A restrição do direito de locomoção frente à pandemia do Covid-19

07/05/2020 às 15:06
Leia nesta página:

Diante da situação atual perante ao Covid-19, há uma violação no Direito Fundamental de Locomoção?

 

O Direito de locomoção é previsto no Art. 5º, VX, da Constituição Federal, onde garante que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Assim, o mesmo é um direito fundamental e que não pode ser restringido de forma arbitrária pelo Estado. No entanto, frente a toda problemática da atual situação mundial causada pelo novo vírus denominado Covid-19 ou Corona Vírus, há uma discussão em relação a restrição do direito de ir e vir.

Ocorre que como anteriormente mencionado, como todo direito fundamental, o direito de locomoção não é absoluto e a própria Constituição Federal em outros artigos prevê a limitação desse Poder como, por exemplo, na esfera cível e penal. Na esfera penal, temos no mesmo art. 5º, LXI, o flagrante delito e na esfera tributária o artigo 150, V, da CF que limita o tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais e intermunicipais. Há ainda, os artigos 137, 138 e 139 da CF, que permite durante a decretação do Estado de Sitio a medida de obrigação de permanência em localidade determinada, por exemplo.  

Em função do exposto, tem-se a possibilidade da aplicação da restrição mediante essa situação com base no princípio da proporcionalidade. Situação que é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), importante entidade que tem como um dos papeis a regulamentação de padrões internacionais na área da saúde pública e cooperação internacional entre as nações. 

Em um de seus julgados o Ministro Gilmar Mendes explica que: “[...] o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos” (HC 82.424, j. 17.09.03).

Nesse sentido, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei 23/20 que estabelece medidas a serem adotadas pelas autoridades sanitárias do Brasil em casos de emergência na saúde provocadas pelo Covid-19. A proposta aprovada prevê fechamento de comércio, aeroportos, isolamento e restrição de entrada ou saída do país. Medidas que só podem ser determinadas com evidências científicas e com objetivo da preservação de vidas e da saúde, direitos esses que também são fundamentais.

Então, ainda que não decretado o Estado de Sítio, há autorização expressa para restrição da liberdade de locomoção, o direito de ir e vir, devendo conviver com os outros princípios Constitucionais e não podendo ser considerado absoluto. Então para se tomar qualquer medida é necessário questionar se as medidas são adequadas para o objetivo sanitário, que é a contenção do vírus e proporcionalidade disso com o direito de ir e vir.

Estudos médicos, orientações da OMS, e exemplos de vários países mostra que a diminuição de contato entre pessoas é primordial nesse momento. O isolamento e a prevenção de aglomeração nesse momento são medidas necessárias e adequadas para o combate à essa pandemia. O Supremo Tribunal Federal ainda nesse âmbito, decidiu nas ADIs 6341, 6343 e ADO 56 reconhecendo a autonomia dos municípios e governadores estaduais para decretar as medidas de contenção frente à epidemia.

O Código Penal Brasileiro por sua vez, possui pelo menos 3 artigos que punem atitudes relacionadas a disseminação do Covid-19. O artigo 267, prevê como conduta criminosa o ato de causar epidemia, disseminando agentes patogênicos e a pena prevista é de 10 a 15 anos de reclusão, caso a epidemia causada resulte em morte, a pena é aplicada em dobro. Se a pessoa causou a epidemia sem intenção (crime de culpa) a pena é mais amena, 1 a 2 anos de detenção ou 2 a 4, se houver morte. Outro crime que pode ser atribuído é o descrito no artigo 132 em que a conduta criminosa é a exposição da vida ou saúde de outra pessoa a perigo.

“O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal,Mandado de segurança n. 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16.09.1999. Publicado no Diário da Justiça de 12.05.2000)

 

À vista disso, pode-se concluir que as medidas sanitárias prevalecem sobre a liberdade de ir e vir dos cidadãos com enfoque constitucional do direito à vida e à saúde pública. E que não há violação do direito de ir e vir, há apenas uma limitação do mesmo.

 

 

 

 

Sobre a autora
Marilia F. Diniz Costa

Graduanda de Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, atualmente no 7º período; Estagiária do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás; Membra da Liga de Acessibilidade ao Direito da PUC/GO, Voluntária da ONG Ensinando Abraçar em Goiás. Aspirante Constitucionalista e Civilista. @mariliadiiniz @diario.de.umaestudante http://linkedin.com/in/marília-diniz-30ba96199

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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