Há justiça no processo judicial tributário?

24/04/2020 às 16:11
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Diante do princípio do devido processo legal, e a atual situação dos processos, o presente trabalho visa analisar se há justiça no processo judicial tributário.

                    Segundo Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva, “No Brasil, tornou-se lugar-comum dizer que o processo judicial é moroso. Mais que isso, tornou-se lugar-comum dizer que o processo judicial de execução fiscal em específico é ainda mais moroso e objetivamente ineficiente.” (2016, p. 4)

                    De acordo com o relatório do Banco Mundial, “Doing Business 2020” (2020, p.4), o Brasil encontra-se na 124ª posição no ranking de facilidade para realizar negócios. Em 2016, no relatório anual do Banco Mundial, divulgou que o brasileiro empresário dispende 2,600 horas por ano pagando tributos. Dessa forma, ficando o Brasil em 172º na posição quanto ao que menos realiza pagamento de tributos. (2016, p. 190)

                    Além do sistema tributário brasileiro ser extremamente burocrático, conforme exposto nos relatórios divulgados pelo Banco Mundial, também tem se mostrado ineficaz. Isto se justifica nos dados apresentados pelo “Justiça em números”, do CNJ (BRASIL, 2016, p. 131), em que os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de casos pendentes e 73% das execuções pendentes no Poder Judiciário.

                    Conforme o “Justiça em números” (BRASIL, 2016, p. 131), as execuções fiscais possuem taxa de congestionamento de 90%. Além disso, a cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2018, apenas 10 foram baixados.

                    Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, demonstra que o tempo médio total de tramitação do processo de execução fiscal na Justiça Federal é de 8 anos, 2 meses e 9 dias (IPEA, 2011, p.6). É importante destacar que os autores da pesquisa apontam causa da morosidade excessiva, é a cultura organizacional burocrática e formalista, associada a um modelo de gerenciamento processual ultrapassado, que torna o executivo fiscal um procedimento moroso e propenso à prescrição. (2011, p. 9)

                    Além disso, explicam que a forma de organização administrativa na Justiça Federal se assemelha ao modelo fordista clássico, caracterizado pela rígida divisão de tarefas excessivamente reguladas, repetitivas e autorreferentes. Esse modelo impede a construção de uma visão completa do processo de trabalho, privilegiando o cumprimento de tarefas, em detrimento da obtenção dos resultados. (IPEA, 2011, p. 9)

                    Não só a morosidade é prejudicial, mas também os altos custos. Segundo a mencionada pesquisa, um processo na Justiça Federal de Primeiro Grau (excluídos os custos com processamento de embargos e recursos), tem o valor anual de R$ 4.368,00. (IPEA, 2011, p. 9)

                    A pesquisa concluiu que existe baixa cooperação entre os atores intervenientes no processamento da execução fiscal; que vem sendo utilizada pelos Conselhos de Fiscalização das profissões liberais como instrumento primeiro de cobrança das anuidades; que a organização e a gestão administrativa da Justiça Federal de Primeiro Grau são ineficientes. (IPEA, 2011, p. 11) Além das conclusões mencionadas, e de outras, é importante salientar uma das conclusões da pesquisa realizada: Os mecanismos disponíveis para defesa são pouco acionados pelo devedor. Em regra, este prefere efetuar o pagamento, ou aguardar a prescrição do crédito. Logo, a simplificação dos procedimentos e o aumento da celeridade do processo de execução fiscal não comprometeriam as garantias de defesa do executado, mas resultariam em melhoria na recuperação dos valores devidos.

                    Dessa forma, faz-se necessário observar o que Geraldo Ataliba explica que se todas as divergências forem submetidas ao Poder Judiciário, este submergirá sob o peso de um acúmulo insuportável de questões para julgar. Além disso – e também por isso – tardarão muito as soluções, em detrimento das partes envolvidas. Daí a razão pela qual, em quase todos os países, se criaram organismos e sistemas para reduzir o número de causas instauradas perante o Poder Judicial. Portanto, Ataliba explica que há impossibilidade de submeter todo tipo de divergência ao poder judiciário e preconiza a criação de sistemas para reduzir o número de causas instaurantes.

                    De acordo com Nunes, não se trata, evidentemente, de se demonizar os litigantes e advogados por demandarem a justiça sobre as questões fiscais, nem é o caso de se acusar o Poder Judiciário de não atender às demandas judiciais a contento. Trata-se de ampliar o debate sobre meios alternativos de solução de demandas fiscais, que fortaleça a solução administrativa dos assuntos tributários ou o entendimento entre contribuintes e Fazenda pública a respeito de tais temas. (2019, p. 464)

                    Nunes acrescenta que, enquanto isso não for uma realidade, o processo judicial tributário será utilizado como forma de solução das demandas, buscando a melhor interpretação às normas constitucionais e legais do processo, de modo a torná-lo o mais eficiente possível. (2019, p. 464) Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva afirma que “há uma preocupação dos atores do fisco e do Judiciário com o número de processos de execução fiscal insolúveis. É dizer: processos que se prolongam de forma indefinida sem jamais encontrar bens de valor penhoráveis de modo a satisfazer o crédito público. Assim, além de não haver satisfação do crédito, diversos feitos tramitam, ocupando juízes, procuradores e auditores-fiscais e desperdiçando recursos escassos do orçamento público.” (2016, p. 4)

                    Queiroz e Silva explica, quanto às execuções fiscais que “chama bastante atenção que um terço das execuções fiscais federais sejam extintas em razão de prescrição ou decadência. Nesses casos, houve uma movimentação de diversos órgãos estatais, gastando recursos do orçamento, para se chegar meramente à extinção do processo sem nenhum ganho financeiro para a União.” (2016, p. 7)

                    A partir de uma análise comparada entre os sistemas tributários de diversos países, Queiroz e Silva concluiu que o processo judiciário tributário é ineficaz. Segundo Queiroz e Silva, ele não encontrou nenhum exemplo igual ao brasileiro, de sistema de cobrança inteiramente judicial de créditos tributários, e esse é o que possui menor arrecadação de créditos. (2016, p. 18)

                    Além disso, Queiroz e Silva destaca que encontrou “três problemas inerentes ao modelo brasileiro de execução fiscal: é de baixa eficiência na recuperação de créditos; congestiona o Poder Judiciário com demandas de interesse do próprio Estado, impedindo-o de se debruçar sobre controvérsias de particulares; e desestimula a conformidade voluntária (compliance) fiscal das empresas.” (2016, p. 18)

                    É importante destacar que Queiroz e Silva concluiu, ao fim de seu trabalho, que uma das sugestões para a execução fiscal no Brasil, seria sua desjudicialização, e a possibilidade de realização de acordos. (2016, p. 22)

                    No relatório de pesquisa sobre o Custo Unitário de Execução Fiscal na Justiça federal, foi demonstrado que apenas 3,5% dos executados apresentam-se voluntariamente em juízo. Além disso, em 43,5% das execuções fiscais, o devedor nem ao menos é encontrado. (p. 18) Em 27,7% dos casos, há extinção por decadência ou prescrição, em 17% dos casos, há cancelamento da inscrição, e, em 11,5% dos casos, há extinção sem julgamento do mérito nas execuções fiscais. (IPEA, 2011, p. 20)

                    Além disso, o estudo aponta que causas menores de baixa incluem a remissão (8%), o julgamento de embargos favoravelmente ao devedor (1,3%), o julgamento de objeção de préexecutividade favoravelmente ao devedor (0,3%) e o declínio de competência (0,2%). (IPEA, 2011, p. 90)

                    Diante do cenário apresentado, torna-se necessário dissertar acerca da duração do processo. A Convenção Americana De Direitos Humanos (Pacto De San José Da Costa Rica), de 1969, estabelece em seu artigo 8º, 1, no capítulo sobre garantias judiciais, a duração razoável do processo ao dispor que toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

                    A Constituição Federal Brasileira, de 1988, determina, da mesma forma, no artigo 5º, inciso LXXVIII, que é assegurado a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação. (BRASIL, 1988)

                    O Código de processo civil, de 2015, que segundo seu artigo 1º, será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, trouxe também, em seu artigo 4º, que as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. (BRASIL, 2015)

                    Quanto ao mencionado artigo, o enunciado 371, do Fórum Permanente de Processualistas Civis, explica que tem aplicação em todas as fases e em todos os tipos de procedimento, inclusive em incidentes processuais e na instância recursal, impondo ao órgão jurisdicional viabilizar o saneamento de vícios para examinar o mérito, sempre que seja possível a sua correção. (BRASIL. Enunciado 371, do Fórum permanente dos processualistas civis. 2015.)

                    É importante destacar que, segundo Bonicio (2016, p. 170), o Código de processo civil de 2015 trouxe mudanças que priorizam o tempo razoável do processo, no artigo 1.048, tais como prioridade de tramitação para idosos, portadores de doença grave, assuntos regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e Vítimas de violência doméstica e familiar.

                    Ainda segundo Bonicio (p. 170), outra medida adotada pelo código de processo civil de 2015 foi a do artigo 12, que determina que juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

                    Bonicio (2016, p. 170), explica que a medida trazida pelo artigo 12 é benéfica pois o juiz deixará de escolher qual processo será julgado primeiro para, segundo as novas regras, dar preferência àqueles mais antigos, segundo a “ordem de conclusão”.

                    A medida adotada no Código de Processo Civil, já estava em análise do Conselho Nacional de Justiça, desde 2009. Nesse ano, o judiciário teve como meta de número 2: “Identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribuídos até 31.12.2005 (em 1º, 2º grau ou tribunais superiores)”. (BRASIL, CNJ, 2009)

                    O Conselho Nacional de Justiça dedicou-se a essa meta com o objetivo de assegurar o direito constitucional à “razoável duração do processo judicial”, o fortalecimento da democracia, além de eliminar os estoques de processos responsáveis pelas altas taxas de congestionamento.

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                    Em apertada síntese, Bonício (2016, p. 171) destaca que o novo código de processo civil municia as partes e a sociedade de instrumentos de fiscalização, que estão amparados na forte exigência de publicidade das listas de julgamento dos processos pendentes. Bonício (2016, p.172) destaca ainda as tutelas de urgência e evidência, e a técnica de improcedência liminar do pedido.

                    Freire, Streck, Nunes e Cunha explicam que um processo somente pode ser qualificado de devido, justo ou équo, se ostentar uma razoável duração. Além disso, que um processo excessivamente demorado é um processo injusto, indevido, que não atende aos anseios do jurisdicionado, nem ao interesse público. (2017, p. 37)

                    Segundo os autores, o juiz e as partes, para que se atenda à exigência de duração razoável do processo, devem evitar e eliminar as dilações indevidas no curso do procedimento em contraditório, deixando de praticar atos inúteis, impertinentes e desnecessários. (2017, p. 37)

                    É importante destacar que, segundo Freire, Streck, Nunes e Cunha, a necessidade de eliminar as dilações indevidas decorre do próprio devido processo legal, que garante um processo justo e efetivo. (2017, p. 37) Conforme Bonicio (2016, p. 67), a notícia mais antiga quanto ao devido processo legal, é do direito inglês, datada de 1934, e significa o direito a um processo justo

                    No direito brasileiro, o devido processo legal foi consagrado no artigo 5º, inciso LIV, o qual prevê que ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. (BRASIL, 1988)

                    Diante do exposto, conclui-se que, além do direito tributário ser extremamente burocrático, o processo tributário apresenta grande morosidade, gera inúmeros gastos, e desrespeita os princípios da duração razoável do processo, e, portanto, não é justo.

                    Mendonça leciona que, tratando-se de controvérsias tributárias, diante do atual estágio dos litígios pendentes, mostra-se necessário a adoção de métodos além daqueles hodiernamente disponíveis, pois a adequada solução de litígios somente existirá na medida em que o número de litígios seja compatível com a capacidade de resposta do sistema posto para solução. (2013, p. 67) Portanto, faz-se necessário repensar formas de solução de conflitos tributário

 

Referências bibliográficas

 

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária.São Paulo: Malheiros, 1992.

 

BANCO MUNDIAL. Fazendo negócios 2016, Medindo a qualidade e a eficiência regulamentares. 13º edição, 2020. Disponível em: <https://portugues.doingbusiness.org/content/dam/doingBusiness/media/Annual-Reports/ English/DB16-Full-Report.pdf> (Acessado em 21/01/2020.)

 

BONICIO, Marcelo José Magalhães Princípios do processo no novo Código de Processo Civil. São Paulo : Saraiva, 2016. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502636071/first> (Acesso em 21/02/2020)

 

BRASIL. Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 27/02/2020

 

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BRASIL, Justiça em Números 2019/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2019. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/ justica_em_numeros20190919.pdf> Acesso em 21/01/2020.

 

BRASIL. Enunciado 371, do Fórum permanente dos processualistas civis. 2015. Disponível em: <https://alice.jusbrasil.com.br/noticias/241278799/enunciados-do-forum-permanente-deprocessualistas-civis-carta-de-vitoria> (Acessado em 22/02/2020)

 

IPEA. Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal na Justiça Federal. 2011. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110331_comunicadoipea83.pdf > (Acessado em 21/02/2020)

 

MENDONÇA. Priscila Faricelli. TRANSAÇÃO E ARBITRAGEM NAS CONTROVÉRSIAS TRIBUTÁRIAS. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito Da Universidade de São Paulo. São Paulo – 2013. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-12022014

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NUNES, Cleucio Santos Curso completo de direito processual tributário – 3. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553610464/cfi/4!/4/2@100:0.00> (Acesso em 21/02/2020)

 

QUEIROZ E SILVA. Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva. EXECUÇÃO FISCAL: EFICIÊNCIA E EXPERIÊNCIA COMPARADA. Direito Tributário e Tributação. Estudo técnico, julho 2016 Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-enotas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/areas-da-conle/ tema20/2016_12023_execucao-fiscal-eficiencia-e-experiencia-comparada_jules-michelet> Acessado em 26/02/2020

 

SAN JOSÉ DA COSTA RICA. Convenção Americana de Direitos Humanos. 1969. Diponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/pacto-san-jose-costa-rica.pdf> (Acesso em 21/02/2020)

 

STRECK, Lenio Luiz. Art. 489. In: _________; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo (orgs.). Comentá-rios ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. x-x. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547220471/cfi/0!/4/2@100:0.00> Acessado em 22/02/2020

Sobre a autora
Rafaela Isler da Costa

Pós-graduanda em Criminologia (Grancursos). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito e Justiça Social da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FADIR/FURG/RS). Representante discente do curso de Mestrado em Direito e Justiça Social - FURG. Pesquisadora bolsista da CAPES. Pesquisadora vinculada ao Programa Educación para la Paz No Violencia y los Derechos Humanos, al Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (Centro de Investigación y Extensión en Derechos Humanos) de la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de Rosário (Argentina) sob coordenação do Professor Dr. Julio Cesar Llanán Nogueira, com financiamento PROPESP-FURG/CAPES. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (NUPEDH/FURG) e do Grupo de Pesquisa do CNPq: DIREITO, GÊNERO E IDENTIDADES PLURAIS (DGIPLUS/FURG). Pós-Graduação em Direito Público. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Empresarial. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Tributário. (Damásio). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). CV Lattes: < http://lattes.cnpq.br/2927053833082820 E-mail: < [email protected]>

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