Um dos deveres mais comezinhos a que está submetido quem trabalha com informação é manter seu sigilo. Tanto no Direito Privado, quanto no Público, o dever de sigilo é tratado pelo legislador como objeto de especial atenção.
VIOLAÇÃO NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES PRIVADAS
Na Constituição, o dever de sigilo encontra respaldo no art. 5º, X:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
No Código Civil, o dever de preservação do sigilo encontra respaldo no artigo 229, I:
Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: (Vide Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
I - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo;
Ainda de acordo com o Código Civil, a violação pode levar ter como consequência a obrigação de reparação do dano:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Já para os CELETISTAS, aquele que viola segredo empresarial pratica falta grave, o que implica a possibilidade de DEMISSÃO por JUSTA CAUSA, na forma do artigo 482, g, CLT:
Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
...
g) violação de segredo da empresa;
A jurisprudência trata o objeto do segredo a ser preservado como “bem imaterial, incorpóreo”, veja:
JUSTA CAUSA. APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE DADOS SIGILOSOS PARA FAVORECIMENTO PRÓPRIO E DA CONCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DE SEGREDO DE EMPRESA. MAU PROCEDIMENTO CONFIGURADO. (...) In casu, ficou constatado que o autor apoderou-se de um bem incorpóreo e sigiloso da reclamada, qual seja, a lista de clientes e potenciais clientes constante do banco de dados da ré, e a utilizou com a nítida intenção de captar clientes para sua nova empregadora, caracterizando violação de segredo. Configurado, ainda, o mau procedimento, em virtude da desleal atitude do empregado, ao trair a confiança e a fidelidade necessárias na prestação de serviços em prol da reclamada. Desse modo, logrou êxito a ré em demonstrar um quadro comportamental de mau procedimento por parte do demandante, bem como a violação de segredo de empresa, e que a punição aplicada não se revelou excessivamente rigorosa. Acolhe-se, portanto, a alegação de falta grave atribuída ao demandante, sendo, pois, de rigor, o reconhecimento do despedimento motivado.
(ACÓRDÃO Nº: 20141101100 – PROCESSO Nº: 00030748620135020079 A28 – ANO: 2014 – TURMA: 4ª – DATA DE PUBLICAÇÃO: 09/01/2015 – Fonte: www.trtsp.jus.br)
Quanto aos aspectos penais ligados à violação de segredo privado, destacamos o crime previsto no artigo 195, XI, da Lei de Propriedade Imaterial (Lei 9.279/1996);
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
No âmbito profissional, várias categorias, como médicos, psicólogos e assistentes sociais, são submetidas, em muitas situações, ao dever legal de sigilo.
Como exemplo, vejam-se os ADVOGADOS, para os quais a revelação de sigilo profissional configura infração disciplinar, passível de punição com a sanção de censura (artigo 36, I, da Lei 8.906/1994).
E como fica a violação de segredo profissional pelo funcionário público (art. 327, CP)?
Para responder a essa pergunta, devemos analisar se a violação se restringe a uma falta ligada ao dever genérico de reserva e discrição ou se, mais gravemente, o funcionário violou o dever de sigilo estrito.
A reserva e discrição caracteriza-se pelo dever funcional atribuído ao funcionário público (art. 327, CP) de não divulgar as informações e rotinas de que tem conhecimento em razão do exercício do mister público (cargo, emprego ou função).
A doutrina de SANDRO DEZAN nos ensina que:
O dever de sigilo em sentido lato corresponde ao que podemos denominar de dever de discrição ou de reserva, assim considerada a necessária atuação do agente de modo a não compartilhar de forma aleatória e desmedida, para o público em geral ou para servidores desprovidos de atribuições relacionadas, os atos ou fatos da repartição em que exerce suas funções.
DEZAN, Sandro. In O SERVIDOR PÚBLICO E O DEVER DE GUARDA DE SIGILO. Disponível em https://jus.com.br/artigos/22921/o-servidor-publico-e-o-dever-de-guarda-de-sigilo, acesso em 20abr2020.
Mas há situações em que o dever de sigilo ganha um acréscimo, uma qualificação. Acontece naqueles casos em que o funcionário público (art. 327, CP) só tem acesso a determinada informação em razão de tarefas a ele atribuídas especificamente.
É o que se dá, por exemplo, com servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Judiciária, quando têm acesso a informações de autos que correm em segredo de justiça.
Exemplificativamente, destacamos aquelas hipóteses já previstas no art. 23 da Lei n.º 12.527/11, que elenca temas considerados imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, passíveis de classificações sigilosas.
Destaque-se a divulgação de informações que possam “comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações”.
Esses assuntos submetem-se à disciplina do sigilo em sentido estrito – dever de segredo (DEZAN, Sandro. Idem, ibidem).
Nessa hipótese, temos o caso de um auditor-fiscal que, no curso de uma determinada fiscalização, avisa ao responsável pela empresa sobre parâmetros de glosa usados pela Fazenda Pública. Violação do mesmo jaez seria imputável a policial que informasse a investigado sobre diligências relativas à investigação em curso.
Administrativamente, o primeiro caso (violação do dever de reserva e discrição, sigilo em sentido amplo) é punido, no âmbito federal (Lei 8.112/1990) com pena de advertência:
Art. 116. São deveres do servidor:
...
VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição;
...
Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.
O segundo caso (violação do dever de sigilo estrito), porém, é punido com pena de DEMISSÃO:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
...
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo[1];
Sobre essa segunda hipótese, convém destacar que o MPF denunciou Agente de Polícia Federal que devassou informações de investigação preliminar a investigado. Processo 0007881-07.2011.403.6181. No caso, o policial federal entregou cópia de um relatório da missão policial a uma advogada que atuava em ações possessórias na comarca de Ubatuba contra um construtor de Jacareí. Na condenação, a magistrada destacou que majoraria a pena em razão de a violação ter o objetivo de atender a “mero capricho” pessoal do acusado.
Seguindo, a par da possibilidade de punição com DEMISSÃO, faltar com o dever de sigilo estrito implica ainda a prática de improbidade administrativa pelo servidor.
Perceba que o servidor que viola sigilo funcional, no mais das vezes, falta com o dever de impessoalidade (art. 37 da Constituição), pois assim se move para satisfazer um desejo pessoal seu ou do destinatário da informação.
Fosse pouco, a par da violação genérica do dever de impessoalidade, o violador incorre na falta prevista no art. 11, III, da Lei de Improbidade Administrativa:
Lei 8.429/1991, Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
...
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
Por essa violação, o agente violador poderá ser condenado a:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
...
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Atente-se que, para o STJ, tem prevalecido a tese de que basta o dolo genérico – dano in re ipsa – para que se tenha por caracterizada a violação passível de punição por improbidade. Confira-se AgRg no AREsp 73.968-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 2/10/2012.
Por fim, no aspecto criminal, o servidor terá incorrido no crime previsto no art. 325 do CP:
Violação de sigilo funcional
Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
...
§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Da leitura do dispositivo, percebe-se que o crime previsto no caput é formal: independe de resultado naturalístico para sua consumação. Caso aconteça tal resultado, incidirá a forma qualificada prevista no § 2º do art. 325 do CP.
Um bom exemplo de resultado (prejuízo à administração) encontra-se no caso de um policial vazar a investigado diligência pendente de inquérito em curso. Imagine-se que um elemento de convicção deixe de ser coletado numa busca e apreensão ou que um interrogatório seja colhido depois de o investigado ser informado sobre diligências pendentes de inquérito com segredo de justiça decretado. Ou mesmo quando um mandado de prisão não pode ser efetivamente cumprido, devido ao fato de um policial devassar-lhe o conteúdo.
Perceba que a violação, por agente de polícia federal, por mero capricho pessoal, de diligências, já foi considerada para aplicação de majorante, na dosimetria da pena. Veja:
Os motivos do réu igualmente são valorados negativamente, uma vez que foi movido única e exclusivamente em razão de seus caprichos, agindo de forma voluntariosa. O réu não ostenta maus antecedentes. Poucos elementos foram coletados a respeito de sua conduta social. O comportamento da vítima é irrelevante na hipótese. Em sendo assim, majoro a pena-base em 2/3, fixando a em 03 anos e 04 meses de reclusão (Processo n. 0007881-07.2011.403.6181 - 24/05/2018 do TRF-3).
CONCLUSÃO
Em resumo, o sigilo é protegido nos âmbitos Privado e Público.
No âmbito privado, a violação pode acarretar consequências cíveis, implicando reparação por dano moral ou material (art. 5º, X, Constituição), bem como criminais (art. 195, XI, LPI).
Em termos laborais, a violação é passível de DEMISSÃO (art. 482, g, CLT).
No âmbito público, temos a proteção do dever de reserva e discrição (sigilo em sentido amplo) e do dever de sigilo em sentido estrito. As punições vão desde o aspecto disciplinar (punição com ADVERTÊNCIA, quando violado o dever de reserva e discrição; ou DEMISSÃO, quando violado o dever de sigilo em sentido estrito).
Ainda, violar o dever de sigilo estrito caracteriza IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, passível de punição com condenação a ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração, sem falar na proibição de contratar ou receber incentivos por 3 anos.
Por fim, vimos que, se violado o dever de sigilo em sentido estrito, o agente poderá ser punido no âmbito criminal, com penas de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave; ou de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, quando houver dano à Administração ou terceiro.
Nota
[1] Tratando-se de empregado público celetista, aplicar-se-ia o já citado art. 482, g, CLT, com a mesma consequência: pena de DEMISSÃO.