A teoria crítica do direito

Direito quase contemporâneo.

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05/05/2020 às 12:11
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[1] O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta. O autor, não é entendido, é claro, como o indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um texto, mas o autor como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações como foco de sua coerência.  (In: FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1996 p.26). Michel Foucault foi um dos maiores pensadores do século XX, encanta em sua obra por sua capacidade literária, conseguir transmitir verdadeiros conceitos com uma singularidade, sensibilidade, que ao mesmo tempo que serviam para torná-lo um grande intelectual, também serviram para sentir-se tão estigmatizado dentro de uma sociedade como a de seu tempo.

[2] Theodore Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse acreditavam que o capitalismo avançado havia conseguido conter ou liquidar as forças que causariam seu colapso. Essa teoria foi inspirada pelo pensamento marxista. Tais filósofos acreditavam que o momento revolucionário – a oportunidade de transformar o capitalismo em socialismo – havia passado. Eles diagnosticaram a ausência de uma consciência revolucionária no proletariado. Essa consciência teria sido absorvida pelo sistema capitalista. Adorno e Horkheimer argumentaram que o capitalismo tinha causado a liquidação do individualismo. O individualismo era a base da consciência crítica. Assim, ocorrera a morte da razão crítica, que fora asfixiada pelo capitalismo. Esses pensadores se mantiveram pessimistas em relação a uma mudança dessa realidade.

[3] Adorno e Horkheimer acreditavam que a indústria cultural era a arena onde as tendências críticas eram eliminadas. Esses pensadores são conhecidos por suas críticas à "indústria cultural" moderna, que manipula o público, criando a homogeneização dos comportamentos e o consumo dos meios de comunicação em massa, em vez de formar leitores críticos. Argumentavam que a indústria cultural, que produz e circula commodities culturais pelos meios de comunicação, manipula a população. A cultura popular é a razão por que as pessoas se tornam passivas. Acesso a esses prazeres “fáceis” – os prazeres do consumo da cultura popular – tornou as pessoas dóceis e satisfeitas, independentemente de quanto terrível sejam suas circunstâncias econômicas. As diferenças entre bens culturais fazem com estes aparentam ser diferentes, mas, na realidade, são variações do mesmo tema. Adorno e Horkheimer acreditavam que “a mesma coisa é oferecida a todos pela produção padronizada de bens de consumo", mas essa realidade é ocultada pela "manipulação do gosto e da aparência individualista da cultura individual”.

[4] A primeira geração da Escola de Frankfurt foi composta por pensadores como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse. A maioria dos membros dessa geração era de origem judaica. Pelo fato de o instituto ser constituído por judeus e ser marxista, a primeira geração fugiu do nazismo e estabeleceu a Escola nos Estados Unidos. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1951, o Instituto de Pesquisa Social se reestabeleceu em Frankfurt. Os membros mais conceituados da segunda geração foram Jürgen Habermas e Albrecht Wellmer.

[5] O positivismo justificou-se no século XIX, mas não se justifica mais. Tal doutrina não corresponde à totalidade do universo jurídico. Advertiu Eros Grau, nesse sentido, aduzindo que "o tempo que vivemos denuncia a tendência marcada à desestruturação do direito". O direito, em suas faces, enquanto direito formal e enquanto direito moderno, se desmancha no ar, na mesma parêmia que enunciou Zygmunt Bauman ao se referir a sociedade globalizada contemporânea. Paralelamente à demanda da sociedade por um direito que recupere os padrões éticos, e atenda a emergência de direitos alternativos é incontestável. (In: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2002).

[6] Horkheimer escreveu sobre a crise da razão. Em seu livro, “Eclipse da Razão", Horkheimer descreve as diferenças entre a razão objetiva, a razão subjetiva e a razão instrumental. A crise da razão, explorada por Horkheimer, aponta a mudança de uma razão objetiva para a razão instrumental, que se torna o critério nas questões da moralidade. A razão objetiva é o conceito concreto da razão. Trata-se de verdades universais, isto é, fatos, que ditam se uma ação é certa ou errada. É a ordem e uma força no mundo que requer uma forma específica de comportamento. É focado no fim, não no meio.

A razão subjetiva é um conceito abstrato da razão. A razão não é absoluta, e sim, condicionada por outros fatores, como, por exemplo, fatores econômicos, sociais, políticos e materiais. A razão pode ser modificada e moldada. A razão subjetiva se preocupa principalmente com os meios; ela adequa os meios para atingir os fins. Segundo Horkheimer, é o “funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento” por classificação, inferência ou dedução. A razão subjetiva é voltada à autopreservação. Nesse contexto, ser razoável significa ser adequado a um propósito em particular, ou seja, ser “bom para alguma coisa”.

[7] A teoria crítica do direito que temos atualmente surge como alternativa ao positivismo não deve se restringir a teorizar, ou simplesmente criticar o direito posto, mas deve buscar um direito que na prática corresponda ao que socialmente se almeja. Somente com a construção de uma teoria crítica do direito capaz de alterar a realidade social mediante a interação com a esfera política é possível acreditar na efetivação da dignidade da pessoa humana e de outras garantias constitucionais previstas.

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[8] No Brasil, foram pioneiros na construção da teoria crítica do direito, Roberto Lyra Filho, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Luiz Fernando Coelho e Luís Alberto Warat. Sendo relevante anotar que não exista uma teoria jurídica crítica geral e única.

 

[9] Também a teoria crítica do direito revela uma crescente insatisfação com a dogmática que se inspira na lei, pois a lei não é neutra e visa atender interesses. Nesse sentido, a crítica tem o objetivo de mostrar a necessidade de alterar a lei. Deve-se comparar os tipos penais e suas respectivas sanções, pois é inolvidável que o direito penal é o retrato de um país. E, infelizmente, nos deparamos com desvalor da vida humana nesse retrato triste.

[10] Se o direito contemporâneo é o direito do Estado, ou seja, o que o Estado sancionou ou autoriza como tal, os direitos, no plural, são arma política que serve de bandeira de luta para os partidos, os movimentos, os juristas participantes e as classes reivindicarem sua transformação. Eis o momento de se propor um saber inserido na historicidade, resultado de uma relação de conhecimento do jurista com o mundo e, voltando-se para o futuro, apto a formular conceitos teórico-práticos para mudá-lo. Um saber que, conhecendo o direito positivo, explique-o teoricamente, a sua lógica e o seu funcionamento, ao mesmo tempo em que, captando-o como resultante de relações de poder, promova e reclame a afirmação dos direitos necessários à defesa e à promoção da dignidade humana.

[11]  No direito privado geral, Direito Civil, não é possível ignorar o microssistema comercial (centrado na empresa) e o microssistema das relações de consumo (protetivo do consumidor).

 

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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