Gerenciamento de riscos à luz da Lei nº 13.979/2020: teoria e prática

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A Lei nº 13.979/2020 determina que o Gerenciamento de Riscos seja realizado durante a fase de gestão do contrato, cabendo à Administração, por meio de seus agentes, realizar atividade mental permanente para identificar, avaliar e tratar os riscos.

Resumo: A crise provocada pelo coronavírus suscitou mudanças, ainda que temporárias, significativas na forma de se realizar aquisições de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública internacional decorrente do coronavírus (art. 4º da Lei nº 13.979/2020). Enquanto a maioria dos doutrinadores se debruçam sobre a “forma” de realizar essas aquisições e sua operacionalização, aqui nos debruçamos sobre o comando incluído no art. 4º-D da Lei do Coronavírus que determina que o Gerenciamento de Riscos seja realizado durante a fase de gestão do contrato. Nosso objetivo é demonstrar que passada a celeridade necessária à contratação surge para a Administração o dever de, por intermédio de seus agentes (Gestor Contratual), realizar atividade mental permanente com vistas à materialização do mapa de riscos, o qual, no decorrer da contratação, sofrerá alterações necessárias à correta identificação, avaliação e tratamento desses riscos, por meio de ações de contingência praticadas pela gestão, fiscalização e outros atores envolvidos no processo de gerenciamento. Nesse sentido, cientes da atualidade do assunto, apresentamos contextualização teórica e prática necessária ao gerenciamento dos riscos inerentes às contratações decorrentes da Lei nº 13.979/2020 e suas recentíssimas alterações.

Palavras-chave: Crise. Coronavírus.Lei nº 13.979/2020. Gerenciamento de Riscos.


1. INTRODUÇÃO

A Lei 13.979/2020, conforme a redação dada pela Medida Provisória nº 926/2020, determina, em seu art. 4º- D que “o Gerenciamento de Riscos da contratação somente será exigível durante a gestão do contrato”, coadunando-se o propósito da norma, cujo preâmbulo descreve: “Dispõe sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”.

Verifica-se, portanto, que, com o propósito de tornar célere o procedimento de contratação direta previsto na norma, prescindiu-se da Gestão de Riscos da fase interna e da fase externa da Licitação, limitando a exigência à gestão contratual.

Mas no que consiste o Gerenciamento de Riscos?

O propósito do presente artigo é responder a tal questionamento, apresentando o conceito de risco e como ele se aplica no contexto da gestão contratual, trazendo os riscos inerentes mais relevantes e comuns aos mais diversos órgãos e entidades da Administração Pública.


2. GERENCIAMENTO DE RISCOS NA CONTRATAÇÃO

2.1. O que é Risco?

Antes de mais nada precisamos falar a respeito de risco, sobre os quais pretendemos nos debruçar para gerenciar na fase de execução contratual. E de acordo com o COSO (The Comitee of Sponsoring Organizations), entidade sem fins lucrativos formada por órgãos de todo o mundo, com o propósito de regulamentar e orientar a gestão de riscos e a governança, riscos são eventos negativos. Explicamos.

Todos as organizações possuem macro objetivos que, na sua persecução, incluem todas as suas unidades. Por sua vez, todas as áreas, individualmente consideradas, possuem objetivos que norteiam as suas atividades usualmente executadas, objetivos estes que devem estar alinhados com os objetivos organizacionais. E para cada um desses objetivos temos vários eventos futuros e incertos que podem influenciar negativa ou positivamente para a sua consecução. Aqueles eventos que influenciam negativamente no alcance desses objetivos, atrapalhando a organização no seu alcance, são os denominados riscos inerentes.

Assim, precisamos entender, num primeiro momento, que temos riscos a nível organizacional, a nível de unidade e a nível de atividade. No caso do art. 4º-D da Lei 13.979/2020, estamos falando de gestão de riscos a nível de atividade, qual seja a execução de um determinado contrato administrativo, firmado entre o Poder Público e a iniciativa privada com o propósito de fornecer determinado bem ou serviço.

A pergunta que decorre dessa compreensão é: quais os riscos inerentes à gestão contratual que precisam ser considerados pelo gestor público? E uma vez identificados, o que fazer com os riscos?

2.2. No que consiste o Gerenciamento de Risco?

Compreendendo o que é um risco inerente e que no caso estamos lidando com aqueles relacionados à Gestão Contratual, precisamos entender o que é o processo de gestão de riscos. E a palavra “processo” neste contexto é deveras relevante, pois o gerenciamento se dá através de um conjunto de atividades organizadas com o propósito de identificar os riscos e conduzi-los até um estágio onde estejam dentro de um limite aceitável, pré-definido pela organização.

A primeira das etapas do processo de gestão de riscos é o estabelecimento do contexto, onde são verificados os eventos internos e externos que podem influenciar - aqui já tratando de forma específica do art. 4º-D da Lei do Coronavírus - no alcance dos objetivos da atividade de gestão contratual. Para tanto são verificados, no ambiente externo à organização, quais as oportunidades e as ameaças que podem vir a influenciar, considerando como oportunidades os eventos positivos e ameaças os eventos negativos vindos do exterior da organização. Por sinal, a Covid-19 é o maior exemplo de uma ameaça quanto tratamos de estabelecimento do contexto, visto os efeitos negativos que vem gerando por todo o mundo em organizações públicas e privadas. No tocante ao ambiente interno, são verificadas as forças e as fraquezas, servindo estas como referência para identificação dos pontos de possíveis melhorias intraorgânicas.

Esse pano de fundo elaborado pelo estabelecimento do contexto, nos leva à etapa da identificação dos riscos. Lembre-se: para cada objetivo há uma enormidade de riscos que podem vir a impedir ou atrapalhar a sua organização. E quando estamos falando da Gestão Contratual, não será diferente. Cada um desses riscos inerentes deve ser listado em um inventário de eventos, pois na fase seguinte serão analisados e avaliados conforme a sua capacidade de influir negativamente nos objetivos ora resguardados, sendo, depois, ranqueados para o necessário tratamento. Assim, cada risco deverá ser analisado sobre dois prismas: o seu impacto sobre os objetivos e a probabilidade de sua ocorrência. A famosa “Matriz Impacto x Probabilidade” é a ferramenta que o gestor lançará mão para diferenciar os riscos que serão aceitos sem nenhum tratamento e aqueles que serão alvos de medidas mitigadoras que os transportem até um nível aceitável, mais conhecido como apetite a riscos da organização.

Perceba: os riscos não serão conduzidos a zero, mas a um nível aceitável. Isto porque o custo da medida mitigadora, neste contexto denominada de controle interno administrativo, não pode ser alto ao ponto de se tornar mais oneroso do que o benefício esperado para a atividade - neste caso, a gestão contratual. Quanto mais comum e singelo o valor do bem ou serviço contratado, menor deve ser a mobilização da Administração Pública no tocante ao Gerenciamento dos Riscos. Dessa forma, o inverso se mostra igualmente verdadeiro: quanto maior a complexidade e o valor dos bens ou serviços contratados, maior a dedicação dos gestores públicos em gerir seus riscos, haja vista o impacto destes nos objetivos.

Por fim, caberá aos gestores monitorar os controles definidos dentro do setor responsável pela gestão contratual, sempre analisando se os mesmos trazem os riscos inerentes a um nível aceitável, dentro do apetite a riscos pré-definido pela alta administração da respectiva organização. Outra análise necessária é se os riscos avaliados possuem o mesmo nível de impacto e probabilidade verificados em um primeiro momento, pois alguns dos que são gerenciados podem deixar de sê-los e outros que foram aceitos pela gestão podem se tornar alvos de tratamento caso se elevem a um nível inaceitável.

2.3. O Gerenciamento de Riscos na IN nº. 5/2017 SEGES/MPOG e IN nº. 1/2019 SGD/ME

A Instrução Normativa nº. 5/2017 da Secretaria de Gestão do extinto Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão trouxe grande avanço na compreensão do Gerenciamento de Riscos das atividades relacionadas a licitações e contratos. Em muito por abarcar todo o ciclo de vida das contratações públicas, conforme verifica-se do art. 25, I, onde resta definido que o Gerenciamento de Riscos é um processo que tem como primeira atividade a “identificação dos principais riscos que possam comprometer a efetividade do Planejamento da Contratação (fase interna da licitação), da Seleção do Fornecedor (fase externa da licitação) e da Gestão Contratual (execução contratual)”.

Versando sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, a IN nº 5/2017 materializa o processo de gestão de riscos no denominado Mapa de Riscos (art. 26) que deve ser juntado ao processo administrativo de contratação após a elaboração dos estudos técnicos preliminares, quando conterá os riscos da fase interna da licitação, após a elaboração do Termo de Referência -TR ou Projeto Básico - PB, oportunidade em que preverá os riscos da fase externa da licitação, e após a seleção do fornecedor, quando apresentará os riscos da fase de execução contratual.

Importante destacar que a IN, em seu art. 25, inciso IV, prevê também a possibilidade de elaboração ou revisão do Mapa de Riscos após eventos relevantes durante a execução contratual, previsão normativa especialmente relevante nos dias atuais, visto que serve como supedâneo para as inevitáveis e necessárias alterações decorrente da pandemia do Coronavírus.

Mas retornando aos arts. 17. e 18 da IN nº. 5/2017, notamos que os serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra devem contemplar obrigatoriamente em seu gerenciamento, o risco de descumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e com FGTS da contratada. A norma toma cuidado especial com tais riscos que considera comuns a todas as contratações dessa espécie, trazendo inclusive a indicação das medidas mitigadoras que devem ser adotadas:

Art. 18. (...) § 1º Para o tratamento dos riscos previstos no caput, poderão ser adotados os seguintes controles internos:

I - Conta-Depósito Vinculada ― bloqueada para movimentação, conforme disposto em Caderno de Logística, elaborado pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; ou

II - Pagamento pelo Fato Gerador, conforme disposto em Caderno de Logística, elaborado pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

A alternatividade apresentada no dispositivo citado é outra inovação da norma, visto que, até então, a Conta-Depósito Vinculada era a única opção para os gestores lidarem com o risco da responsabilidade subsidiária oriunda da Súmula 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho segundo a qual:

O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71. da Lei 8.666/1993).

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Cumpre observar que, por se tratar de um risco inerente à execução contratual, os riscos relacionados às obrigações trabalhistas, previdenciárias e com FGTS da contratada deveriam ser considerados para as contratações realizadas com fundamento na Lei 13.979/2020. Todavia, é extremamente incomum a prestação de serviços continuados especificamente contratados para o enfrentamento do Coronavírus, sendo habitual, na verdade, a aquisição de insumos de saúde e a realização de obras. Mas como incomum não significa impossível, resta o alerta para os gestores.

Com uma estrutura bem similar, vemos a IN nº. 1/2019 SGD/ME cujo conteúdo versa sobre o modelo de contratação de soluções de tecnologia da informação e comunicação. O art. 8º, § 1º é claro ao afirmar que o Gerenciamento de Riscos será realizado em todas as fases do processo de contratação, quais sejam o planejamento, a seleção do fornecedor e a gestão do contrato, conforme os incisos do mesmo dispositivo. Diferencia-se do primeiro normativo ao chamar o instrumento de registro e comunicação da atividade de gerenciamento de riscos de Mapa de Gerenciamento de Riscos, conforme o art. 2º, XVIII.

O art. 38. da IN nº. 1/2019 é mais completo, no entanto, ao descrever que o conteúdo do Mapa deve estar alinhado com a Política de Gestão de Riscos Institucional e deve conter, no mínimo:

I - identificação e análise dos principais riscos, consistindo na compreensão da natureza e determinação do nível de risco, mediante a combinação do impacto e de suas probabilidades, que possam comprometer a efetividade da contratação, bem como o alcance dos resultados pretendidos com a solução de TIC;

II - avaliação e seleção da resposta aos riscos em função do apetite a riscos do órgão; e

III - registro e acompanhamento das ações de tratamento dos riscos.

Conforme já mencionado, o texto normativo revela a avaliação do risco tomando por base o impacto do evento futuro e incerto nos objetivos caso venha a se concretizar, bem como sua probabilidade de ocorrência, tornando-o ainda mais explicativo e didático. De igual forma ao se referir explicitamente ao apetite a riscos organizacional como limite aceitável na definição e seleção das medidas mitigadoras (controles internos administrativos).

Mas é no § 4º do art. 38. que a IN nº. 1/2019 traz um marco temporal que deve ser destacado no Gerenciamento de Riscos da fase de execução contratual, qual seja pelo menos uma vez por ano ou após fatos relevantes da gestão do contrato, conforme incisos III e IV. Para tanto, prevê no § 3º que:

Durante a fase de Gestão do Contrato, a Equipe de Fiscalização do Contrato, sob coordenação do Gestor do Contrato, deverá proceder à atualização contínua do Mapa de Gerenciamento de Riscos, realizando as seguintes atividades:

I - reavaliação dos riscos identificados nas fases anteriores e atualização de suas respectivas ações de tratamento; e

II - identificação, análise, avaliação e tratamento de novos riscos.

Ante todo o exposto, quando tratarmos de contratações relacionadas ao enfrentamento da Covid-19 conforme o procedimento sumaríssimo da Lei 13.979/2020, verifica-se que o art. 4º-D, ao determinar que o Gerenciamento de Riscos se restringirá à execução contratual, altera a sequência de instrução processual contida nas Instruções Normativas uma vez que retira a obrigação da apresentação do Mapa de Riscos após a elaboração dos ETPs - que sequer são exigidos, conforme o art. 4º-C da Lei 13.979/2020 - e após a elaboração do TR ou PB, resumindo-se à elaboração e juntada após a seleção do fornecedor - que neste caso se dará através de contratação direta ou pregão simplificado - e tendo como escopo os riscos inerentes à execução contratual. Para tanto, deverá ser juntado Mapa de Riscos (ou Mapa de Gerenciamento de Riscos) no qual sejam levantados todos os riscos inerentes à execução contratual, inclusive aqueles considerados obrigatórios pela IN nº. 5/2017, e atualizar esse documento com o advento de fatos relevantes à gestão do contrato ou, no mínimo, em periodicidade anual.

2.4. Gestão e fiscalização - desafios ao gerenciamento dos contratos provenientes do “pregão express”

Inicialmente cumpre discorrer, em apertada síntese, como se deu o uso da expressão “pregão express”. Trata-se de novíssima denominação criada pelo ilustre professor Anderson Pedra, quando, ao tratar sobre as inovações trazidas pela Lei nº 13.979/2020, no artigo Pregão Express Versus Contratação Direta, publicado no site sollicita.com.br, assim dispôs:

Contudo, o art. 4º-G, introduzido pela MP 926/2020, trouxe a possibilidade da utilização de pregão (eletrônico ou presencial) com os prazos procedimentais reduzidos pela metade quando o “objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei”. Trata-se, na essência, de um pregão mais célere, um pregão express.

No referido artigo o professor alerta sobre os cuidados que o agente público deve ter ao optar pela contratação direta, nos termos do art. 4º da Lei nº 13.979/2020, devendo, especialmente atentar para a justificativa dos motivos que levaram a esse tipo de contratação, inclusive atentando para as seguintes possibilidades:

Entendemos que diante da necessidade de contratação de bem ou serviço comum que objetive o “enfrentamento da emergência de saúde pública” de que trata a Lei nº 13.979/2020 resta para a autoridade competente duas alternativas: a contratação direta por dispensa prevista no art. 4º ou a realização do pregão express contemplado no art. 4º-G, e as razões da escolha por uma dessas opções deverá ser trazida na motivação ótima que deverá instruir o processo administrativo.

Importante ressaltar que o pregão express é forma de aquisição decorrente de emergência relativa, de acordo com o professor Anderson, aquela em que não se pode esperar o prazo ordinário de um procedimento licitatório, mas que é possível desenvolver minimamente um rápido procedimento administrativo simplificado, por meio do qual deve-se, com o devido amparo legal, realizar pregão (eletrônico ou presencial), com prazos reduzidos pela metade e recursos somente com efeitos devolutivos, desde que o “objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata a Lei nº 13.979/2020.

Assim, embora tenhamos o pregão express, impensável imaginar uma gestão contratual express, uma vez que gerir e fiscalizar contratos envolve uma série de atividades diretamente relacionadas à execução, à coleta e ao tratamento de informações capazes de assegurar o cumprimento das cláusulas contratuais aptas a solucionar problemas que porventura surjam no decorrer da contratação. É de sentir-se que a natureza simplificada do procedimento de contratação não exerce influência sobre o dever de, por meio da gestão e da fiscalização do contrato, realizar todos os atos cabíveis, necessários e suficientes ao alcance dos resultados.

Não é impróprio afirmar que “gestão é atitude”, isso porque implica na prática de ações diretamente voltadas à boa execução contratual e aos resultados almejados pela administração. A Instrução Normativa nº 5/2017, em seu art. 39, corroborando com o este pensamento, assim denominou as atividades de gestão e fiscalização da execução contratual:

Das Atividades de Gestão e Fiscalização da Execução dos Contratos

Art. 39. As atividades de gestão e fiscalização da execução contratual são o conjunto de ações que tem por objetivo aferir o cumprimento dos resultados previstos 14 pela Administração para os serviços contratados, verificar a regularidade das obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas, bem como prestar apoio à instrução processual e o encaminhamento da documentação pertinente ao setor de contratos para a formalização dos procedimentos relativos a repactuação, alteração, reequilíbrio, prorrogação, pagamento, eventual aplicação de sanções, extinção dos contratos, dentre outras, com vista a assegurar o cumprimento das cláusulas avençadas e a solução de problemas relativos ao objeto. (Grifo nosso)

Os verbos destacados no artigo acima - aferir, verificar, prestar, assegurar - implicam acompanhamento, melhor que isso, gerenciamento criterioso daquilo que foi anteriormente adquirido pela Administração.

Gerir contratos vai além de administrar e gerenciar, trata-se de função especializada através da qual o gestor deve ultrapassar a compreensão técnica e administrativa, exercendo seu papel de forma mais criativa e habilidosa, com aptidão para comunicação, valorização e identificação de habilidades pessoais, tudo isso voltado aos objetivos da administração pública e direcionado ao atingimento precípuo do objeto contratual.

Não é tarefa fácil, por isso a sistemática da IN nº 05/2017 garantiu que a atividade de gerenciar contratos seja exercida por vários agentes, um gestor e vários fiscais, com atribuições específicas, para em conjunto atuarem em todas as vertentes da fiscalização.

Se a Lei nº 8.666/1993 não cuidou de esclarecer de forma específica as atribuições inerentes a cada uma dessas funções, restou às Instruções Normativas nº 05/2017 e nº 01/2019 delinearem cuidadosamente tais atribuições, vejamos:

Instrução Normativa SEGES/MPOG nº 5/2017

Art. 40. O conjunto de atividades de que trata o artigo anterior compete ao gestor da execução dos contratos, auxiliado pela fiscalização técnica, administrativa, setorial e pelo público usuário, conforme o caso, de acordo com as seguintes disposições:

I - Gestão da Execução do Contrato: é a coordenação das atividades relacionadas à fiscalização técnica, administrativa, setorial e pelo público usuário, bem como dos atos preparatórios à instrução processual e ao encaminhamento da documentação pertinente ao setor de contratos para formalização dos procedimentos quanto aos aspectos que envolvam a prorrogação, alteração, reequilíbrio, pagamento, eventual aplicação de sanções, extinção dos contratos, dentre outros;

II - Fiscalização Técnica: é o acompanhamento com o objetivo de avaliar a execução do objeto nos moldes contratados e, se for o caso, aferir se a quantidade, qualidade, tempo e modo da prestação dos serviços estão compatíveis com os indicadores de níveis mínimos de desempenho estipulados no ato convocatório, para efeito de pagamento conforme o resultado, podendo ser auxiliado pela fiscalização de que trata o inciso V deste artigo;

III - Fiscalização Administrativa: é o acompanhamento dos aspectos administrativos da execução dos serviços nos contratos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra quanto às obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas, bem como quanto às providências tempestivas nos casos de inadimplemento;

IV - Fiscalização Setorial: é o acompanhamento da execução do contrato nos aspectos técnicos ou administrativos, quando a prestação dos serviços ocorrer concomitantemente em setores distintos ou em unidades desconcentradas de um mesmo órgão ou entidade; e

V - Fiscalização pelo Público Usuário: é o acompanhamento da execução contratual por pesquisa de satisfação junto ao usuário, com o objetivo de aferir os resultados da prestação dos serviços, os recursos materiais e os procedimentos utilizados pela contratada, quando for o caso, ou outro fator determinante para a avaliação dos aspectos qualitativos do objeto.

Instrução Normativa nº 01/2019, de 04 de abril de 2019, SGD/ME

Art. 2º Para fins desta Instrução Normativa, considera-se:

V - Equipe de Fiscalização do Contrato: equipe responsável pela fiscalização do contrato, composta por:

a) Gestor do Contrato: servidor com atribuições gerenciais, preferencialmente da Área Requisitante da solução, designado para coordenar e comandar o processo de gestão e fiscalização da execução contratual, indicado por autoridade competente;

b) Fiscal Técnico do Contrato: servidor representante da Área de TIC, indicado pela autoridade competente dessa área para fiscalizar tecnicamente o contrato;

c) Fiscal Administrativo do Contrato: servidor representante da Área Administrativa, indicado pela autoridade competente dessa área para fiscalizar o contrato quanto aos aspectos administrativos; e

d) Fiscal Requisitante do Contrato: servidor representante da Área Requisitante da solução, indicado pela autoridade competente dessa área para fiscalizar o contrato do ponto de vista de negócio e funcional da solução de TIC;

Com isso, percebe-se que a atividade de gestão/fiscalização contratual envolve, além das habilidades de gestão já mencionadas, a atuação de forma interdisciplinar de um ou mais representantes da administração (gestores e fiscais de contrato), bem como, em algumas situações, do público usuário dos serviços/produtos adquiridos pela administração.

Os professores Jacoby Fernandes e Murilo Jacoby Fernandes, em sua obra Terceirização: Legislação, doutrina e jurisprudência, apresentam no Capítulo 11 artigo de Weberson Silva, que ao falar sobre as atividades de gerenciamento de riscos, assim se manifestou:

O gerenciamento de riscos nada mais é do que a formalização explícita dos principais motivos, e não de todos os existentes, que podem surgir e impedir que a contratação cumpra seu objetivo ao resolver a necessidade levantada no documento de formalização da demanda. (JACOBY FERNANDES, 2018,p.263 e 264).

Nítido observar, como dito anteriormente, que o legislador, ante a urgência e essencialidade das contratações necessárias ao enfrentamento da COVID-19, dispensou o gerenciamento das fases internas e externas da licitação, obrigando, no entanto, a gestão contratual a realizar o gerenciamento dos riscos durante a fase de execução contratual.

Tal situação, conduz gestão e fiscalização a um trabalho mental heróico de antecipação dos fatos e adoção de medidas necessárias à mitigação dos riscos inerentes às contratações efetivadas em caráter super emergencial, algumas, inclusive, a despeito de regularidade fiscal e de idoneidade do fornecedor.

O desafio aqui imposto diz respeito à realização de atividade prática que conduzirá, como dito inicialmente, à análise de riscos realizada sobre os prismas dos impactos e sobre os objetivos pretendidos pela administração e a probabilidade de sua ocorrência.

Entre os principais objetivos da administração encontra-se o de evitar ou mitigar a ocorrência de eventos que tenham o condão de causar danos ao recebimento e ao pagamento daquilo que foi, de maneira muito célere e sem a realização de um planejamento prévio, adquirido pela administração.

Além disso, é objetivo do Poder Público que o gerenciamento dos riscos garantam a satisfatoriedade do fornecimento do material, ou da aquisição do produto ou serviço, inclusive, cabendo à gestão e à fiscalização do contrato o dever de dar recebimento provisório e definitivo e de realizar o atesto da regularidade da prestação.

Assim, estando você na pele daqueles que recebem o mister de gerir e/ou fiscalizar contrato celebrado sem que tenha havido prévio gerenciamento dos riscos nas fases anteriores à contratação, consegue refletir sobre como será sua atuação, diante de um contrato que, inclusive, pode ter sido celebrado com empresa que não goza de regularidade fiscal ou inidônea?

Tenha em mente que, em conformidade com o comando legal imposto, compete à gestão e à fiscalização a afirmação inequívoca de que o serviço contratado ou o bem adquirido atende ou não atende aos objetivos da administração, devendo, inclusive, antes disso, demonstrar que fora realizado regular controle dos riscos inerentes à contratação.

Nos itens que seguem, veremos a aplicação na prática de algumas formas de gerenciamento, que podem ser perfeitamente aliadas a outros mecanismos de controle.

Sobre os autores
Jamil Manasfi Cruz

Administrador Público CRA-RO nº 3033, Servidor Efetivo do Quadro da Prefeitura Municipal de Porto Velho cedido para o Governo do Estado de Rondônia, Pregoeiro e Membro da Comissão Especial de Licitações de Projetos Especiais CELPE/PEDISE da Secretaria de Estado de Assuntos Estratégicos (SEAE), Professor Orientador de Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade São Lucas (MBA s), Consultor e Instrutor de Cursos de Capacitação em Licitações e Contratos e Formação de Pregoeiros do Instituto de Pesquisa de Rondônia - IPRO, criador da Fan Page O Pregoeiro.com, Mestrando em Criminologia, Bacharel em Administração Pública, Bacharel em Direito, Especialista em Metodologia do Ensino Superior e MBA em Gestão Pública e Licitações e Contratos, atualmente é Pós Graduando MBA em Gestão de Finanças, Controladoria e Auditoria pela Faculdade São Lucas e Gestão Pública Municipal pela UNIR. Atua a mais de 11 anos na Administração Pública, tendo ocupado os cargos no Governo do Estado de Rondônia de: Assessor do Gabinete do Governador, Secretário Executivo Regional de Porto Velho da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral, Assessor Especial da Secretaria de Estado da Administração, Pregoeiro e Membro da Comissão Especial de Licitação no âmbito do Programa Integrado de Desenvolvimento e Inclusão Socioeconômica do Estado de Rondônia PIDISE/RO e da Política de Cidadania Superação da Pobreza e Erradicação da Extrema Pobreza Plano FutuRO, Assessor Técnico (Elaborador de Termo de Referência e Projetos Básico) da Secretaria de Estado de Assistência Social; desempenhou na Prefeitura Municipal de Porto Velho os cargos de Agente Comunitário de Saúde, Assistente Administrativo, Cotado, Elaborador de Termo de Referência e Projetos no Fundo Municipal de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, Pregoeiro, Auxiliar, Assistente, Membro e Secretário da Comissão Permanente de Licitação Educação da Coordenadoria Municipal de Licitações da Secretaria Municipal de Administração.

Lindineide Oliveira Cardoso

Bacharel em Direito. Pós-Graduada em Direito Processual Civil, servidora de carreira do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, atualmente cedida ao Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, Chefe da Seção de Gestão de Contratos, palestrante e instrutora em Gestão e Fiscalização de Contratos Públicos.

Paulo José Ribeiro Alves

Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito Administrativo Contemporâneo, Mestrando em Ciências Jurídicas (Master of Legal Science) com concentração em Riscos e Compliance pela Ambra University (Florida/EUA), servidor de carreira do Superior Tribunal de Justiça, titular da unidade de Auditoria Operacional e de Governança do Conselho da Justiça Federal, palestrante e instrutor em Gestão Pública, Governança, Gestão de Riscos e Auditoria Governamental.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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