Dispõe o artigo 1863, CC, que: “é proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo”. É chamado de testamento conjuntivo aquele feito por duas ou mais pessoas, no mesmo ato.
É simultâneo se os dois testadores fazem disposições em favor de terceiro. Se um testador favorece o outro, e vice-versa é tido como recíproco. Por fim, o testamento conjuntivo correspectivo, que não ser confundido com o recíproco; nesse caso, cada testador beneficia o outro na mesma proporção em que foi beneficiado, caso em que a interdependência, a relação causal entre as disposições, é mais intensa.
Destaca-se que essa vedação já constava no ordenamento desde o Código Civil de 1916, em seu art. 1.630. Inclusive, a maioria dos ordenamentos proíbe o testamento conjuntivo, com exceção da Alemanha, em se tratando de cônjuges[1].
Essa vedação se justifica pela própria natureza do testamento de negócio jurídico de última vontade, unilateral, unipessoal, personalíssimo, inalienável, bem como pela própria vedação ao pacto sucessório (Art. 426: Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva).
A elaboração de testamento conjuntivo fere ainda a liberdade plena de testar e revogar o testamento pelos indivíduos (Art. 1.858: O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo)[2], ao permitir que o testamento esteja atrelado a terceiro. Nesse sentido:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TESTAMENTO CONJUNTIVO. NULIDADE. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA MATERIAL. 1. O testamento é ato personalíssimo de manifestação de vontade, sendo nulo na forma conjuntiva, pois vedada, no mesmo ato, a existência de mais de um testador. 2. O procedimento de jurisdição voluntária não faz coisa julgada material devido à inexistência de lide. 3. Recurso desprovido. (TJ-DF 20160110216442 DF 0006654-72.2016.8.07.0001, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 21/09/2017, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 29/09/2017. Pág.: 541/547)
Devido ao caráter personalíssimo do testamento, vedado está o testamento conjuntivo, ou seja, ninguém poderá, juntamente com outrem, mesmo sendo marido e mulher, dispor, num só instrumento de bens (RT, 134:111). Entretanto, “nada impede que duas pessoas, em atos separados, ainda que na mesma data, perante o mesmo tabelião, façam testamentos dispondo em favor de um terceiro, ou, mesmo, em proveito recíproco”, o que ocorre com certa frequência quando os testadores são marido e mulher. Muito importante distinguir que os testamentos tenham sido feitos em atos separados, sendo determinante para validade ou nulidade do negócio.
A interpretação mais adequada, então, é de que a vedação só atinge o testamento feito por duas ou mais pessoas no mesmo instrumento, no mesmo documento, na mesma escritura, enfim, no mesmo ato. Sendo feitos testamentos - no plural, documentos distintos - em atos separados, ainda que na mesma data, no mesmo livro notarial, perante o mesmo tabelião, dispondo em favor de um terceiro ou em proveito recíproco, não representaria violação do dispositivo legal.
Nesse sentido, é a jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÃO E FAMÍLIA. AÇÃO DE NULIDADE DE TESTAMENTO CONJUNTIVO. NULIDADE NÃO VERIFICADA. TESTAMENTOS EFETUADOS EM DATAS DISTINTAS. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E IMPROVIDA. 1. Cinge-se a demanda em saber se o testamento ora vergastado é conjuntivo ou não, o qual é proibido pelo art. 1.863, CC/2002. 2. Não se trata de testamento conjuntivo, porque não realizados no mesmo instrumento, além de terem datas diversas. 3. Não há nulidade nos testamentos, tendo os testadores manifestado, de forma inequívoca, as suas intenções de beneficiar apenas os cônjuges, em detrimentos de outros. 4. A alegativa de ausência de discernimento não merece guarida, haja vista o fato da de cujus ter sido considerada, pelo DETRAN, como apta a dirigir veículo automotor alguns meses após a realização do testamento, comprovando a sua capacidade para testar, conforme se verifica na fl. 64. 5. Ademais, o médico que acompanhou o tratamento da de cujus informou que lhe deu assistência de julho de 2003 a agosto de 2004, tendo, inclusive, asseverado: "Friso que durante esse período, a Sra. Sônia Stela realizou tratamento nesse hospital, estando totalmente orientada e lúcida, portanto em plenos poderes de suas faculdades mentais". Sendo assim, não resta dúvida que a de cujus estava plenamente capaz quando o seu testamento fora elaborado. 6. Recurso conhecido e improvido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de apelação cível nº. 0027377-28.2005.8.06.0001, em que figuram as partes acima indicadas, acordam os Desembargadores da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer do recurso interposto, mas para negar-lhe provimento, em conformidade com o voto do eminente relator. Fortaleza, 24 de maio de 2017 CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Relator (TJ-CE - APL: 00273772820058060001 CE 0027377-28.2005.8.06.0001, Relator: CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 24/05/2017)
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CIVIL. TESTAMENTOS CONJUNTIVOS. REALIZAÇÃO EM ATOS DISTINTOS. CC, ART. 1.630. NÃO CONFIGURAÇÃO. I. O testamento é consubstanciado por ato personalíssimo de manifestação de vontade quanto à disponibilização do patrimônio do testador, pelo que pressupõe, para sua validade, a espontaneidade, em que titular dos bens, em solenidade cartorária, unilateral, livremente se predispõe a destiná-los a outrem, sem interferência, ao menos sob o aspecto formal, de terceiros. II. O art. 1.630 da lei substantiva civil veda o testamento conjuntivo, em que há, no mesmo ato, a participação de mais alguém além do testador, a indicar que o ato, necessariamente unilateral na sua realização, assim não o foi, pela presença direta de outro testador, a descaracterizá-lo com o vício da nulidade. III. Não se configurando, na espécie, a última hipótese, já que o testamento do de cujus, deixando suas cotas para sua ex-sócia e concubina, e o outro por ela feito, constituíram atos distintos, em que cada um compareceu individualmente para expressar seu desejo sucessório, inaplicável, à espécie, a cominação prevista no referenciado dispositivo legal, corretamente interpretado pelo Tribunal a quo. IV. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 88388 SP 1996/0009897-2, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 05/10/2000, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 27/11/2000 p. 164JBCC vol. 186 p. 415RT vol. 787 p. 189)
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RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TESTAMENTOS PUBLICOS, EM INSTRUMENTOS DISTINTOS E SUCESSIVOS, FEITOS POR MARIDO E MULHER, NA MESMA DATA, NO MESMO LOCAL E PERANTE AS MESMAS TESTEMUNHAS E TABELIAO. 2. Testadores casados pelo regime de comunhão universal de bens sem descendentes, que legaram, nos testamentos aludidos, um ao outro, a respectiva meação disponível. Cada qual, na cédula testamentaria própria, estipulou que, por falta do legatário instituído, a parte disponível se destinaria aos irmãos e sobrinhos por consanguinidade. 3. Ação declaratória de nulidade dos referidos testamentos, alegando-se infringência ao art. 1630 do código civil, que proíbe o testamento conjunto, seja simultâneo, reciproco ou correspectivo. 4. Recurso extraordinário, por negativa de vigência do art. 1630 do código civil. 5. Não ocorreu, no caso, testamento conjuntivo, "uno contextu", ou de mão comum, mas foram feitos dois testamentos em separado, relativamente aos quais o tabelião, com sua fé, certificou, sem qualquer elemento de prova em contrário, a plena capacidade dos testadores e a livre manifestação de sua vontade. 6. Não incidem na proibição do art. 1630 do código civil os testamentos de duas pessoas, feitos na mesma data, no mesmo tabelião e em termos semelhantes, deixando os bens um para o outro, pois, cada um deles, isoladamente, conserva a própria autonomia e unipessoalidade. Cada testador pode livremente modificar ou revogar o seu testamento. A eventual reciprocidade, resultante de atos distintos, unilateralmente revogáveis, não sacrifica a revogabilidade, que é da essência do testamento. Não cabe, também, falar em pacto sucessório, em se tratando de testamentos distintos. 6. Exame da doutrina e da jurisprudência sobre a compreensão do art. 1630 do código civil. Precedentes. 7. O fato de marido e mulher fazerem, cada qual, o seu testamento, na mesma data, local e perante as mesmas testemunhas e tabelião, legando um ao outro a respectiva parte disponível, não importa em se tolherem, mutuamente, a liberdade, desde que o façam em testamentos distintos. Cada um conserva a liberdade de revogar ou modificar o seu testamento. 8. No caso concreto, o acórdão, ao anular dois testamentos feitos em 1936, com atenção as formalidades da lei, fazendo incidir o art. 1630 do código civil, relativamente a hipótese não compreendida em sua proibição, negou-lhe vigência. 9. Recurso extraordinário conhecido, por negativa de vigência do art. 1630 do código civil, e provido, para julgar improcedente a ação declaratória de nulidade dos referidos testamentos. (STF - RE: 93603 GO, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 31/05/1994, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04-08-1995 PP-22643 EMENT VOL-01794-04 PP-00685)
[1] “Proíbem, também, o testamento conjuntivo os Códigos Civis da Itália (art. 589), da Espanha (art. 669), de Portugal (art. 2.181), do Japão (art. 975), da Argentina (art. 3.618), do Chile (art. 1.003), do Paraguai (art. 2.612), do Peru (art. 814), de Cuba (art. 477.2), de Québec (art. 704, al. 2) e do México (art. 1.296)”. (Código Civil comentado. Coordenadora: Regina Beatriz Tavares da Silva; São Paulo: Saraiva, 2012)
[2] “A proibição do testamento conjuntivo, em todas as suas modalidades, tem justificativa pela cláusula de quase absoluta irrevogabilidade que implicitamente o acompanha e, por conseguinte, não se concilia com a natureza dos atos de última vontade, motivo pelo qual tem sido banido na generalidade dos códigos, desde o velho direito português, como a Ord. L. 4, T. 80, que regulou a forma dos testamentos e dele não cogitou.” (disponível em http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao064/CarlosEduardo_Lenz.html; acesso em 18/11/2018)