Novo calote nos precatórios – Desculpa: “covid-19”

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O calote no pagamento dos precatórios, é histórico em nosso país. Desta vez, a razão para o aceleramento da PEC 95, que novamente alonga a divida, é a pandemia. É de se lamentar.

Ninguém nega a necessidade de esforço conjunto para amenizar os danos da pandemia da COVID-19, porém, o Governador de São Paulo, João Doria, foi infeliz em pedir ao Governo Federal que faça esforços para acelerar a aprovação da Emenda Constitucional que permite a prorrogação da quitação dos precatórios estaduais vencíveis em 2024.[1]A pretensão faz parte da ação conjunta dos governadores das regiões sul e sudeste, que devem enviar ao Ministério da Economiareivindicação a fim de, segundo eles, “evitar o colapso econômico dos estados".

O Brasil há tempos sofre de outra patologia grave, a desconsideração da dignidade humana dos credores de precatórios, que, em regra, esperam mais de uma década para receber aquilo que é direito judicialmente reconhecido e incontroverso. Muitos deles sequer vivem o suficiente para desfrutar dos valores devidos pelo Estado. Inúmeros morrem por falta de recursos financeiros para custear um tratamento de saúde digno. O Estado, que deveria dar o exemplo e pagar o mais breve possível suas dívidas judiciais, líquidas e certas, é quem sempre faz o oposto.

O deszelo para com o pagamento dos precatórios vem há longo tempo, tendo já sofrido duas prorrogações constitucionais de dez anos, iniciando-sepela própria Carta de 1988e, na sequência, pela Emenda Constitucional nº 30/2000. Depois a EC 62 de 2009 alongou os pagamentos por mais quinze anos. Para não perder o hábito (de mau pagador), foi editada a EC 94 de 2016, prorrogando por mais quatro anos os débitos em mora. Em 2019, iniciou-se a Proposta de Emenda Constitucional 95/2019, que alonga o pagamento dos precatórios para dezembro de 2028! O processo,já aprovado no Senado, está agora na Câmara dos Deputados.

A carta de reivindicações subscrita pelos governadores do sul e sudeste, entre os quais João Doria, pede ao Governo Federal a aceleração do trâmite daEmenda Constitucional com prorrogação do prazo final de quitação de precatórios, ou seja, que sejam feitos esforços para a rápida aprovação da PEC 95, com a “desculpa” desta vez de que a COVID-19 impõe contenção de “despesas”. Por certo, nossos governantes devem conter despesas, mas com cargos em comissão, eventos festivos, propaganda institucional, viagens, etc.

A PEC 95,por si, já é uma heresia jurídica, pois ofende os princípios da dignidade da pessoa humana, da coisa julgada, do direito adquirido, da segurança jurídica, entre outros, mas pioré ver governadores utilizarem como subterfúgio para aceleração do seu trâmite a pandemia da COVID-19. Argumento no mínimo carreirista, pois não é novidade que o Estado de São Paulodeixa há longa datade pagar corretamente seus precatórios, [2] ou seja, não é por conta da pandemia que o governo bandeirante quer moratória de débitos, mas por uma prática nefasta, oficializada por diversas emendas à Constituição Federal, que tratam o credor do Estado como “coisa”, no dizer de Immanuel Kant, ou seja, sem dignidade alguma, fazendo letra morta o artigo 1º, III da Constituição Federal.

Seria louvável (até surpreendente) postura contrária; que nossos governadores tomassem a iniciativa de liberar o mais rápido possível o pagamento dos precatórios, o que ajudaria muito os credores que estão sem trabalhar por conta do isolamento social.


[1]https://www.saopaulo.sp.gov.br/noticias-coronavirus/governadores-do-sul-e-sudeste-fazem-reivindicacoes-fiscais-e-economicas-a-uniao/. Acesso em 14/04/2020.

[2]https://portal.fazenda.sp.gov.br/acessoinformacao/Paginas/Quadro-resumo-do-estoque-de-precat%C3%B3rios-do-Estado-de-S%C3%A3o-Paulo.aspx. Acesso em 14/04/2020.

Sobre o autor
José Antônio Gomes Ignácio Júnior

Advogado; Professor de Direito (EDUVALE/Avaré); membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré - Ethos Jus; Autor de vários livros e artigos jurídicos; Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa Luiz de Camões (Portugal); Mestre em Teoria do Direito e do Estado (UNIVEM); Pós-graduado (lato sensu) em Direito Tributário (UNIVEM) e Publico (IDP); Graduado em Direito (FKB) e Administração (FCCAA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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