Princípio da presunção de inocência ou presunção de não-culpabilidade

Presunção de inocência. Prisão após condenação em segunda instância. estado democrático de direito. Art. 5°, LVII da CRFB/88.P

11/05/2020 às 10:18
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O Princípio da Presunção de Inocência e suas consequências práticas no Brasil: impunidade. A interpretação do dispositivo e a possibilidade de prisão após condenação em primeira ou segunda instância.

A Constituição Federal de 1988 preceitua como um de seus pilares o princípio da presunção de inocência. De acordo com tal princípio, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5°, LVII da CRFB/88).

Assim, em miúdos, o que nossa Carta Magna prevê é que aquele que responde a processo criminal só poderá ser considerado culpado quando, mesmo condenado, todos os seus recursos forem julgados e a decisão for confirmada nas instâncias superiores (nos nossos Tribunais).

Tal dispositivo sofre diversas críticas populares. A população em geral, juridicamente leiga, entende inadmissível que um réu não possa ser preso senão quando todos os seus recursos forem julgados. A opinião pública possui os seguintes fundamentos: 1) O réu financeiramente abastado possui condições de uma defesa técnica privilegiada, ou seja, possui recursos para contratar “bons” advogados e com isso, conseguir retardar o máximo o processo, muitas vezes, diga-se de passagem, com muitos recursos até mesmo protelatórios. Isso gera impunidade. Casos famosos demostram isso, como por exemplo, Pimenta Neves que somente foi preso 11 anos após crime. 

O segundo ponto que fundamenta a opinião popular baseada na impunidade é a quantidade de recursos. Claramente a lei é feita no intuito de proteger o réu. O objetivo, até que seria plausível, pois se busca de todas as formas evitar que inocentes sejam presos e condenados. Contudo, o fato é que no nosso País, tal regramento legal se transforma em completo ato ensejador da impunidade, e aqui, ressalva-se, é minha opinião jurídica e não leiga sobre o assunto. O fato é que o Código Penal brasileiro data do ano de 7 de dezembro de 1940. Pasmem! De 80 (oitenta) anos atrás. Daí é difícil defender a nossa legislação. A nossa lei penal foi criada quando existia uma sociedade totalmente diferente da atual, e não é atualizada tanto quanto deveria pelo Congresso Nacional.

Portanto, a opinião população não destoa da realidade, de fato, o princípio constitucional da presunção da inocência acaba, nos casos concretos, indiscutivelmente, fundamentando uma impunidade repercutida no mundo real.

O nosso defensor da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, órgão responsável por interpretar a Constituição Federal comprova que é difícil trazer uma intepretação atual a dispositivos tão retrógrados. Basta observarmos que esse dispositivo já foi visto, revisto e visto novamente diversas vezes pelo órgão supremo, e em todas elas, a opinião dos ministros, sempre por placares apertados, têm se alterado constantemente. O Tribunal já foi a favor da completa interpretação do princípio, pelo qual, não se poderia prender depois de esgotados todos os recursos; posteriormente reviu seu posicionamento, entendendo que após a condenação em segunda instância (pelos Tribunais) poderiam ser recolhidos à prisão os réus; e atualmente, modificou novamente seu posicionamento entendendo que realmente não podem ser presos senão quando esgotados todos os recursos.

Ora, se os ministros possuidores de vagas no órgão do mais alto grau jurídico de nosso País, o STF, possui dúvidas sobre como interpretar corretamente a nossa Lei, seria totalmente injusto impor que a população juridicamente leiga possa compreender a legislação.

O fato é que realmente é difícil ponderar a nossa legislação (atrasada) com a noção de justiça (sempre atual).

Quanto à solução para o problema, muito se discute. Para uns, o problema de tudo isso é a quantidade de recursos. Sobre esta fundamentação, defende-se que a alteração seja revista e alterada com o fim de diminuir-se a quantidade de recursos.

Para outros, defende-se que os réus condenados possam ser recolhidos à prisão tão logo sejam condenados ainda que em primeira instância. Tal aplicação na prática, não seria possível enquanto o STF mantiver o posicionamento de que o princípio da inocência tem que ser aplicado integralmente, nos moldes do que ordena nossa Constituição Federal.

Comungo da opinião de que a não-culpabilidade deva ser relativizada dentro do processo. E isto, poderia ser feito, entendo eu, sem a necessidade de qualquer alteração legislativa. Bastaria, para isso, que o órgão intérprete da Constituição (o STF), mais uma vez reformule seu entendimento sobre isso. Ocorre, pois, que o Juiz não pode decretar a prisão preventiva do acusado pelo simples fato de o réu estar sendo processado, caso contrário, estaria presumindo a culpa do acusado. Contudo, existem sim casos em que mesmo no cenário atual, essa culpabilidade já possa ser relativizada. Basta lembrarmos que tal princípio não impede a existência de prisões provisórias (prisões decretadas no curso do processo).

As prisões provisórias não são prisões decorrentes de condenações, mas sim medidas cautelares (ou seja, medidas urgentes usadas para assegurar que o fato possa ser investigado sem que o réu consiga influenciar o andamento do processo, coagindo testemunhas ou destruindo evidências, por exemplo). Vamos exemplificar: se o réu está dando sinais de que vai fugir (tirou passaporte recentemente), o Juiz pode decretar sua prisão preventiva, e o faz não por considerá-lo culpado, mas para garantir que caso seja condenado, cumpra a pena.

Assim, entendo que as prisões preventivas, tal como já existem hoje, servem sim de fundamentação para justificar que o réu fique recolhido à prisão tão logo seja condenado já no segundo grau, e assim, deva ficar, na minha opinião, até que todos os seus recursos sejam julgados. Com isso, ainda que o processo demore 11 (onze) anos, como demorou o caso do Pimenta Neves, o réu ficaria aguardando o julgamento dos recursos preso, e não solto.

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E não firmo meu posicionamento com base em ideologias políticas. De fato, minha opinião abre-se margem a que inocentes perdurem por tempos na cadeia, é verdade. Mas a verdade é que tal fato já é uma realidade em nosso País. Os presos pobres ficam anos e anos aguardando sentenças presos. Isso já ocorre! Só não fica quem possui advogados particulares. Assim, acaso seja permitido que todos os réus fiquem presos até que seus recursos sejam julgados, só se estaria fazendo cumprir um outro princípio, o da isonomia (que todos sejam tratados igualitariamente), pois atualmente, isso não ocorre. O princípio da inocência atualmente é aplicado aos ricos, mas os pobres, culpados ou inocentes, não saem da cadeia enquanto não forem considerados inocentes, virando ao avesso o princípio constitucional da inocência.

A solução por mim apontada, também traria outro benefício: Se o réu for recolhido à prisão enquanto seus recursos forem todos julgados, seria o próprio réu, que passaria a ser o mais interessado em que o processo transcorresse o mais rápido possível, na esperança de que possa ao final, e somente ao final, ser posto em liberdade.

Já fosse assim interpretada a lei, alguém duvidaria de que os advogados do Pimenta Neves iriam utilizar de todo seu conhecimento jurídico possível para fazer com que o processo não demorasse os 11 anos? Certamente, se o réu fosse interessado na agilidade de nossa justiça, o nosso País teria uma justiça muito mais rápida.

Portanto, entendo que enquanto a morosidade da justiça for interessante aos réus e devedores, não teremos nem tão cedo em nosso País uma justiça rápida, e consequentemente, não teremos “justiça” na correta acepção da palavra, no Brasil.

Sobre o autor
Aécio Mota de Sousa

Advogado Tributarista. Assessor Jurídico da Companhia de Desenvolvimento dos Vales São Francisco e da Parnaíba - Codevasf. Sócio Fundador do Aécio Mota Advocacia. Ex-Subprocurador da Câmara Municipal do Crato/CE. Ex-membro do Fundo Previdenciário Municipal de Juazeiro do Norte/CE - Previjuno. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - TJCE. Pós-graduado em Contabilidade Tributária pelo Centro Universitário de Juazeiro do Norte - Unijuazeiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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