INTRODUÇÃO
François Marie Charles Fourier foi um socialista francês que começou a falar abertamente sobre as igualdades de gênero no século XIX. O feminismo tem sua origem no latim “feminina”, ou seja, mulher e tem a finalidade de buscar direitos iguais para as mulheres, utilizando-se do empoderamento feminino, que significa concede-las o poder de participação social e garatir a elas o direito de lutar pelos seus ideais. A luta feminista começou após a Revolução Francesa, onde foi escrita a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” e Olímpia de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze, foi uma importante feminista na época por criar a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, alegando que homens e mulheres deveriam possuir os mesmos direitos, apesar de não ter sido aceito o seu projeto. Em uma das passagens ela diz:
“Ó, mulheres! Mulheres, quando deixareis vós de ser cegas?” (Os Direitos da Mulher e da Cidadã, por Olímpia Gouges. Dalmo de Abreu Dallari.)
Fazendo uma exortação as mulheres da época além de mostrar uma crítica a desigualdade de gênero. No século XIX o sexo feminino ainda era taxado como “sexo frágil” e não possuiam lugar de fala na sociedade, em uma comparação com o século XXI, vemos a clara evolução dos direitos da mulher e hoje já é possível ver mulheres na liderança de empresas, por exemplo, ocupando cargos que antes eram destinados apenas aos homens, até mesmo a presidência de um País. Diante de tais mudanças, foi adotado um viés de pesquisa diferente, utilizando-se desenhos animados para mostrar, de uma maneira mais lúdica, como os avanços nos papéis das mulheres tem refletido em diversos âmbitos da sociedade.
METODOLOGIA
O presente estudo consiste em uma pesquisa descritiva, que tem como finalidade esclarecer ao máximo um assunto que já é conhecido. A opção foi analisar, com um olhar mais crítico, alguns filmes de animação da Disney que contam a história de determinadas princesas, sendo elas, respectivamente: Branca de Neve; Cinderela; Bela, do filme A Bela e A Fera; Mulan; Tiana, do filme A Princesa e O Sapo; Merida, do filme Valente; Vanellope, do filme Detona Ralph e Wi-fi Ralph; Elsa, do filme Frozen e Moana. O pensamento foi construído baseado na história destes longas, levando em consideração o ano em que foram produzidos e a foma como como estas personagens femininas são retratadas em cada filme.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS
Um ponto relevante para começar a discorrer sobre os resultados é entender o “padrão” aplicado nos desenhos da Disney até 1991, ano de produção do filme “A Bela e A Fera”. Geralmente as princesas costumavam sonhar com uma vida melhor, um príncipe encantado e seus sonhos sendo realizados, todavia, um dos primeiros pontos de divergência é: Elas não corriam atrás dos seus sonhos, como exemplo, Cinderela e Branca de Neve, ambas sonhavam com um futuro onde elas não seriam mais feitas de escravas pelas suas madastras, contudo, não passava de um sonho. Cinderela conseguiu se livrar da sua triste realidade por conta da sua fada madrinha e a Branca de Neve pela ajuda os sete anões.
Em ordem cronológica, o primeiro filme analisado foi “Branca de Neve e os sete anões”, produzido em 1937, e comportamentos machistas e patriarcais são observados neste filme. Primeiramente, a animação começa, após um breve resumo de sua história, com a personagem principal realizando atividades domésticas e com o decorrer das cenas ela passa por todos os problemas até chegar na casa dos sete anões, que ficava na floresta, lá ela novamente limpa e organiza toda a casa, mostrando que homens costumam bagunçar e mulheres sempre estarão lá para arrumar e a partir disso, essa premissa fica cada vez mais evidente, uma das razões para ela ficar hospedada com eles foi a esteriotipação da cena em que ela afirma saber lavar, passar e cozinhar e assim, em unissono, todos os anões permitem que ela fique. Outro ponto a ser abordado neste filme são as falas do Zangado, um dos anões, que por vezes repete o jargão: “Ah, mulheres...” além de uma parte onde ele afirma que Branca de Neve é uma feiticeira e logo estaria mandando em tudo, alegando que os anões estavam obedecendo a ela por estarem enfeitiçados.
13 anos depois, em 1950, foi produzido o primeiro filme da Cinderela, onde ainda não é possível observar muitas mudanças, novamente a mulher é colocada como subordinada, dona de casa e sempre tem a função de fazer todas as atividades domésticas. A primeira desconstrução que podemos ver em um filme de princesas, ocorre 41 anos após a produção da Cinderela, em 1991 com a história de Bela. Bela inicialmente não era uma princesa, mas, como suas antecessoras, sonhava em se casar e encontrar seu príncipe encantado. A primeira diferença vista no filme “A Bela e a Fera” é que a personagem principal é uma leitora assídua e gasta horas debruçada em um bom livro, porém, é julgada por isso logo no início do filme, onde na primeira música é possível ouvir várias vezes que ela era uma “garota estranha”. A grande carga machista desse filme é representada por Gaston. Ele era um jovem bonito e muito popular entre as mulheres de sua aldeia, entretanto, apenas Bela lhe enchia os olhos. Duas cenas relevantes que evidenciam claramente suas atitudes machistas são uma cena no início em que, conversando com a personagem, ele diz: “Não é direito uma mulher ler, logo começa ter ideias, a pensar”, colocando-a como alguém inferior, que não podia ter acesso a literatura para não expandir seus conhecimentos e pensamentos. A outra cena é quando ele resolve pedir a mão de Bela em casamento, prepara todo um arcenal em frente a casa da moça e bate em sua porta, logo ele começa a cantar uma música e em uma de suas frases ele diz: “[...] minha esposinha massageando meus pés” como se sua esposa devesse ser sua submissa e fazer suas vontades, além de cuidar da casa. É interessante destacar, como um dos pontos para sua desconstrução que “A Bela e A Fera” não é o clássico filme onde a princesa é salva pelo príncipe no final, muito pelo contrário, a Fera só voltaria a sua forma humana se Bela afirmasse que o amava também, então foi ela quem o salvou, evidenciando também outro padrão quebrado, ela não se apaixonou por um príncipe perfeito, bondoso e carinhoso, ela se apaixonou pelo interior dele, independente da forma de Fera que ele possuia.
Quebrando todas as imposições e padrões colocados nas animações anteriores tem-se a figura que pode ser considerada o marco da mudança desses esteriótipos, Mulan, filme produzido em 1998. Primeiramente, Mulan além de não ser princesa, não sonhava em se casar nem em ter um príncipe encantado, seu objetivo era orgulhar a sua família, porém, como todo filme acaba tendo traços machistas, Mulan começa se arrumando para encontrar uma casamenteira, arranjar um marido e assim dar orgulho a sua família, mas com a convocação do Imperador, tudo muda, essa cena é importante por duas razões, um comentário feito pelo conselheiro onde ele diz ao pai de Mulan: “Não ensinou sua filha que falar diretamente com um homem é desonra?” e a segunda razão se trata do desenvolvimento do filme. Ela decide servir ao exército no lugar do seu pai, para protegê-lo, mesmo sabendo que correria riscos de ser descoberta e morta, por serem as regras na época, ainda assim, Mulan consegue desempenhar um papel importante na guerra, contudo é descoberta após um incidente com os unos, povo que vivia em guerra com a China. Partindo para as cenas finais do filme, uma fala importante do seu guardião, Mushu, quando Mulan está tentando avisar a população que o Imperador corria perigo e ninguém a escutava é: “Esqueceu que você é mulher de novo?”, mostrando novamente que naquela sociedade as mulheres não tinham voz e nem desempenhavam um papel relevante além do dever de serem boas esposas e donas de casa.
Ainda no segundo filme de Mulan, produzido em 2004, é abordada a questão do casamento arranjado onde as filhas do Imperador aceitaram se casar em troca de uma aliança para evitar que a China fosse atacada novamente, entretanto, no fim das contas, as princesas não aceitam essa imposição e se casam com quem verdadeiramente amam. 5 anos depois, em 2009, foi apresentada a primeira princesa negra da Disney, Tiana, personagem principal do filme “A Princesa e o Sapo”. Este é um filme onde há também uma quebra de padrões, Tiana não sonhava em se casar ou ter um príncipe, ela queria ter seu restaurante, também em homenagem ao seu pai e se esforçava para realiza-lo, trabalhando em dois empregos, juntando o máximo de dinheiro que conseguia e se privando de ir a festas ou se divertir com seus amigos. Tiana conhece seu par, o príncipe Naveen, por um mal entendido e, por não ser princesa, acaba se tornando um sapo, igual a ele, o filme ainda possui, como todos os outros, indicios machistas, onde Naveen afirma por várias vezes que ele queria várias mulheres ao seu lado o servindo e uma vida boa, além de dizer que nunca precisava fazer nada em seu castelo porque sempre havia outras pessoas que fizessem por ele e pode-se subentender que eram mulheres.
E dessa forma começa certa revolução nas histórias de princesa, seguindo a linha de Tiana temos Merida, personagem do filme “Valente”, produzido em 2012. Este é um dos longas mais diferentes de todos, pois nele se inicia uma característica da nova geração de princesas, elas não ficam com um príncipe no final e não precisam de um homem para salva-las ou resolver seus problemas. Merida tem uma história completamente diferente das princesas anteriores, afinal, além de não sonhar com casamento, no final ela não se casa com ninguém. Diferente dos outros filmes também, o personagem machista desse filme não é o homem e sim uma mulher, a sua mãe, Elinor, que desde cedo impõe a Merida suas vontades e regras, dentre elas, regras que uma dama não deveria possuir armas, deveria ser sempre composta, educada e séria. Completamente contra as imposições de sua mãe, a princesa queria apenas ser livre e poder cavalgar por aí, se divertindo com seu arco e flecha. “Valente” também surpreende quando a princesa resolve participar dos jogos para competir pela sua própria mão, a fim de conseguir sua liberdade, o que lhe é concedido no final do filme. Seguindo sua linha temos Vanellope, personagem do desenho “Detona Ralph”, trata-se de uma luta constante por igualdade, a garota queria apenas poder correr junto aos outros integrantes do seu jogo, mas infelizmente não podia, pois havia sido proibida pelo Rei Doce.
Ralph a ajuda nessa caminhada, todavia, Vanellope, no fim, consegue sozinha sua liberdade para correr junto aos outros e assim descobre que é a princesa do seu jogo, “Corrida Doce”. No ano de 2018 foi lançado “Wi-fi Ralph – Quebrando a internet”, que pode ser considerado o segundo filme da saga e nele Vanellope está a procura de um volante novo para o seu carrinho, dentre todos os aspectos do filme, o mais interessante é uma cena em que aparecem as outras princesas, elas questionam quem é Vanellope e dentro das suas perguntas podemos ver um padrão de acontecimentos nas histórias, como por exemplo, se ela foi amaldiçoada, sequestrada ou escravizada que é uma situação recorrente e extremamente evidente nas outras princesas e as respostas dela para tais questionamentos são também relevantes, como nesse caso ela perguntou se as princesas gostariam que ela chamasse a polícia e sobre o “beijo de amor verdadeiro”, ela se mostra claramente enojada e longe dessa realidade. O grande ponto é a pergunta feita pela Rapunzel, ela diz: “As pessoas assumem que todos os seus problemas se resolveram porque apareceu um homem fortão?” e quando a resposta de Vanellope é positiva, elas a consideram uma princesa, deixando explícito o padrão já retratado nas animações mais antigas da Disney, que a princesa precisava de um príncipe ou um homem capacitado para tira-la da sua situação ruim.
Por fim, temos “Frozen”, lançado em 2014 e “Moana”, lançado em 2017. Os dois filmes possuem enredos parecidos, quando as duas personagens querem ser livres e seguir seus próprios desejos, sem precisar escondê-los de outras pessoas. No caso de Elsa, seus poderes que sempre foram reprimidos para não causar mal a quem estava ao seu redor e no caso de Moana, seu chamado pelo oceano que não podia ser seguido pois, para o seu pai, era perigoso para ela. Essas duas princesas mostram uma grande força no empoderamento, onde Elsa, apesar de todos os rótulos ruins que recebeu, como feiticeira, bruxa, monstro, etc, não deixou essas coisas a abalarem e nem ditarem o que ela era. A música “Livre Estou”, que acabou se tornando comum entre as pessoas, tem um valor significativo enorme para a personagem que não precisaria mais se esconder ou ser reprimida pela sociedade em que vivia e assim ela pôde mostrar, também ao público, a dimensão que seus poderes alcançavam, ela havia encontrado a sua autonomia. Moana, procurando o bem da sua aldeia, decide seguir o conselho de sua avó e ir na missão de restaurar o coração de Tefit, deusa que cria a vida, indo em busca de Maui, semideus, que duvidava do seu potencial e de inicio não quis ajuda-la, além de certos comentários machistas como: “Você fica aqui embaixo junto com o frango” alegando que Moana era covarde e o constante questionamento do motivo pelo qual o oceano havia escolhido Moana. Estas duas princesas reescreveram suas histórias, foram as verdadeiras heroínas, mostrando mais uma vez que a mulher não é o “sexo frágil” e que a princesa tem capacidade de salvar a si mesma no final.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalmente, pode-se inferir que a evolução nos desenhos da Disney é de suma importância e muito relevante para a realidade da sociedade, onde muitas meninas de várias idades podem se identificar mais facilmente com estas princesas, por se sentirem mais próximas delas com a quebra de toda utopia apresentada nos filmes anteriores, de 1991 a baixo. A correlação que é feita com contemporaneidade é que ainda há muita coisa para melhorar, ainda existem certos padrões e rótulos que precisam ser deixados de lado, comentários machistas que atualmente não possuem mais tanto efeito sobre as mulheres, mas ainda assim não deixam de ser completamente desrespeitosos e pré-históricos. Ademais, existem outras princesas que não foram citadas e podem ser abordadas em outra pesquisa, ampliando estes estudos e analisando mais minunciosamente cada detalhe evidenciado nestes longas, como por exemplo, a história da princesa Ariel, que pode ser utilizada em outro contexto ou outro tema.
REFERÊNCIAS
FEMINISMO. Educa Mais Brasil. Disponível em: < https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/historia/feminismo>. Acesso em: 10 de dez. de 2019.
MEDINA, Lucas. Charles Fourier e as mulheres. Nova cultura. 07 de mar. de 2018. Disponível em: < https://www.novacultura.info/single-post/2018/02/25/Charles-Fourier-e-as-mulheres>. Acesso em: 10 de dez. de 2019.
RODRIGUES, José Paz. Olympe de Gouges, importante feminista francesa. PGL.gal. 22 de nov. de 2017. Disponível em: < https://pgl.gal/olympe-gouges-importante-feminista-francesa/>. Acesso em: 10 de dez. de 2019.
Branca de Neve e os sete anões. Hamilton Luske. Walt Disney. 1937.
Cinderela. Mark Davis e Eric Larson. Walt Disney. 1950.
A Bela e A Fera. Kirk Wise e Gary Trousdale. Walt Disney Feature Animation. 1991.
Mulan. Tony Bancroft e Barry Cook. Disney MGM Studios. 1998.
A Princesa e O Sapo. Ron Clements e John Musker. Walt Disney Animation Studios. 2009.
Valente. Mark Andrews e Brenda Chapman. Pixar Animation Studios. 2012.
Detona Ralph. Rich Moore. Walt Disney Animation Studios. 2013.
Frozen – uma aventura congelante. Chris Buck. Walt Disney Animation Studios. 2014.
Moana: um mar de aventuras. John Musker e Ron Clements. Walt Disney Animation Studios. 2017.
Wi-fi Ralph: Quebrando a Internet. Rich Moore. Walt Disney Animation Studios. 2018.