Inúmeros consumidores que adquirem imóveis “na planta” acabam ficando inadimplentes ou decidem rescindir o contrato.
Estes fatos ocorrem por diversos motivos, tais como desemprego, alteração na situação financeira, desinteresse posterior pelo bem, dentre outros.
Com a crise imobiliária, o valor contratado na ocasião da compra chegou a ser maior do que o valor de mercado do imóvel no momento da entrega das chaves.
Cumpre salientar que o desfazimento do contrato por motivo justo é diverso do que ocorre quando há mera vontade de uma das partes. Esse justo motivo precisa ter amparo legal, a exemplo do desequilíbrio econômico ocorrido por fato superveniente (arts. 317 e 478 do CC e art. 6 do CDC), do implemento de uma condição resolutiva expressa (art. 474 do CC) ou do próprio inadimplemento, que é uma condição resolutiva tácita (arts. 474 e 475 do CC).
Para melhor entender o assunto, vale apresentar as seguintes definições:
Incorporação imobiliária (Lei n. 4.591/64) – é o ato jurídico por meio do qual o titular de um terreno aliena unidades do condomínio que será futuramente instituído, após o término das obras. É a denominada “venda na planta”.
Loteamento – é o parcelamento do solo para a criação de lotes servidos de infraestrutura e com acesso a novas vias de circulação. Também pode ser considerada uma espécie de “venda na planta”, pois, embora o terreno do lote já exista, o loteador ainda irá realizar as obras de infraestrutura do loteamento nos moldes do que se comprometeu no momento do registro do loteamento.
Inadimplemento absoluto – ocorre quando a prestação se torna inútil com o descumprimento da obrigação de pagar. O contrato deve ser resolvido, mas o devedor deverá indenizar os prejuízos sofridos pelo credor. Essa indenização pode ser prefixada por meio de uma cláusula penal compensatória (multa compensatória).
Inadimplemento relativo – ocorre quando a prestação atrasada ainda é útil e, nesse caso, o contrato não é rescindido. O devedor deverá pagar a prestação atrasada acrescida de encargos moratórios.
Vislumbra-se, pois, que a multa moratória só se aplica em casos de inadimplemento relativo, ao passo que multa compensatória apenas recai em casos de inadimplemento absoluto.
Em se tratando de aquisição de imóvel “na planta”, se qualquer uma das partes atrasa o cumprimento da obrigação (o comprador atrasa o pagamento das prestações ou o vendedor atrasa a entrega da obra), poderá ser aplicada a multa moratória, caso não haja a resolução do contrato (inadimplemento relativo).
De outro norte, será aplicada a multa compensatória caso o credor queira rescindir o contrato por inadimplemento absoluto, cabendo a ele definir se a prestação inadimplida é útil ou não (art. 395 do CC).
A lei em estudo trata apenas dos contratos que envolvem a venda de imóveis “na planta”, seja em regime de incorporação, seja em regime de loteamento. Portanto, contratos de venda de imóveis já construídos entre particulares não são tratados pela aludida lei.
Contudo, aos casos de venda de imóveis já construídos, pode ser aplicada a nova lei, por analogia, quando o comprador for considerado consumidor, uma vez que, onde há o mesmo fundamento, deve haver a mesma regra, conforme autoriza o art. 4 da LINDB.
Também por analogia, embora trate de contratos de compra e venda e desdobramentos (promessas e cessões), poderá a lei ser estendida a outras espécies contratuais de transferência de imóvel, a exemplo do contrato de permuta.
Assim, se o consumidor trocar seu terreno por um apartamento “na planta”, devem ser observadas as regras da nova lei.
Em se tratando de vendas entre particulares, sem relação de consumo, o regime da liberdade contratual deve seguir as regras gerais do direito civil.
Com relação à aplicabilidade, a lei em questão só poderá atingir os contratos celebrados posteriormente à sua vigência.
Outro ponto a ser considerado é com relação ao quadro-resumo, o qual deverá integrar os contratos de alienação de imóveis “na planta” e, em caso de inobservância a essa obrigação, poderá o adquirente pedir o aditamento do contrato em até 30 dias.
Caso o incorporador não satisfaça esse pedido, poderá o adquirente pedir a resolução do contrato por culpa do incorporador, nos termos do art. 35-A, § 1º da Lei n. 4.591/64 e do art. 26-A, § 1º da Lei n. 6.766/76.
Com relação à resolução unilateral imotivada, a questão deve ser analisada com base na vedação ao abuso de direito e da tutela do consumidor.
Assim, quando se trata de relação de consumo, havendo vulnerabilidade do consumidor, a resilição unilateral imotivada deve ser admitida mesmo quando o saldo devedor ainda não tiver sido integralmente pago.
Caso o contrato disponha de forma contrária, a respectiva cláusula é nula por afronta aos arts. 473 do CC e 51 do CDC.
Ademais, não há proibição expressa na nova lei quanto à resilição unilateral por parte do consumidor. A irretratabilidade do contrato significa que o consumidor não tem direito de rompê-lo por vontade própria e imotivadamente sem o pagamento das multas compensatórias e indenizatórias.
Cumpre ressaltar que o direito de arrependimento não guarda relação com a resilição unilateral, pois é apenas uma condição que autoriza o consumidor a rescindir o contrato no prazo de 7 dias, sem o pagamento de qualquer multa, desde que o contrato tenha sido celebrado em estandes de venda ou fora da sede do incorporador.
A resilição unilateral é uma hipótese de descumprimento total do contrato, enquanto que o direito de arrependimento é apenas o exercício de uma faculdade nele estabelecida.
É importante observar que a lei estabeleceu uma multa compensatória em desfavor do consumidor, no importe de 50% ou 25%, conforme haja ou não patrimônio de afetação, em caso de rompimento do contrato. Diante disso, conclui-se que há a possibilidade de rescindir imotivadamente o contrato.
Ainda com relação à resilição unilateral, não se pode invocar a teoria da imprevisão (art. 478, CC) para motivar o rompimento do contrato na hipótese de desemprego ou de doença superveniente, pois tais eventos são fatos absolutamente corriqueiros e previsíveis.
Ao adquirir um bem cujo pagamento perdure por anos, o consumidor precisa ter responsabilidade suficiente para se resguardar e enfrentar situações que podem acontecer neste meio tempo. Daí porque não poderá se valer da teoria da imprevisão tampouco da teoria do rompimento das bases objetivas em caso de desemprego ou doença.
Nestas circunstâncias, poderá o consumidor exercer o direito de resilição unilateral, mas deverá arcar com a multa compensatória.
Em síntese, a resilição unilateral continua sendo plenamente admissível de modo imotivado por parte do consumidor mediante mera notificação extrajudicial na forma do art. 473 do CC, mas terá de suportar os encargos punitivos e indenizatórios decorrentes desse ato.
Conforme já mencionado, no caso de alienação de imóvel “na planta” em regime de incorporação imobiliária, o adquirente poderá desistir do contrato imotivadamente no prazo de 7 dias mediante envio de carta registrada com aviso de recebimento, desde que o contrato tenha sido celebrado em estandes de venda ou fora da sede do incorporador (arts. 67-A, §§ 10 e 11 da Lei n 4.591/64).
Entretanto, como não há previsão neste sentido para a alienação de lotes, o direito de arrependimento deve ser estendido para esses casos por analogia, pois, à semelhança do que sucede na incorporação imobiliária, o loteamento envolve o dever do loteador de realizar obras futuras, com aplicação de punições severas na hipótese de inadimplemento.
Se a alienação do imóvel for realizada na sede do incorporador, não há que se falar em direito de arrependimento.
Caso seja nítida a atitude do incorporador de atrair o consumidor para assinar o contrato na sua sede para evitar o exercício do direito de arrependimento, a situação poderá ser analisada em juízo.
De acordo com o art. 67-A, § 2º, III da Lei n. 4.591/64, caso o contrato venha a ser desfeito após a entrega das chaves, o consumidor deverá pagar um valor referente à fruição do imóvel correspondente ao percentual de 0,5% do valor atualizado do bem, o qual se aproximaria da média do valor do aluguel do imóvel.
Esse valor é devido independentemente de ter ocorrido culpa do alienante no desfazimento do contrato, objetivando a vedação do enriquecimento sem causa.
Da mesma forma, ainda que a lei nada estabeleça a respeito, no caso de ruptura do contrato, a vedação ao enriquecimento sem causa também impede que o alienante se enriqueça sem justa causa com a fruição do dinheiro até então pago pelo adquirente.
Assim, o vendedor deverá pagar o valor relativo à fruição da contraprestação recebida (a importância até então paga pelo comprador), no percentual de 0,5% a.m. a ser calculado sobre cada prestação financeira paga a partir da data do desembolso, por analogia ao § 2º do art. 67-A da Lei n. 4.591/64.
Em se tratando de loteamento, o valor de fruição é de 0,75% sobre o valor atualizado do contrato, superior, pois, ao valor referente à incorporação (art. 32-A, I, Lei n. 6.766/76).
Caso a rescisão do contrato ocorra por culpa do adquirente, o incorporador deverá restituir o valor pago após a dedução dos valores previstos no art. 67-A da Lei n. 4.591/64, a exemplo da multa compensatória, do valor de fruição do imóvel, das cotas condominiais não pagas, dentre outros.
Há, contudo, uma limitação prevista no § 4º do art. 67-A, no percentual de 100% do valor pago pelo adquirente. Neste teto não são considerados os valores de fruição do imóvel, os quais deverão ser integralmente suportados pelo consumidor.
Em suma, o adquirente poderá perder tudo o que pagou e, ainda, ficará devendo os valores relativos à fruição do imóvel.