A covid-19, a realidade social e o Direito. Existe interação?

25/04/2020 às 22:55
Leia nesta página:

A realidade social e jurídica da sociedade brasileira em face dos desafios da COVID-19.

Em tempo de CORONAVÍRUS, escuto relatos: da “ressureição” de um idoso de 94 (NOVENTA E QUATRO) anos à morte de um “menino” de 23 (VINTE E TRÊS) anos de idade; dos países modelos de combate à Pandemia (Portugal e Alemanha ) ao que tem o representante recomendando beber VODKA e usar sauna no combate ao CORONAVÍRUS (Belarus ), ou seja, realidades extremas.

Com a COVID-19, o mundo não é mais o mesmo pois: os carteiros usam máscaras; surgem namoros exclusivamente virtuais entre “amantes à moda antiga”; aniversários com somente pai, mãe, filha, cachorro, bolo e WhatsApp; crianças “grandes” jogando bola , exclusivamente, na sala da residência através do X-BOX; cidades, antes barulhentas, agora silenciosas etc.

O que esses aspectos tem a ver com o título? TUDO, visto que temos determinada parcela da população que encarna o espírito do “jeitinho brasileiro” e a outra que batalha pela harmonia social e, em face da pandemia, comportamentos extremos são mais acentuados e percebidos.

Repito: o que esses aspectos têm a ver com o título? A resposta é concretizada através dos exemplos.


1. Débito alimentar

Sem criticar negativamente os Ilustres Colegas Autores, constato, sob a influência da PANDEMIA, o surgimento de bons artigos tratando da revisão da obrigação alimentar e favoráveis à não aplicação da prisão civil ou substituição desta em prisão domiciliar, conforme posicionamento recente do STJ – Superior Tribunal de Justiça.

Acredito que a situação econômica, de quase todo brasileiro, foi afetada, em face da COVID -19, pois muitos perderam e outros ganharam. Contudo, considerando o comportamento de determinados devedores que possuem lastro financeiro, certamente, constata-se que esses almejam utilizar a realidade da PANDEMIA para o descumprimento da obrigação alimentar.

Verifica-se que o STJ apresentou um posicionamento equilibrado, em face da Recomendação 62/2020 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça que assim prevê no artigo 6º:

“Art. 6o Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.”

Deve-se ponderar que é somente uma recomendação com o objetivo de diminuir os riscos da COVID-19, considerando o contexto da propagação do vírus na cidade em que fica situado o presídio.

Provavelmente, em determinados processos, os Executados “desavisados” terão a falsa certeza da isenção do pagamento do débito alimentar.

Apesar dessa situação jurídica, constata-se um efeito interessante em relação ao posicionamento do STJ que é a possibilidade do Executado, em sua residência, ter, à sua disposição, os meios para trabalhar ou prestar serviços proporcionando renda e saneando a sua obrigação, além de regularizar os pagamentos vincendos ao utilizar a internet como meio de subsistência. Portanto fica muito difícil aceitar a alegação da impossibilidade de pagar a pensão alimentícia.

O devedor, quando acredita na isenção da obrigação alimentar, está sendo "esperto"? Duvido, salientando que a medida do CNJ é temporária e não o isenta do pagamento.


2. Ação de Despejo

Tramita perante o Congresso Nacional o Projeto de Lei sob o n. 1.179/2020 , que se encontra na Câmara dos Deputados e assim prevê no seu artigo 10, em face da Emenda 88:

“Art. 10.Os locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, poderão suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020.

§ 1º Na hipótese de exercício da suspensão do pagamento de que trata o caput, os alugueres vencidos deverão ser pagos parceladamente, a partir de 30 de outubro de 2020, na data do vencimento, somando-se à prestação dos alugueres vincendos o percentual mensal de 20% dos alugueres vencidos.”

Para os que vivenciam o “jeitinho brasileiro”, alerto que o projeto, até esta data de 21 de abril de 2020, prevê a suspensão do pagamento da locação residencial, mas que, apesar do parcelamento postergado para a partir de 30 de outubro de 2020, haverá o acréscimo de 20% sobre os alugueis vencidos. Portanto, o projeto apenas adia a obrigação, com a incidência do percentual de 20% sobre o valor do aluguel não pago (artigo 10, § 1º do projeto de Lei sob o n.1.179/2020).

Será que é vantagem? Cada um “sabe” do seu potencial financeiro.


3. Mandado de Segurança e o Descumprimento de Determinação Judicial

Tramitam, perante o Poder Judiciário nacional, milhares de processos contra a União Federal, Estados, Municípios e Autoridades.

Boa parte dos processos é composta de Mandado de Segurança, pois muitas pessoas prestam o concurso público e, por motivos diversos, as Excelentíssimas Autoridades cometem ilicitudes e negam a nomeação do candidato que passou licitamente em todas as fazes do certame.

Em situações como essa, processos são distribuídos e Liminares são deferidas. Apesar da intimação do Impetrado, ora Acionado, para cumprir a Determinação do Juiz ou Desembargador ou Ministro, aquele nega o cumprimento sob a alegação dos efeitos nefastos da COVID-19 e do Decreto que o mesmo editou, ou seja, o Acionado formalizou norma para atender a sua própria vontade e descumprimento da determinação judicial.

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A Autoridade impetrada está certa? Errada, principalmente quando a Liminar é favorável ao candidato e a intimação dessa é anterior à norma que determina a suspensão da nomeação.

Nunca houve uma epidemia com tamanha consequência negativa e divergente atingido a ordem social e econômica, principalmente em relação à faixa do povo mais carente, desempregado, que não tem água encanada, formação escolar etc, ou seja, em que ocorre a maior concentração da desigualdade social agravada pela COVID-19.

Há o pensamento comum de que o coronavírus será disseminado para boa parte da população mundial, considerando as especulações de impactos de longo prazo alterando as nossas realidades em todos os seus aspectos.

Não obstante os efeitos danosos da COVID-19, não podemos aceitar a mácula ao bom Direito, em face daqueles que querem se aproveitar das brechas da lei ou de uma situação que manipula diretamente na interpretação das normas por parte dos protagonistas do Direito: Partes, Servidores Públicos, Advogados, Defensores, Promotores e Juízes.

O risco de quebra da economia brasileira é real, mas, nem por isto, devemos aceitar o vilipêndio ao bom direito, pois com este garantimos a Segurança Jurídica e o equilíbrio das relações humanas, afugentando a barbárie.

Portanto, aqueles, sem qualquer fundamento razoável, que negam o cumprimento das suas obrigações revelam uma conduta produzindo efeitos contraproducentes, que pode contribuir no surgimento de um comportamento generalizado das pessoas, instigar a desarmonia social, além de prejudicar a recuperação econômica da sociedade brasileira.

Sobre o autor
Alan Dias

Advogado. Acredito na Advocacia com o foco do Cliente, pois este é o destinatário final do Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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