Lei 13.655 de 2018 – Alteração da aplicação do Art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA)

08/05/2020 às 13:48
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As alterações contidas no Lei 13.655/18 altera de maneira profunda a caracterização da modalidade culposa em crimes de improbidade.

Há anos o Superior Tribunal de Justiça vêm solidificando o entendimento de que, para a configuração do art. 10 da LIA, a conduta do agente deve ser munida de culpa grave, não qualquer culpa, mas de ato ou omissão com culpa extrema.

De maneira a pacificar este entendimento, no ano de 2018 foi promulgada a Lei nº 13.655 com alterações importantes na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) afetando o art. 10 da LIA.

Como exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no ano de 2010, possuía em seu Enunciado nº 10 o seguinte entendimento sobre o art. 10 da LIA:

“Faz-se necessária a comprovação do elemento subjetivo de conduta do agente para que se repute seu ato como de improbidade administrativa (dolo, nos casos dos arts. 11 e 9º e, ao menos, culpa nos casos do art. 10 da Lei nº 8.429/1992)”.

Com a promulgação da Lei. Nº 13.655/2018, seu art. 28 passou a declarar expressamente que o agente público somente responderá pessoalmente por seus atos e opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro, vejamos:

art. 28. “O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

Tal dispositivo foi regulado ainda pelo Decreto Lei nº 9.830/2019, que em seu art. 12 especifica as limitações e conceitos claramente, alterando o entendimento do art. 10 da LIA e sua aplicação nos casos em concreto:

Art. 12. O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções.

§ 1º Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

§ 2º Não será configurado dolo ou erro grosseiro do agente público se não restar comprovada, nos autos do processo de responsabilização, situação ou circunstância fática capaz de caracterizar o dolo ou o erro grosseiro.

§ 3º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização, exceto se comprovado o dolo ou o erro grosseiro do agente público.

§ 4º A complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público serão consideradas em eventual responsabilização do agente público.

§ 5º O montante do dano ao erário, ainda que expressivo, não poderá, por si só, ser elemento para caracterizar o erro grosseiro ou o dolo.

§ 6º A responsabilização pela opinião técnica não se estende de forma automática ao decisor que a adotou como fundamento de decidir e somente se configurará se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica ou se houver conluio entre os agentes.

§ 7º No exercício do poder hierárquico, só responderá por culpa in vigilando aquele cuja omissão caracterizar erro grosseiro ou dolo.

§ 8º O disposto neste artigo não exime o agente público de atuar de forma diligente e eficiente no cumprimento dos seus deveres constitucionais e legais.

Tal posicionamento da nova legislação causou imediata alteração no entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, utilizado como exemplo, que alterou o contido em seu Enunciado nº 10, conforme transcrevemos:

“O artigo 10 da Lei 8.429/1992 foi alterado pela Lei 13.655/2018, não mais sendo admitida a caracterização de ato de improbidade administrativa que cause lesão ao erário na modalidade culposa”.

Resta claro que o TJPR foi além, uma vez que trata a alteração como excludente do crime de improbidade administrativa na modalidade culposa, entendimento este que particularmente pactuamos, uma vez que julgar igualmente um agente que age com dolo daquele que age meramente por um erro é contrário a um dos pilares do direito, o de julgar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual na medida de suas desigualdades.

Entretanto, mais plausível apenas que as alterações provocadas pelo art. 28 da LINDB apenas consolidou, legislativamente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Parece-nos um contrassenso cogitar que alguém possa ser ímprobo (desonesto, corrupto) sem intenção de ser. O dolo deveria mesmo ser elemento indispensável para a configuração de qualquer tipo de improbidade, porque sem ele, o que se tem é mera ilegalidade. E vale dizer que a ilegalidade também permitiria a reparação de eventuais danos ao Erário por incidência do Código Civil, não havendo qualquer prejuízo ao patrimônio público em se afastar do campo da improbidade os atos culposos. Com isto se evitariam gravíssimas e desproporcionais sanções à agente que apenas cometeu um erro sem visar dano ao erário.

Ora, o art. 28 da LINDB constitui espécie de cláusula geral do erro administrativo, que possui como objeto o oferecimento de segurança jurídica ao agente público com boas motivações, mas falível como qualquer pessoa, criando incentivo institucional necessário à promoção da inovação na gestão administrativa, de maneira a possibilitar melhores resultados.

Resta claro que a responsabilização do agente público nos casos de dolo e erro grosseiro (art. 9º e 11º e 10º da LIA respectivamente) tem efeito de reprimir e desestimular a corrupção, entretanto, admite o erro do administrador, salvo erro grosseiro, que busca inovar a administração pública, onde a ocorrência de equívocos logicamente irá ocorrer, de maneira a viabilizar soluções inovadoras e impedir que as carreiras públicas se tornem engessadas ao ponto de impedir melhorias na administração pública.

Houve nova alteração do Enunciado nº 10 do TJPR, se adequando ao posicionamento adotado pelo STJ, possuindo atualmente a seguinte redação:

“O artigo 10 da Lei nº 8.429/92 deve ser interpretado à luz do artigo 28 da LINDB (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro), com as alterações feitas pela Lei nº 13.655/18, não mais sendo admitida a caracterização de ato de improbidade administrativa que cause lesão ao erário quando o agente atua com culpa simples ou leve; apenas mediante dolo ou erro grosseiro, equivalente este à culpa grave nos termos do Decreto nº 9.380/19”.

Fato é que o entendimento inovador do TJPR já ecoa no STJ, em julgado de junho de 2019, embora sem mencionar as alterações da LINDB, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho reafirmou seu entendimento de que “toda e qualquer conduta, no afã de ser encapsulada como ímproba, exige, como elementar o apontamento de prática dolosa, maleficente e especificamente dirigida ao enriquecimento ilícito, ao dano aos cofres públicos e à lesão da principiologia administrativa, não havendo falar-se em improbidade culposa.

A nova lei, embora não ponha fim a essa controvérsia por ser norma geral de direito, passa a limitar a responsabilização por improbidade culposa, que somente será possível em situações de erro grosseiro (culpa grave). A inovação, portanto, atribui maior dever de motivação ao magistrado na análise da culpa, não bastando a afirmação genérica de ato culposo. Doravante cabe aos magistrados a análise de forma criteriosa dos tradicionais três graus de intensidade de culpa: grave, leve e levíssima. Sendo que na culpa grave ou erro grosseiro, o agente comporta-se como se desejasse alcançar o dano.

E neste sentido a jurisprudência de diversos Tribunais nacionais:

STJ

Processo REsp 1816332/PA

Recurso Especial 2019/0153590-6

Relator Ministro Herman Benjamin

Órgão Julgador T2 – segunda Turma

Data do Julgamento 20/08/2019

Data da Publicação 13/09/2019

Em face dessa situação, não se deve admitir que a conduta apenas culposa renda ensejo à responsabilização do Servidor ou Administrador por improbidade administrativa; com efeito, a negligência, a imprudência ou a imperícia, embora possam ser consideradas condutas irregulares e, portanto, passíveis de sanção, não são suficientes para ensejar a punição por improbidade administrativa. O elemento culpabilidade, no interior do ato de improbidade, se apurará sempre a título de dolo, embora o art. 10 da Lei 8.429/1992 aluda efetivamente à sua ocorrência de forma culposa; parece certo  que tal alusão tendeu apenas a fechar por completo a sancionabilidade  das  ações  ímprobas  dos agentes públicos, mas se mostra mesmo impossível, qualquer das condutas descritas nesse item normativo, na qual não esteja presente o dolo".

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TJPR

Processo 1707050-3 (Acórdão)

Segredo de Justiça – Não

Relator Juiz Luciano Campos de Albuquerque

Órgão Julgador 5ª Câmara de Direito Cível

Comarca Região Metropolitana de Maringá – Foro Central de Maringá

Data de Julgamento 04/02/2020

Data de Publicação 11/02/2020

2. ...A fim de enquadramento das condutas como atos ímprobos e a consequente aplicação das sanções dispostas na Lei de Improbidade Administrativa é imprescindível a presença do elemento subjetivo do tipo, ou seja, quando estiver presente e comprovada nos autos a “ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente”, conforme muito bem ressaltou o Excelentíssimo Ministro Teori Albino Zavascki quando do julgamento do Recurso Especial n. 827455/SP. Acrescente-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, a existência de meras irregularidades administrativas não são aptas a ensejar a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992. A razão para tanto é que “a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé; e por isso, necessário o dolo genérico na conduta do agente” (REsp 1512047/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 30/06/2015) (AgInt no REsp 1470080/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 26/06/2018) 3. Enunciado nº 10 das 4ª e 5ª Câmaras Cíveis deste Tribunal: “O artigo 10 da Lei nº 8.429/92 deve ser interpretado à luz do artigo 28 da LINDB (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro), com as alterações feitas pela Lei nº 13.655/18, não mais sendo admitida a caracterização de ato de improbidade administrativa que cause lesão ao erário quando o agente atua com culpa simples ou leve; apenas mediante dolo ou erro grosseiro, equivalente este à culpa grave nos termos do Decreto nº 9.380/19”

TJSC

Núm.:70082766841

Tipo de processo: Apelação Cível

Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Classe CNJ: Apelação

Relator: Miguel Ângelo da Silva

Órgão Julgador: Vigésima Segunda Câmara Cível

Comarca de Origem: PLANALTO

Seção: CIVEL

Assunto CNJ: Improbidade Administrativa

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDUTAS IMPUTADAS AO EX-PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PLANALTO. RECURSOS DO FUNDO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (FUMDICA) UTILIZADOS PARA O PAGAMENTO DE DESPESAS DA PREFEITURA (ÁGUA, LUZ, TELEFONE) E PRONTAMENTE DEVOLVIDOS AO REFERIDO FUNDO, COM O ACRÉSCIMO DE JUROS. ART. 10 DA LIA. POSSIBILIDADE DE TIPIFICAÇÃO NA FORMA CULPOSA. EXIGÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO E DOLO OU CULPA GRAVE. PRESSUPOSTOS INDEMONSTRADOS. É certo que os atos de improbidade tipificados no art. 10 admitem a forma culposa. Entretanto, não é qualquer culpa que enseja a punição pelo art. 12 da LIA, mas tão somente a culpa qualificada, isto é, a culpa grave. No caso, a prova dos autos não evidencia, na conduta imputada ao ex-Prefeito Municipal, a culpa grave necessária à configuração do ato ímprobo. Art. 11 DA LIA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO OU DESONESTIDADE NA CONDUTA DO AGENTE PÚBLICO, INSUSCETÍVEL DE CARACTERIZAR ATO ÍMPROBO. “É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que à improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (“ut” trecho da ementa do Acórdão da AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011). 

TJMG

Processo Apelação Cível 1.0487.14.002383-8/001

0023838-41.2014.8.13.0487

Relator Des.(a) Ana Paula Caixeta

Órgão Julgador 4ª Câmara Cível

Súmula: REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, NO MÉRITO

Comarca de Origem Pedra Azul

Data de Julgamento 13/02/2020

Data de Publicação 18/02/2020

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - USO DE RETROESCAVADEIRA DO MUNICÍPIO POR PARTICULAR - ILEGALIDADE CONSTATADA - SITUAÇÃO CORRIQUEIRA - AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO - CONDENAÇÃO AFASTADA.
- Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres dos entes públicos, sendo necessária, ainda, a presença do elemento subjetivo, consistente no dolo, para os atos tipificados nos arts. 9 e 11 da LIA, e ao menos a culpa grave, nas hipóteses do art. 10.

- Conquanto constatada a violação ao princípio da legalidade (art. 11 da LIA) e a autorização indevida para utilização de bens públicos por particulares sem observância das formalidades legais (art. 10, II, da LIA), ausente a configuração do elemento subjetivo (dolo e culpa grave, respectivamente), descabida a condenação do agente público nas duras e graves penas previstas na Lei Federal nº 8.429/92.

Sobre o autor
Alex Siqueira Ripamonte

Advogado atuante nas áreas criminal, cível, consumerista e administrativa desde 2009.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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