Breves apontamentos sobre as modificações no Tribunal do Júri

Resumo:


  • O Ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou o "Pacote Anticrime" com propostas para modificar diversas leis, visando combater a corrupção e crimes violentos.

  • Uma das mudanças mais polêmicas é a modificação do efeito suspensivo nos recursos no Tribunal do Júri, visando garantir a soberania dos veredictos do conselho de sentença.

  • O projeto de lei proposto busca estabelecer medidas mais rigorosas contra crimes violentos, em especial os dolosos contra a vida, visando combater a impunidade e promover a segurança pública.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em BREVES APONTAMENTOS SOBRE AS MODIFICAÇÕES NO TRIBUNAL DO JÚRI, foi necessário analisar dois aspectos: o positivo e o negativo de uma das maiores mudanças propostas pelo ex Ministro da Justiça e Segurança, Sr. Sérgio Moro.

A FAVOR DO PROJETO DE LEI

     O novo Ministro da Justiça e Segurança, Sr. Sérgio Moro, apresentou no dia 04 de fevereiro de 2019 uma série de propostas para modificar diversos diplomas legais (Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos e Código Eleitoral Brasileiro).

     Conhecido como “Pacote Anticrime”, o projeto contém 34 folhas, nas quais se propõe 19 alterações em trechos de 14 leis diferentes.

     O principal objetivo do projeto de Lei apresentado é estabelecer medidas contra a corrupção, crime organizado e os crimes com grave violência contra a pessoa, como estabelece seu artigo 1°.

    Dentre as diversas mudanças presentes no “Pacote Anticrime” uma das mais polêmicas é a “Modificação do efeito suspensivo nos recursos no Rito Especial do Tribunal do Júri”.

     Sobre o Tribunal do Júri, Nucci afirma que ainda permanece a aura do Júri como direito fundamental do homem (julgamento pelos seus pares), insculpido nas mentes britânicas há muitos séculos. (D´ANGELO, 2008) 

     Possível observar que o julgamento perante o Tribunal do Júri é reconhecida como um direito fundamental do homem, protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

     Destaque-se também que uma das mais importantes características do Júri é a soberania dos vereditos do conselho de sentença.

     O Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 118.770, já autorizou o entendimento previsto no projeto de Lei, veja-se:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO, AMBOS QUALIFICADOS. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA. POSSIBILIDADE. 

1. A Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular.

2. Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no ARE 964.246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri.

3. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso.

4. Habeas corpus não conhecido, ante a inadequação da via eleita. Não concessão da ordem de ofício. Tese de julgamento: “A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade.”

     Frise-se que os crimes levados ao Tribunal do Juri são os dolosos contra vida, consumados ou tentados. Portanto, dada a gravidade concreta de tais crimes, o tratamento mais rigoroso se impõe.

     Ora, os crimes submetidos ao rito do Júri tutelam o bem jurídico mais valioso, qual seja, a VIDA! Ensina o Professor Cesar Roberto Bittencourt (BITTENCOURT, 2011, P. 16) que o princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável.

     Em um país onde foram cometidos 62.517 homicídios em 2016, num total de 153 mortes por dia, de acordo com dados emitidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) , é notável que o Estado não poderá deixar de intervir e modificar sua legislação. 

     Diante disso, não restam dúvidas de que a população se encontra carente de segurança pública e certa da existência da flagrante impunidade dos perpetradores dos crimes.

     Não trouxesse o projeto de Lei um recrudescimento penal certamente logo teríamos a volta o estado de natureza, a “justiça com as próprias mãos”.

     A mudança proposta pelo Ministro é de grande comemoração e alívio para grande parte da população que se encontra a mercê da violência e criminalidade do dia-a-dia. Caso reste aprovada, finalmente se poderá ver àquele que cometeu o ato criminoso imediatamente cumprir a pena que lhe foi atribuída pelo soberano Tribunal do Júri. Nada mais justo, nada mais necessário!

     Referida reforma é imprescindível para mudança do atual estado de descrença com as leis que habita toda população. A decisão do Júri é soberana e, portanto, se justifica a execução imediata do condenado pelos jurados, tendo em vista que a decisão não poderá ser alterada pelo Tribunal de Apelação.

     O direito penal possui função simbólica e a mudança proposta incentiva tal objetivo ao estabelecer a execução de plano da pena com a condenação. Se o projeto não vingar continuaremos fomentando o cometimento dos crimes contra a vida, visto que a impunidade daqueles que o cometem é rotineira.

     Chega da sensação de que o crime compensa! 

CONTRA O PROJETO DE LEI 

     O Ex Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Dr. Sérgio Moro, entregou recentemente o Projeto de Lei (PL) nº 882/2019 ao Presidente da Câmara dos Deputados Federais, Sr. Rodrigo Maia.

     O PL, denominado de “Pacote Anticrime”, altera diversos diplomas legais, e dentre as diversas modificações propostas nos concentraremos no presente ensaio naquela que visa alterar as normas do Tribunal do Júri.

     No tocante ao procedimento dos crimes dolosos contra vida, o PL modifica a redação dos art. 421, 492 e 584, todos do Código de Processo Penal.

     Assim, valendo-se do “antes e depois” visualizamos o seguinte:

     Na Justificativa do PL, o Ministro afirma que:

Os arts. 421, 492 e 584, na sua nova redação, dizem respeito à prisão nos processos criminais da competência do Tribunal do Júri. A justificativa baseia-se na soberania dos veredictos do Tribunal do Júri e a usual gravidade em concreto dos crimes por ele julgados e que justificam um tratamento diferenciado. Na verdade, está se colocando na lei processual penal o decidido em julgamentos do Supremo Tribunal Federal que, por duas vezes, admitiu a execução imediata do veredicto, tendo em conta que a decisão do Tribunal do Júri é soberana, não podendo o Tribunal de Justiça substituí-la (STF, HC nº 118.770/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. para o Acórdão Ministro Luís Barroso, j. 7/3/2017 e HC nº 140.449/RJ, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator para o Acórdão Ministro Luís Barroso, j. 6/11/2018).

     Em que pese os argumentos do Ministro, temos que as mudanças propostas são inconstitucionais e inconvencionais.

     A começar pela alteração da redação dos art. 421 e 584, § 2º, ambos do Código de Processo Penal, que objetivam o julgamento imediato do acusado perante o Plenário do Tribunal do Júri, independentemente da interposição do Recurso em Sentido Estrito (RESE) contra a decisão de Pronúncia e o resultado de seu julgamento.

     Ora, sob o pretexto da efetividade, a mudança, a um só tempo, fere de morte o devido processo legal, a presunção de inocência e o direito ao recurso, como muito bem apontam os insignes Aury Lopes Junior e Vítor Paczek

      A açodada medida desconsidera sobremaneira o tempo necessário para efetivar um julgamento justo e consagrada o malfado e inconstitucional “In Dubio Pro Societate”.

     Cria, ademais, cenário absolutamente assustador no qual, na ânsia de conferir celeridade ao julgamento, é encaminhado de plano e sem maiores reflexões um inocente (presunção de inocência) para julgamento perante o Tribunal do Júri, sem prévia análise da força dos argumentos deduzidos no RESE. Como é sabido, muitas vezes a decisão de Pronúncia é embasada no brocardo “In Dubio Pro Societate”, ensejando risco de acusações infundadas.

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     Assim, por exemplo, o que dizer da situação na qual o Plenário é realizado, o acusado condenado (lembre-se que o júri é “performático” e a decisão dos jurados pautada na íntima convicção) e o RESE (lembre-se que o recurso é pautado em argumentos jurídicos e a decisão dos juízes baseada no convencimento motivado) interposto teria grande chance de ser provido? 

     Tal situação nos parece intolerável, especialmente porque consagra evidente insegurança jurídica.

     E, mais: se o acusado já foi submetido ao julgamento perante o Tribunal do Júri, certamente seu RESE perderá o objeto e, portanto, o contraditório, a ampla defesa e o direito fundamental ao recurso são exterminados.

     As modificações propostas pioram quando analisamos a proposta de alteração do art. 492 do Código de Processo Penal.

     Vale dizer que na atual sistemática processual o acusado pode (deve) responder ao processo-crime preso se e somente se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva. É o que impõe a Constituição ao consagrar a Presunção de Inocência e o que dizem as normas previstas no Código de Processo Penal ao prever a prisão como ultima ratio.

     Pensamos que tal direito é fundamental em uma legislação democrática.

     É dizer, a prisão pena, como medida extrema que é, só tem vez com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Já a prisão cautelar, como medida de tutela do processo, só terá espaço se presentes seus fundamentos (“Fumus Commissi Delicti” e do “Periculum Libertatis”) e as situações expressamente previstas em lei que autorizam a sua decretação. Não há e não pode haver automaticidade.

     O que a mudança traz, em resumo, é o automatismo na decretação da prisão: se o acusado for condenado será preso (em 1º grau!), independentemente de ter respondido a todo processo em liberdade e ter interposto recurso para revisão do julgamento.

     Indaga-se qual seria a razão de prender automaticamente com a condenação, se há recurso pendente de julgamento (que poderá anular o plenário, por exemplo) e, precipuamente, se não existem os fundamentos para decretação da prisão preventiva?

     Reposta pautada na Consituição Federal não há, a nosso juízo.

     É claramente a gravidade abstrata do delito imputado que permeia a política criminal escolhida no projeto.

     Trata-se de mudança divorciada dos ditames constitucionais, verdadeira ânsia punitiva, que afronta o duplo grau de jurisdição (direito a revisão) e o devido processo legal.

     Com acerto a Carta de São Paulo assevera:

a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena, após a condenação em segunda instância ou mesmo em primeiro grau, no caso do procedimento do júri. Diante do número considerável de provimento de recursos pelos Tribunais Superiores, a execução antecipada é um caminho aberto para o aumento de casos de erros do judiciário.

     Além disso, os demais parágrafos do art. 492 do PL, que em tese relativizariam a decretação de prisão, são extremamente subjetivos, dando azo ao decisionismo.

     Em suma, entendemos que o Tribunal do Júri precisa sim de modificações (“reengenharia processual”), entretanto as mudanças previstas no PL são absolutamente inconstitucionais e inconvencionais, tentando positivar retrocessos no nosso já tão inquisitório processo penal.

     Pelo visto tempos sombrios se avizinham, cabendo aos estudiosos do tema esclarecer a todos os erros e contradições de projetos populistas (expansionismo penal e processo penal do espetáculo), que não possuem nenhuma propensão de mudar o que já não é bom. “Achismos e anti-intelectualismos” não podem ter vez, é preciso reflexão, estudo e compromisso com uma mudança democrática, que respeite os direitos e garantias fundamentais.

     Que nossos representantes tenham serenidade nas discussões e escutem quem está compromissado com o estudo sério do tema. Conclamamos que honrem o juramento de respeito à Constituição Federal e votem NÃO as mudanças no Tribunal do Júri do PL 882/2019!

BIBLIOGRAFIA

• D`ANGELO, Suzi; D’ANGELO, Élcio. O advogado, o promotor e o juiz no tribunal do júri sobe a égide da lei n 11.689/08. Campo Grande, Editora Futura, 2008.

• BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 16. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

• https://oglobo.globo.com/brasil/atlas-da-violencia-2018-brasil-tem-taxa-de-homici dio-30-vezes-maior-do-que-europa-22747176

• https://www.conjur.com.br/2019-fev-14/opiniao-alteracao-regras-tribunal-juri-pac ote-anticrime

• https://www.ibccrim.org.br/docs/2019/Carta_Seminario_Recrudescimento_Puniti vo.pdf

• https://www.conjur.com.br/2014-ago-08/limite-penal-tribunal-juri-passar-reengen haria-processual

Sobre os autores
Wesley Lopes Jeronimo de Sousa

Graduando em direito na Universidade São Judas. Com especialização módulo extensão universitária em fusões e aquisições empresarial pela LSI - Londres.

Arthur Martins Andrade Cardoso

Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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