 9º), nem o novo crime de indução à automutilação (artigo 122).

Há, portanto, grande deficiência na atual legislação penal militar. O Código Penal Militar de 1969 era moderno e punia exemplarmente os militares que cometiam crimes com penas mais severas que os civis que cometiam os mesmos crimes.

Contudo, com o passar dos anos, o Código Penal Militar foi se tornando ultrapassado, completamente esquecido pelo Poder Legislativo Brasileiro, não sendo atualizado às atuais conjunturas do país. Dessa forma, se tornou uma legislação penal obsoleta e que não corresponde aos princípios existentes. O Poder Judiciário, para suprir essa ausência de atualização – que pode gerar, indubitavelmente, punições mais brandas e injustiças - utiliza apenas dos crimes militares próprios, sem correspondente na legislação penal civil (artigos 136 a 204 e 355 em diante), em flagrante desrespeito aos princípios constitucionais da Reserva Legal e da vedação à analogia in malam partem.

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Deve o Poder Legislativo, portanto, em sua função principal, atualizar o Código Penal Militar para os dias de hoje, pois cabe a este Poder – e tão somente a este – a devida adequação das leis penais à realidade atual.

Sobre o autor
Rodrigo Picon

Formado em Direito pelo Instituto Tancredo de Almeida Neves e pós-graduado em Direito Penal Econômico Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Rodrigo Picon é advogado, regularmente inscrito pela Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, escritor e contista. Atua nas áreas criminal, empresarial, penal econômica, tributária, difusos e coletivos e de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados. É autor dos livros "Direitos Difusos e Coletivos" e "Código Penal Comentado".

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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