Ação condenatória e fase de cumprimento

Leia nesta página:

Análise do modo peculiar de cumprimento de sentença no novo CPC.

Ação condenatória e fase de cumprimento

 

 

 A execução é a realização coativa de prestação imposta em provimento jurisdicional condenatório (e, por extensão, de prestação constante de instrumento escrito, a que a lei confere força executiva: títulos executivos extrajudiciais). Realização coativa porque, resistindo o condenado ou o devedor à satisfação espontânea da prestação (imposta ou documentada), fazem-se necessários atos de coerção para realização do devido (atividade executiva). A execução de provimento jurisdicional se faz em fase do procedimento cognitivo (processo sincrético); quando se trata de execução de título extrajudicial, a execução se faz em processo autônomo.

            Daí que a execução de título judicial – dita execução de sentença – concernir a provimento condenatório. Mas o novo CPC incorporou a orientação de ser suscetível de execução o provimento jurisdicional declaratório de obrigação já violada.

            Os atos de execução propriamente ditos são os que se destinam à realização da prestação imposta ou titularizada e resistida: em vez de meros provimentos (pronunciamentos com implicações apenas no mundo jurídico), importam, de fato, invasão física da esfera jurídica do obrigado. Consistem eles, pois, em medidas executivas, que, por natureza, são coercitivas. Destinam-se à realização específica da prestação imposta, pelo próprio obrigado, ou, na impossibilidade disso, à obtenção de resultado prático equivalente (criação pelo juízo de um resultado correspondente à satisfação voluntária), e, só em última instância (ou por vontade expressa do titular do direito), reparação pelo equivalente monetário (indenização).

            As medidas coercitivo-executivas podem ser:

I – de substituição (medidas executivas substitutivas ou sub-rogatórias): aquelas que substituem a vontade do executado recalcitrante, dando-se a satisfação da prestação mediante atos do próprio juízo e prescindindo de conduta do condenado; consistem elas em: mandado de busca e apreensão de bem móvel e de desocupação de bem de imóvel –, expropriação (conversão de bem em dinheiro para satisfação do crédito), remoção de coisas, interdição de estabelecimento, impedimento de atividade nociva, fazimento ou desfazimento de obra por outrem à custa do executado ou qualquer providência que importe realização da prestação por atos ou determinações do juízo;

II – de indução (medidas executivas indutivas): aquelas que, pondo o executado recalcitrante em situação de desvantagem, tendem a induzi-lo à realização da prestação, ainda que a contragosto – são elas multa (por tempo de atraso – em regra, por dia – no cumprimento da prestação imposta) e até prisão civil (se e quando houver previsão legal e conformação à Constituição). (A prisão civil como medida executiva indutiva, não tem caráter penal, diferentemente da prisão penal – prende-se para castigar –, daí que, satisfeita a prestação pelo executado recalcitrante, cessa imediatamente a coerção.)

            A requisição de força policial é medida de apoio, aquela de que o juízo se serve para respaldar as medidas coercitivas propriamente ditas.

            Parece equivocado dizer que uma execução é indireta porque as medidas executivas adotáveis, no caso, sejam indutivas. Resta ver que induzir é rigorosamente modo específico de forçar o cumprimento da prestação; e que só é execução direta a realização forçada mediante expropriação, própria na condenação ao pagamento de quantia. Toda realização coativa de obrigação é execução; apenas, a depender da prestação a ser realizada coativamente, a execução assume formato adequado.

            Por conta das peculiaridades da execução da sentença condenatória relativa a deveres de fazer, não fazer ou entregar coisa (diversa de dinheiro), certa corrente doutrinária, majoritária, aliás, tende a ver que, mesmo condenatória, a sentença relativa a dever de fazer e não fazer assume natureza mandamental, e a relativa a entrega de coisa natureza executiva em sentido amplo.

            Evidentemente que essas categorias de sentenças podem ser tais não por sua natureza (conteúdo), mas por seu modo peculiar de execução, que, inegavelmente, tem reflexo no modo de sentenciar nas ações respectivas. Assim, quando o juiz sentencia numa ação de prestação relativa a dever de fazer ou não fazer, ele não se limita a condenar o acionado, mas, de logo, já na própria sentença, fixa prazo à satisfação da prestação e determina a medida indutiva a ser aplicada, de modo que,  uma vez eficaz a sentença, o juízo, independente de pedido do credor, já dá curso imediato à execução, ordenando a medida executiva prevista no provimento (sentença mandamental). E quando o juízo condena a entrega de coisa, fixa prazo para entrega, findo o qual sem satisfação voluntária, independente de pedido, dá curso à execução, ordenando a expedição de mandado de busca e apreensão ou desocupação (sentença executiva “lato senso”).

            Daí a imbricação de cognição e execução nessas hipóteses. Tal é essa imbricação que o CPC/2015, inovando, traça uma seção específica, no capítulo regulador da sentença no julgamento das ações relativas às prestações de fazer, não fazer e de entregar coisa (seção IV do capítulo XIII do Livro I).

            Como visto, já ao sentenciar, o juízo fixa prazo à satisfação voluntária da prestação e estabelece a medida executiva, indutiva ou substitutiva (no caso de entrega de coisa), adequada à realização da prestação devida. Eficaz a sentença e decorrido o prazo sem a satisfação voluntária, prossegue-se, de ofício, e sem intimação do condenado, dando cumprimento à medida executiva prevista.

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            Apesar da imbricação de cognição e execução, não é correta a afirmação de inexistir aí uma fase de execução (tanto que o CPC/2015, nos arts. 536 a 538, disciplina, em seções específicas, as regras relativas ao cumprimento de sentença de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa). Não é igualmente lógico o ensinamento de que as medidas aí adotadas não são executivas: na realidade são executivas – indutivas ou substitutivas – e, embora distintas da expropriação na execução para pagamento de quantia, isso não lhe retira a natureza de execução. O condenado, que não cumpriu voluntariamente a prestação imposta, é compelido a satisfazê-la a contragosto. Isso é execução, ainda que execução com traços específicos, distintos daqueles da execução com expropriação.

            A expropriação, medida executivo-substitutiva própria da execução por quantia certa é rigidamente disciplinada e, portanto, típica, porque representa o meio apropriado de se obter dinheiro para pagar a quantia, e seu percurso lógico, com as devidas garantias ao executado, é o que a lei traça. O modo de ser de satisfação compulsória (execução) dos deveres de fazer, não fazer e entregar coisa é outro, que, para ser eficaz, pressupõe a atipicidade das medidas executivas adotáveis, flexibilidade de seu curso e maior discricionariedade ao juízo (não se confunda com arbítrio; discricionariedade no sentido de exercício de poderes sem vinculação estrita, mas que deve guardar compatibilidade com o fim a que se destina). 

            Pela natureza peculiar da realização dos deveres de fazer, não fazer e entregar coisa (presente na imbricação de cognição e execução, na atuação de ofício do juízo na condução desta e na atipicidade das medidas executivas), representa um equívoco a preceituação do § 4º do art. 536, que manda aplicar o art. 525 (impugnação) no cumprimento de sentença relativa a obrigação de fazer e não fazer. Como o condenado não é intimado para o início da execução, tocada de ofício, não faz sentido o manejo de meio formal de oposição a esta. O lógico seria franquear o manejo da petição simples prevista no art. 518 do CPC, com suscitação das matérias nele arroladas.    

Sobre os autores
Erivaldo Santana

Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade do Ceará. Ex-Promotor de Justiça do MP do Ceará. Juiz inativo do Trabalho do TRT7. Integrante do escritório de advocacia Santana e Basílio, em Brejo Santo/CE. E-mail: [email protected]

Sérgio Vasconcelos Santana

Graduado pela PUC-PE e prós-graduado em Direito Civil pela URCA. Advogado no escritório Basílio e Santana, em Brejo Santo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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