CONTRATO DE LOCAÇÕES EM SHOPPINGS E A PANDEMIA DO COVID-19

04/05/2020 às 22:09
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O presente artigo tem por escopo demonstrar algumas alternativas acerca da mitigação do pacta sunt servanda nos contratos de locação em shopping centers, tendo em vista a grave situação econômica mundial devido à Pandemia da COVID-19.

A atual situação de saúde pública mundial, por conta da disseminação da COVID-19, tem gerado consequências graves e devastadoras à economia mundial. E um grupo muito prejudicado foi o comércio, haja vista que muitos estabelecimentos viram sua arrecadação ser reduzida a zero, devido à necessidade de isolamento social.

Nesse segmento uma parte muito prejudicada foram os shoppings centers e seus lojistas que tiveram uma redução significativa em seu movimento, já em fevereiro de 2020, por conta da Portaria nº 188 do Ministério da Saúde, de 03 de fevereiro de 2020, que declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional devido ao aumento da contaminação por coronavírus, pois parte da população já ficou receosa em ir a locais em que tivesse aglomerações.

No Rio de Janeiro, a primeira medida restritiva concreta que afetou tal setor foi em 13 de março de 2020, por meio do Decreto 46970/20, que em seu art. 4º, II suspendeu a atividades dos cinemas. Logo após, em 17 de março de 2020, foi publicado o decreto46980/20, que desta vez suspendeu as atividades dos shopping centers. Atualmente tais medidas continuam, até 11 de maio de 2020.

Isso impactou no planejamento prévio feito em relação às necessidades dos potenciais consumidores, sua estrutura planejada e administrada centralmente e a organização das lojas, que visam à possibilidade de lucro futuro dos locatários, como resultado da convergência de estímulos artificiais criados por elementos motivadores do ambiente externo, os quais suscitam a necessidade de seus consumidores por produtos, desperta o interesse pela compra e atraem considerável fluxo de pessoas. Some-se a isso a sensação de conforto, segurança e comodidade do público.

Tudo isso se configura como obrigação de meio, com a segurança para os lojistas de que o Centro Comercial é interessado no incremento das vendas, visto que, em regra, é remunerado percentualmente.

Inegavelmente, houve (por conta da pandemia) redução de utilidade econômica do objeto da locação.

Para podermos discorrer a respeito de tais aspectos, é necessário fazer algumas considerações acerca dos contratos de locações em shoppings, que são regidos pela Lei 8.542/91, conferindo uma liberalidade as partes em pactuar as regras contratuais como melhor lhe atender, como preceitua o art. 54 da referida lei.

Em seu art. 18, a Lei 8245/91 possibilita a fixação de novo valor de aluguel bem como a inserção ou modificação de cláusula de reajuste, desde que haja acordo entre as partes. “Acordo entre as partes”, é justamente o que não tem acontecido entre lojistas e shopping centers, pois os primeiros estão sem receber quaisquer valores, porém os últimos mantêm-se irredutíveis oferecendo reduções em patamares ínfimos, o que não atende a necessidade e a realidade dos lojistas.

Uma consideração importante é que tal legislação prevê a força maior somente para resguardar os interesses do locador, mas não do locatório, o que por si só já demonstra um desequilíbrio nessa relação, como se verifica em seu art. 54º, §2, in verbis:

“Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

(…)

§ 2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas.”

Algo que temos que ressaltar é que o contrato de locação em centros comerciais trata-se de um acordo de vontades, que faz lei entre as partes, com base no princípio do pacta sunt servanda. Porém, tal princípio pode ser flexibilizado.

Assim, a questão trazida pela necessidade de isolamento por conta da COVID-19, mitiga o princípio do pacta sunt servanda, pois se trata de algo que não se podia prever no momento da celebração contratual, sendo em demasiado oneroso ao locatário e extremamente vantajoso ao locador, ora shopping center, receber pela integralidade do estipulado contratualmente.

Parece-nos que a melhor solução jurídica a se enquadrar neste caso é a Teoria da Imprevisão, insculpida nos arts. 317 e 478 do Código Civil, uma vez que a Lei 8241/95 não contempla a possibilidade de tais acontecimentos, sendo omissa em relação à força maior e outros fatos de tal dimensão.

Alie-se a isso, podermos usar por analogia, a Teoria do Fato do Príncipe que, na qualidade de ato praticado pelo Estado (daí príncipe) com o condão de modificar as condições do contrato, ao provocar prejuízo ao locatário, tem o cunho de generalidade, não obstante incidir reflexamente sobre as condições fáticas e o próprio contrato, resultando oneração excessiva ao lojista, independente da vontade desse.

Tal desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato pode impedir o locatário de adimplir definitivamente as obrigações por motivo alheio à sua vontade e previsibilidade sendo que, nessa perspectiva, por não lhe dar causa, também não pode ser por isso prejudicado.

Noutra hipótese, o ato estatal dificulta e onera o lojista quanto aos seus ganhos e ao consequente cumprimento de suas obrigações, caso em que dará azo à revisão do valor avençado para ensejar o reequilíbrio contratual.

Outro aspecto a ser observado é a boa-fé objetiva, norteadora de todas os negócios jurídicos, na forma do art. 113 do Código Civil, pois o fato de os shopping centers quererem cobrar o valor integral sem fornecer todo o aparato necessário ao funcionamento do estabelecimento, ainda que por causa alheia à sua vontade, não é aceitável.

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Nesse sentido, a Lei da Liberdade Econômica ( Lei 13874/19), trouxe algumas mudanças ao ordenamento jurídico brasileiro, alterando diversas leis, dentre elas o Código Civil, em seu art. 421 e incluindo o art. 421-A, expondo que todos os contratos civis e paritários são presumidamente simétricos (sinalagmáticos), exceto pela presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento desta presunção. Sendo a atual Pandemia causa suficiente para afastamento desta.

Ademais o Código Civil prevê também, em seus arts. 478 a 480, que nos casos em que a prestação de um contrato torna-se extremamente onerosa para uma das partes e, extremamente vantajosa para outro, será possível a resolução do contrato, podendo esta ser evitada caso a parte que tenha vantagens efetue as mudanças necessárias para trazer o equilíbrio da relação contratual. Permitindo também a parte prejudicada vir a pleitear que sua prestação seja reduzida ou alterada para que se torne mais justa.

É necessário levar-se em consideração que os shoppings centers também têm suas despesas físicas, assim como lojistas, principalmente com os funcionários. Assim, não seria equilibrado e justo a relação contratual, verificar apenas a questão dos locatários e efetuar a resolução contratual.

Desta forma, o melhor a ser feito é procurar a administradora e tentar negociar de forma administrativa, e caso este não seja possível recorrer ao Judiciário.

Nos últimos dias algumas decisões do Judiciário acerca de tais questões têm optado não pela resolução do contrato, haja vista que o ordenamento jurídico prioriza o reequilíbrio contratual, mas sim pelo deferimento em parte das tutelas antecipadas requeridas determinando uma redução dos valores devidos enquanto perdurar a Pandemia.

No Rio de Janeiro, já há decisões no sentido determinar ao locatário o pagamento de 30% (trinta por cento) dos valores do aluguel, incluindo-se o fundo de promoção e propaganda e a cota condominial.

Dessarte, cada caso concreto deverá ser analisado de forma individual para que sejam identificadas as melhores ferramentas e argumentos jurídicos para solução equitativa para ambas as partes em situações análogas.

Sobre a autora
Paloma Pires

Advogada, Pós-graduada em Direito Civil, Pós-graduada em Processo Civil, Extensão em Direito Público e Privado junto à Fesudeperj

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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