Os Direitos Trabalhistas do Cyber Atleta

28/04/2020 às 22:15

Resumo:


  • O artigo discute a evolução e a legislação dos e-sports, bem como os direitos e deveres dos cyber atletas no Brasil, destacando a ausência de uma lei específica e os projetos de lei em tramitação que visam reconhecer e regular a profissão.

  • Os cyber atletas, ou pro-players, enfrentam questões trabalhistas similares às dos atletas tradicionais, como contratos de trabalho, direito de imagem e proteção de dados, além de questões específicas como a possibilidade de lesões ocupacionais devido à intensa prática de jogos eletrônicos.

  • O caso Nappon x PaiN Gaming, onde o cyber atleta buscou na justiça seus direitos trabalhistas, e a relevância do reconhecimento legal da profissão para garantir segurança jurídica e proteção aos atletas são aspectos importantes abordados no texto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Com o crescimento da Pandemia causada pelo COVID-19, o mundo molda-se e as pessoas buscam formas variadas de entretenimento. Assim, o e-sports cresce de forma gradual, fazendo-se necessário discutir os direitos dos cyber atletas.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA ACERCA DO E-SPORTS

2.1. O NASCIMENTO E CRESCIMENTO DO E-SPORTS

2.2. MERCADO DOS JOGOS DIGITAIS NO BRASIL

2.3. DA AUSÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA E OS PROJETOS DE LEI 3450/2015 E 7747/2017

2.3.1. PROJETO DE LEI 383/2017

3. DOS DIREITOS E DEVERES DOS CYBER ATLETAS

3.1.  CONCEITO DE CYBER ATLETA

3.2. CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO DESPORTIVO

3.3. DIREITO DE IMAGEM DO CYBER ATLETA

3.4 DA PROTEÇÃO DOS DADOS DO CYBER ATLETA

3.5. DAS OBRIGAÇÕES DO CYBER ATLETA

3.6. TELETRABALHO

3.7. DA POSSIBILIDADE DE DESCONTO SALARIAL EM DECORRÊNCIA DO COMETIMENTO DE INFRAÇÕES POR PARTE DO ATLETA

3.8. DO ENQUADRAMENTO DA PROFISSÃO DE CYBER ATLETA NO INSTITUTO DA MECANOGRAFIA

3.9. CASO NAPPON X PaiN

3.10. A LESÃO OCUPACIONAL DO CYBER ATLETA

3.11. DA FIGURA DO INTERMEDIÁRIO – EMPRESÁRIO – DO CYBER ATLETA

4. CONCLUSÃO

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. INTRODUÇÃO

Com o avanço tecnológico e a mudança na forma de praticar esportes, o mundo se adapta e transforma-se, fazendo com que o e-sports cresça e se torne uma esfera muito explorada e lucrativa no mundo esportivo.

Hoje, no Brasil, já existem organizações, que funcionam como clubes de futebol. Estas organizações são altamente competitivas, e criam entre si, uma rivalidade capaz de entreter milhões de espectadores no país inteiro.

A exemplo disso, podemos citar a final do Campeonato Brasileiro de League Of Legends de 2019, que reuniu cerca de nove mil pessoas e teve transmissão no canal Sportv.

Diante de tal crescimento, vieram à tona diversos questionamentos acerca dos direitos que os atletas possuem na sua relação com as organizações. Portanto, tal artigo tem o objetivo de deslindar o assunto, respondendo alguns questionamentos de forma clara e objetiva, para que interessados, dirigentes de organizações e até mesmo atletas possam ter acesso aos seus direitos.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA DO E-SPORTS

2.1. O NASCIMENTO E CRESCIMENTO DO E-SPORTS

O primeiro campeonato de e-sports foi realizado em 1972, na Universidade de Stanford. Algumas dezenas de alunos participaram da competição, disputando partidas de Spacewar.

Oito anos depois, a Atari organizou um campeonato enorme, com cerca de dez mil participantes. Posteriormente, em 1990, foi criado o Nintendo World Championships com diversas etapas pelos Estados Unidos.

A partir de 2000, os jogos eletrônicos sofreram um grande avanço. Um dos grandes motivos do crescimento foi à evolução da internet, fazendo com que pessoas do mundo todo se aproximassem. Assim, diversos campeonatos foram criados, aumentando de forma abrupta o número de jogadores e admiradores dos esportes eletrônicos.

Na última década, o crescimento do streaming causou uma explosão no número de cyber atletas. A twitch, um site voltado para transmissões ao vivo de partidas de jogos eletrônicos, no ano de 2019, gerou mais receita que o youtube, faturando US$ 1,54 bilhões.

Em 2014, o jogo League Of Legends atraiu cerca de quarenta mil pessoas no Seul World Cup Stadium, na Coreia do Sul. Seguindo esta linha de crescimento, também podemos citar que em 2016, cerca de 14,7 milhões de espectadores acompanharam a final de LoL no mundo inteiro. Contudo, o campeonato que mais atraiu espectadores aconteceu em 2017, na Polônia, onde 46 milhões de telespectadores acompanharam o Intel Extreme Masters Katowice, sendo que 173 mil pessoas assistiram a partida ao vivo na Spodek Arena.

2.2. MERCADO DOS JOGOS DIGITAIS NO BRASIL

No mundo, o mercado dos jogos digitais encontra-se muito sólido. Nos Estados Unidos as universidades já disponibilizam bolsas de estudo para os pro players, enquanto na China, existem diversos centros de desenvolvimento, que ajudam muito na garimpagem de grandes jogadores.

No Brasil, fica notório que o jogo mais explorado hoje é o League Of Legends, onde existe diversos campeonatos, entre eles o mais famoso, chamado de CBLol. 

“Funciona assim: no centro do estádio estão os jogadores e seus computadores, e do teto cai o telão que exibe a partida. Não se veem cadeiras vazias na plateia. Todos os ingressos para esse CBLoL esgotam em minutos. Há de se considerar ainda quem vê o evento de casa, no PC ou na televisão. A propósito, estima-se que 1,4 milhão de pessoas assistiram a esse embate no SporTV, em uma transmissão que foi das 12h às 18h de um sábado. Isso em dezembro de 2016. Foi a primeira vez que um canal a cabo no Brasil mostrou uma partida de League of Legends ao vivo. O time INTZ venceu e levou o prêmio de R$ 80 mil.” (Marco Aurélio Valle Barbosa dos Anjos, 2019).

Ainda, cumpre mencionar que outros jogos vêm puxando a lista de games altamente rentáveis e disputados no Brasil, entre eles, CS GO, Rainbow Six, Free Fire, Fortnite e FIFA. Desta maneira, o mercado de jogos digitais cresce de forma surpreendente, inclusive, empresários do ramo de e-sports exprimem a opinião de que hoje, o e-sports é o segundo esporte mais jogado no Brasil, atrás apenas do Futebol.

2.3. DA AUSÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA E OS PROJETOS DE LEI 3450/2015 E 7747/2017

Ainda não existe uma lei específica que trata dos direitos trabalhistas dos cyber atletas, contudo, existiam projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional.

Uma das propostas era a de adequar o atleta de esporte eletrônico ao conceito de atleta encontrado na Lei Pelé. Deste modo, o gamer teria os direitos de atleta reconhecido pela aludida lei, assemelhando-se ao modo como os jogadores de futebol são tratados.

Ressalta-se que cada esporte possui sua peculiaridade, desta forma, o uso da Lei Pelé como analogia seria complicado, de certa maneira. Cabe salientar que a CLT, nestes casos, é utilizada de forma subsidiária.

Entretanto, analisando a referida Lei, podemos observar que o cyber atleta se enquadra no inciso III do art. 3º da Lei, veja:

“III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações”.

Veja-se que tal dispositivo poderia facilmente ser aplicado aos e-atletas, visto que possui uma similaridade enorme, além do fato de que na prática, as organizações firmam contratos com os atletas, expressando cláusulas muito similares as dos contratos firmados entre clubes de futebol e seus jogadores.

Existia um projeto de Lei - 3450/2015 – que buscava adicionar o inciso V ao art. 3º da Lei Pelé. Por meio deste inciso, o desporto virtual ficaria expressamente reconhecido por Lei, desta maneira, facilitaria a busca dos direitos trabalhistas pela via judicial.

Na mesma senda, pode-se citar o PL 7747/2017, que também buscava adicionar um dispositivo no art. 3º da Lei Pelé. Contudo, tanto o 7747/2017 quanto o 3450/2015 foram rejeitados, o que dificulta o reconhecimento da profissão do cyber atleta.

2.3.1. PROJETO DE LEI 383/2017

Existe outro PL tramitando no Congresso Nacional que trata da regularização do e-sports no Brasil. A diferença deste, é que veio do Senado Federal e não da Câmara dos Deputados.

O objetivo do Projeto de Lei é, também, de reconhecer o esporte eletrônico como um esporte legítimo, que, por consequência, introduzirá o cyber atleta no rol do art. 3º da Lei 9.615/98 (Lei Pelé).

Cumpre mencionar a explicação da Ementa constante do sítio eletrônico do Senado Federal:

“Define como esporte as atividades que, fazendo uso de artefatos eletrônicos, caracteriza a competição de dois ou mais participantes, no sistema de ascenso e descenso misto de competição, com utilização do round-robin tournament systems, o knockout systems, ou outra tecnologia similar e com a mesma finalidade.”

Por fim, salienta-se que tal projeto está aguardando inclusão na ordem do dia de requerimento, e espera-se ansiosamente que os parlamentares aprovem o projeto, o que facilitaria o reconhecimento do vínculo empregatício dos atletas de jogos eletrônicos.

3. DOS DIREITOS E DEVERES DOS CYBER ATLETAS

3.1 CONCEITO DE CYBER ATLETA

Com a chegada do e-sports temos então a criação da figura do gamer profissional, o chamado cyber atleta.

Para (Ricardo Miguel, 2016), conceitua-se atleta como:

" ... que vem do grego othletes, e está relacionado aos lutadores que combatiam em jogos oficiais, portanto com o ânimo de competição. Assim, exemplificativamente, aquele que pratica corrida, inscreve-se em maratonas e outras corridas de rua, mas nada recebe por isso, ao centrário, paga a sua inscrição e todos os seus gastos. é apenas um desportista, ainda que tenha rendimento similar ao de atletas. Logo, a diferenciação do atleta do desportista é didática do ponto de vista da prática do esporte de diversas formas e incentivos por cada uma delas recebido':"

Para (Jessica Gois, 2017):

“Cyber-atleta é o termo utilizado para aqueles jogadores que decidem jogar profissionalmente, sendo contratados por um clube e recebendo uma remuneração deste. É criada uma espécie peneira que, assim como no futebol, escolhe poucos jogadores dentre os muitos que sonham em “trabalhar jogando”.

Portanto, conclui-se que o cyber atleta é aquele gamer que joga profissionalmente, com o intuito de participar de competições e promover seus jogos em plataformas de streaming, assim, auferindo renda e conseguindo patrocínios.

3.2. CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO DESPORTIVO

Embora ainda se discuta a natureza jurídica da relação entre atleta e organização, cabe demonstrar algumas peculiaridades do contrato especial de trabalho desportivo. Tal contrato está previsto na Lei 9.615/98 (Lei Pelé), mais precisamente, no art. 28 da referida lei.

O contrato especial possui tempo determinado, podendo variar entre três meses até cinco anos de duração. Entre outras peculiaridades, cita-se que no aludido contrato, estão previstos as condições de trabalho, obrigações do atleta, cláusulas penais, etc.

Em 2017, a Associação Brasileira de Clubes de Esporte Eletrônicos em parceria com a Riot Games, determinou que as organizações teriam de firmar contratos de trabalho com seus jogadores para a participação do CBLol. Contudo, tal determinação não foi completamente respeitada, pois em 2019, ainda existiam algumas equipes utilizando o contrato de prestação de serviço.

Pelos contratos de prestação de serviço, as organizações devem adotar medidas que não venham caracterizar o vínculo empregatício, como por exemplo, não adotar o sistema da gaming house, não estabelecer horários para que o atleta treine, entre outras medidas. Basicamente, os atletas firmam um contrato para participar de competições, defendendo o nome da organização, não tendo de maneira alguma rotinas de trabalho e treinos. Contudo, os gamers acabam perdendo as verbas trabalhistas decorrentes do contrato de trabalho, devendo, o atleta, pesar as vantagens e desvantagens de firmar tal contrato.

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3.3. DIREITO DE IMAGEM DO CYBER ATLETA

Em decorrência do uso da Lei Pelé como analogia, algumas organizações utilizam a imagem dos atletas para vender seus produtos e expandir sua marca.

O direito de imagem do cyber atleta deve seguir de modo geral as mesmas regras já aplicadas para os atletas dos esportes tradicionais, porém a LGPD (Lei 13.709/2018) levanta questões importantes a este respeito.

É necessário que o clube/empresa ou mantenedora do game eletrônico especifique no contrato de imagem e ou termos de uso das aplicações, a finalidade e por quanto tempo os dados do profissional serão tratados, bem como, deixe claro a finalidade do tratamento ou compartilhamento dos dados.

Para um melhor discernimento segue abaixo o artigo 9º da LGPD:

Art. 9º O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso:

I - finalidade específica do tratamento;

II - forma e duração do tratamento, observados os segredos comercial e industrial;

[...]

Assim sendo, não poderá a cessionária do direito de exploração de imagem do cyber atleta, dispor da imagem deste ad eternum, devendo formalizar no contrato o termo de início e fim do referido contrato e os objetivos do mesmo, descrevendo objetivamente como a imagem do cyber atleta vai ser usada.

Por fim, resta resguardada a moral do pro-player que deverá a todo custo dentro dos limites legais, ter a sua imagem no sentido moral protegida pela instituição que lhe contrato ou cuida de seus dados, não podendo ser exposto ao “ridículo” ou colocado em situação vexaminosa por ato dos seus contratantes. Neste sentido:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO INDEVIDO DE IMAGEM. NADADOR PROFISSIONAL. FINALIDADE COMERCIAL. PREEXISTÊNCIA DE CONTRATO PARA TAL FINALIDADE. UTILIZAÇÃO DA IMAGEM DO ATLETA EM PERÍODO POSTERIOR AO PACTUADO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONFIGURAÇÃO. COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO MATERIAL. LUCROS CESSANTES. MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. (STJ - REsp: 1323586 PB 2012/0100481-0, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 03/03/2015, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/03/2015)

 Deste modo os dispositivos 186, 187 e 927 resguardam a possibilidade ao cyber atleta de indenização pelos danos sofridos a sua imagem que venham a ocorrer quer seja pelo vazamento dos seus dados, ou pela exposição onerosamente nociva a sua honra subjetiva ou objetiva.

Ainda cabe salientar que os contratos de cessão de imagem são semelhantes aos contratos firmados entre clubes de futebol com seus atletas. Porquanto, tais contratos  não poderão ter uma remuneração acima de 40% do valor total pago ao atleta.

Tal limitação decorre de uma tentativa de proteger os direitos trabalhistas do atleta e assim evitar fraudes no que concerne ao art. 9º da CLT. O que ocorre é que alguns clubes pagam uma remuneração muito maior como direito de imagem, com o objetivo de reduzir os encargos sociais e trabalhistas.

3.4. DA PROTEÇÃO DOS DADOS DO CYBER ATLETA

Para fins de análise deste artigo, considera-se os dados pessoais do cyber atleta a serem analisados, aqueles em que comportam a sua identidade jurídica como pessoa (RG, CPF, nome, naturalidade, etc.), sendo os dados sensíveis objetivamente naturais (cor, cabelo, olhos, voz, etc.) e os demais conforme os incisos I e II do artigo 5º da Lei 13.709/2018. A referida lei a seguir denominada apenas LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) encontra-se parcialmente em vigor na data de publicação deste artigo.

O consentimento é vislumbrado como senão o fator mais importante, aquele de maior interesse pessoal do titular dos dados pessoais, uma vez, que essas informações dizem respeito sobre este. Assim sendo, é primordial que as empresas se adequem para evitar possíveis problemas.

Sobre o consentimento é o texto da Lei:

Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:

I - mediante o fornecimento de consentimento pelo titular; [...]

O doutor Bruno Ricardo Bioni, leciona da seguinte forma sobre o consentimento:

[...] uma vez informado, o cidadão pode, então, racionalizar a sua intenção em controlar seus dados pessoais. O adjetivo livre cinge-se, assim, à concepção de um ato volitivo que deve não ser fruto de coação (física ou moral), a fim de que a autodeterminação informacional seja vetorizada de forma genuína. Pense-se, por exemplo, no tratamento de dados pessoais no contexto das relações laborais em que, no mais das vezes, a situação de subordinação do empregado tende a minar a voluntariedade do consentimento, especialmente quando a não autorização em questão pode resultar em demissão. (BIONI, 2015).

O que Bruno Ricardo Bioni nos traz é justamente uma análise na relação laboral e a proteção dos dados do empregado, neste caso podendo o ser o pro-player/cyber atleta o sujeito dessa relação jurídica. Como visto acima, é salutar que a empresa cuide de providenciar o consentimento de seus funcionários, documentando o ato para evitar dúvidas na lisura do consentimento.

O cyber atleta ainda tem uma relação para com a mantenedora do game eletrônico, a qual pode vir a armazenar seus dados pessoais de toda natureza, imagem, nome, idade telefone e outros relacionados ao jogo propriamente dito, como por exemplo, os acessórios e o nickname (apelido) que o cyber atleta utiliza na referida aplicação.

3.4. DAS OBRIGAÇÕES DO CYBER ATLETA

Os pro-players que firmam contrato de trabalho com organizações, se submetem a diversas tarefas. Existe toda uma rotina para que os atletas estejam preparados para grandes campeonatos. Dentro do limite de 44/h semanais imposto pela CLT, os cyber atletas treinam, estudam a equipe adversária, participam de streaming, fazem atividades físicas e ainda passam por atendimento psicológicos, visando uma preparação de alto padrão.

É muito comum que estas organizações possuam uma gaming house, que serve como um centro de treinamento. As gaming houses são casas voltadas para a prática de esportes eletrônicos, com grandes salas cheias de computadores de alto nível, além de outros móveis que dão o maior conforto possível aos atletas. Os gamers moram na gaming house.

As casas ainda contam com funcionários dedicados a proporcionar o bem-estar dos atletas, como por exemplo, cozinheiros, psicólogos, personal trainers, entre outros. Na organização PaiN, estima-se que o gasto mensal para manter a equipe gire em torno dos R$ 180 mil reais mensais.

Outras organizações utilizam o modelo gaming office, tal modelo se assemelha a um escritório de trabalho comum. Os jogadores se dirigem a sede do clube todos os dias para treinar e se preparar para as partidas e campeonatos. O Flamengo e-sports utiliza tal modelo e, atualmente, é uma das principais equipes o Brasil.

3.5. DO TELETRABALHO

CASSAR (2014, p. 708) conceitua o Teletrabalho como “trabalho à distância, trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador”.

Basicamente, o teletrabalho consiste na prestação de serviço do empregado para o empregador, podendo, este serviço, ser prestado à distância. Para isso, utiliza-se redes de telefonia, internet e outros mecanismos informáticos.

Tal modelo de trabalho pode ser uma ótima forma de conter gastos, fazendo com que, organizações que não tenham boas condições financeiras possam treinar e buscar o alto nível, sem que precisem ter um espaço físico preparado para receber os atletas.

Portanto, o teletrabalho é um modelo usual dentro das organizações que exploram os esportes eletrônicos, devendo fiscalizar seus empregados no que concerne à jornada de trabalho efetiva, tendo em vista que, os cyber atletas podem jogar de forma recreativa em suas residências, e, posteriormente, buscar horas extras judicialmente.

3.6. DA POSSIBILIDADE DE DESCONTO SALARIAL EM DECORRÊNCIA DO COMETIMENTO DE INFRAÇÕES POR PARTE DO ATLETA

A possibilidade de desconto salarial, em decorrência do cometimento de infrações por parte do cyber atleta, advém do poder disciplinar do empregador. O poder disciplinar do empregador, basicamente, é o poder que o empregador possui de punir o empregado.

Segundo a CLT, o empregado pode ser advertido verbalmente, por escrito e suspenso, sendo que, o jogador de futebol ainda poderá ser multado, conforme expressa o art. 48, III da Lei Pelé.

Como se tenta enquadrar o cyber atleta a Lei Pelé, acreditamos que a multa contratual é justa, apesar de não haver qualquer dispositivo da Lei Pelé que permita tal desconto. Anteriormente, a multa aplicada ao atleta tinha um limite de 40% sobre o salário base percebido. Hoje, tendo como escopo a lei 12.395/2011, não há mais limite para a aplicação da multa, portanto, poderá ser de 100% do salário do atleta.

Por fim, cabe salientar que o atleta também poderá ser suspenso pela federação ou confederação, mesmo que estas não sejam suas empregadoras.

Assim, entende-se que o pro-player pode ser suspenso pela produtora dos jogos. Como por exemplo, o jogador de Lol, que comete uma conduta punível prevista no regulamento da competição, podendo ser punido pela organização do CBLol ou pela Riot Games. Deste modo, o clube pode prever uma multa contratual em decorrência das referidas punições.

3.7. DO ENQUADRAMENTO DA PROFISSÃO DE CYBER ATLETA NOS SERVIÇOS DE MECANOGRAFIA

Os serviços de mecanografia consistem no emprego de máquinas para trabalhos de escritório e afins. Por meio da súmula 346, o TST reconheceu que o digitador se equipara aos trabalhadores nos serviços de mecanografia.

Os atletas de jogos eletrônicos, a nosso ver, se equiparam a estes trabalhadores, tendo em vista que, os movimentos despendidos por eles são tão intensos quanto os de digitadores. Neste mesmo diapasão, salienta-se que os cyber atletas utilizam das mesmas ferramentas que os digitadores para executar seu trabalho, o que encurta ainda mais a relação entre as duas profissões.

Desta forma, enquadrando o cyber atleta nos serviços de mecanografia, este terá direito a um intervalo de 10 minutos a cada 90 minutos de sua jornada. Veja:

Art. 72 - Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho.

Portanto, tal ponto deve ser debatido, a fim de que se consiga chegar numa conclusão acerca dos direitos do cyber atleta, objetivando determinar sua jornada, seu intervalo, entre outros direitos previstos na CLT.

3.8. CASO NAPPON X PaiN

Um caso revolucionário entre o cyber atleta Nappon e a organização PaiN mudou o modo de enxergar a relação entre os pro-players e as organizações.

O vínculo entre as partes durou cerca de onze meses, entre Maio de 2018 e Abril de 2019. Em decorrência da inadimplência por parte da organização, o atleta rescindiu o contrato unilateralmente e buscou suas verbas trabalhistas perante a justiça do trabalho.

As partes firmaram um acordo e a PaiN teve de pagar R$ 60 mil reais referente as verbas trabalhistas. Argui-se que os jogadores têm de cumprir tarefas com subordinação, em horários determinados e recebem remuneração para tanto, portanto, restam caracterizados todos os requisitos para que seja reconhecido o vínculo empregatício.

3.9. A LESÃO OCUPACIONAL DO CYBER ATLETA

Conforme conceitua Hertz Jacinto Costa (2009, p. 72), “Doenças ocupacionais são as moléstias de evolução lenta e progressiva, originárias de causa igualmente gradativa e durável, vinculadas às condições de trabalho.”

É sabido que, os jogadores de esportes eletrônicos estão tendentes a sofrer uma doença ocupacional, tendo em vista que passam muitas horas do seu dia treinando, utilizando movimentos rápidos e contínuos.

As organizações devem agir de forma preventiva, objetivando evitar tais doenças, assim, devem fiscalizar as atividades dos atletas e submetê-los a testes periódicos, buscando checar as condições físicas dos atletas.

Pode-se citar o exemplo do jogador “tockers”, que experimentou uma tendinite quando jogava pela Red Canids e foi substituído pelo jogador Yoda.

Em casos semelhantes, faz-se necessário que a organização emita a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Tal comunicação é importante para que o INSS possa auxiliar o atleta.

3.10. DA FIGURA DO INTERMEDIÁRIO – EMPRESÁRIO – DO CYBER ATLETA

O art. 1º do regulamento de intermediários da CBF define intermediário como:

Art. 1º - Considera-se Intermediário, para fins deste Regulamento, toda pessoa física ou jurídica que atue como representante de jogadores, técnicos de futebol e/ou de clubes, seja gratuitamente, seja mediante o pagamento de remuneração, com o intuito de negociar ou renegociar a celebração, alteração ou renovação de contratos de trabalho, de formação desportiva e/ou de transferência de jogadores.

Tal figura ainda não possui popularidade no meio dos esportes eletrônicos, portanto, há de se reconhecer que com o crescimento do e-sports, torna-se inegável a necessidade de um empresário para gerir e auxiliar na gestão da carreira dos cyber atletas.

Por outro lado, é importante que os atletas e seus empresários estejam entrosados, visto que, o conflito de interesses pode gerar uma indisposição e acabar prejudicando a carreira do atleta.

Deve-se considerar que o intermediário teria uma importância enorme no ramo dos jogos eletrônicos, podendo negociar contratos, representando seus clientes e fazendo com que os pro players apenas se preocupem com sua evolução nos jogos eletrônicos.

Desta maneira, o intermediário deve ser um personagem de suma importância num futuro próximo nos jogos eletrônicos, alterando o modo como são negociados os contratos entre os cyber atletas e organizações.

4. CONCLUSÃO

Analisados todos os pontos, opiniões e casos referentes ao assunto abordado, conclui-se que embora ainda não haja previsão legal referente à profissão de cyber atleta, usa-se por analogia a Lei Pelé. Portanto, a maioria das organizações já utiliza dos contratos de trabalho desportivo, firmando juntamente com este, os contratos de cessão de imagem.

Assim, os pro-players ficam mais protegidos em suas relações com as organizações, podendo exercer sua profissão com todos os direitos trabalhistas garantidos.

Todavia, é de suma importância que se aprove o Projeto de Lei 383/2017, objetivando que se tenha uma garantia legal do que se almeja ter, bem como ter uma maior segurança jurídica.

Por fim, salienta-se a necessidade de se reconhecer alguns direitos dos pro players, visto que a profissão cresce de forma rápida, fazendo-se necessário, discutir e debater acerca do tema, com a finalidade de protegê-los juridicamente para que possam exercer sua profissão tranquilamente.

Por: Bruno Lapolli Garcia, bacharel em direito, pós-graduando em direito digital e compliance. 

Douglas Cardoso Silveira, Advogado, pós-graduando em direito do trabalho e previdenciário. 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Lucas Takashi, 2018. Disponível em https://vs.com.br/artigo/space-invaders-e-spacewar-os-primeiros-campeonatos-de-esports-do-mundo

Matheus de Lucca, 2020. Disponível em https://vs.com.br/artigo/twitch-gerou-mais-receita-que-youtube-em-2019-mesmo-com-audiencia-menor

Gabriel Oliveira, 2019. Disponível em https://www.uol.com.br/start/ultimas-noticias/2019/12/17/contratacoes-em-league-of-legends-nappon-processou-pain.htm

Daniel Cossi, 2018. Disponível em http://cbdel.com.br/portal/artigos-2/321-atleta-de-esports-relacao-de-trabalho-servicos-e-times

Nicolas Bocchi, 2018. Disponível em https://leiemcampo.com.br/contrato-de-trabalho-de-cyber-atleta/

E-sports e o direito do trabalho no brasil - Os players e seus direitos sociais, Marco Aurélio Valle Barbosa dos Anjos, 2019.

A evolução dos e-sports e a vinculação Legal do Ciberatleta, José Filho e Felipe Juang.

Considerações sobre os modelos de exploração dos esportes Profissionais aplicados ao e-sports. Tarsila Machado Alves, 2019.

Consolidação das Leis Trabalhistas.

Bruno Ricardo Bioni, 2015. GPoPAI/USP Xeque Mate - o tripé da proteção de dados pessoais no jogo de xadrez das iniciativas legislativas no Brasil.

Sobre os autores
Douglas Silveira

Advogado Trabalhista e desportivo

Bruno

Bacharel em direito e pós-graduando em direito digital e compliance

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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