Entre o Capitalismo e a Morte

Leia nesta página:

A busca constante do capitalismo pela produção nos levou ao questionamento em razão do coronavírus e do acesso à saúde por parte da população.

INTRODUÇÃO

A pandemia atravessada pelo mundo nos dias de hoje nos levou a reflexão dos nossos valores, com enfoque na observação de como países capitalistas se comportam quando a população necessita de apoio direto do Estado. A ideologia capitalista defende a proteção total à propriedade privada e a produção de bens para o acúmulo de capital. Portanto, hoje, a economia global gira em torno do capitalismo, de modo que alguns países o defendem a todo custo, sem ao menos garantir a interferência estatal em situações necessárias, como a saúde, que precisa de uma atenção diferenciada em razão de ser tratar de um mínimo que o ser humano deve ter.

O que pode ser observado hoje, diante da pandemia do Covid-19, é que países como o Brasil e os Estados Unidos da América defendem a todo custo a reabertura do comércio, com a intenção de aquecer e movimentar a economia, não se preocupando com a vida de muitos que estão se arriscando para que isso aconteça. O Presidente dos EUA, Donald Trump, diversas vezes deixou claro que mesmo com a pandemia, os Estados Unidos necessitam retornar a realidade antes vivida, objetivando o fim do isolamento social. No Brasil, Jair Bolsonaro também deixa claro que se tivesse o poder de paralisar a quarentena nos estados, o faria sem pensar duas vezes, da mesma forma que explicitou o seu ponto de vista perante a pandemia ao participar de diversos atos defendendo a volta aos postos de trabalho.

Porém, cabe destacar que, apesar de no Brasil e nos Estados Unidos os Presidentes pensarem da mesma forma, existe uma grande diferença entre os dois países. O Brasil tem um sistema de saúde que abrange toda a população e sem nenhum custo, fazendo com que a população mais pobre tenha acesso à saúde. Por sua vez, os EUA têm a saúde quase que integralmente privada, com exceção de alguns programas do Governo que atendem algumas camadas mais baixas da sociedade.

Além disso, existe uma grande dificuldade por parte de países em desenvolvimento que tentam comprar respiradores, mas não conseguem pela disputa com os países desenvolvidos. Com a procura em alta por respiradores, a lei da oferta e da demanda começa a agir e populações de países pobres começam a sofrer os impactos diretos do coronavírus. Por isso, observamos que o valor da vida humana está totalmente ligado a capacidade do ser humano de produção de riquezas, assim, é perceptível o abandono proporcionado pelo capitalismo.

I – Compra de respiradores

É sabido que o Covid-19 ataca de forma agressiva o pulmão, existindo, em boa parte dos casos, a necessidade de um aparelho respirador que funciona como um pulmão mecânico. Diante da enorme procura por partes de países de todo o mundo, as empresas que fornecem o material demonstraram capacidade limitada. A falta desse tipo de equipamento pode ter que significar a escolha de quem vive ou morre para muitos médicos. De modo consequente, a falta dos respiradores iniciou uma disputa entre países pela aquisição do produto, e dentro dessa corrida, fica claro que os países desenvolvidos saem na frente.

No início de abril do corrente ano diversos contratos de importação de equipamentos entre Brasil e China foram cancelados. O principal motivo foi a compra em massa dos produtos por parte dos Estados Unidos, dessa forma, o abastecimento dos respiradores planejado pelo antigo Ministro da Saúde, Henrique Mandetta [1], foi prejudicada logo no início do surto do vírus no Brasil. Assim, o momento atual da pandemia no Brasil, onde já ocorreram milhares de mortes, poderia ter sido evitado caso a concorrência com países mais ricos não tivesse ocorrido.

Secretário de Saúde do Estado da Bahia, Fábio Vilas-Boas, afirmou que o Estado pediu a devolução dos valores investidos na compra de respiradores após o fornecedor chinês atrasar a entrega pela segunda vez. O Secretário afirmou que a compra dos respiradores é uma “verdadeira selva” [2], diante da disputa internacional pelos equipamentos. Além dos respiradores, materiais como máscaras e testes para o Covid-19 são quase sempre adquirido por países ricos, enquanto países da América do Sul e da África, ficam à mercê [3].

II – Estados Unidos

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, defendeu o retorno de americanos ao trabalho e o distanciamento social apenas de idosos [4]. Em outra ocasião, um mês após os Estados dos EUA decretarem a quarentena, Trump defendeu manifestantes que pediam o fim do isolamento social, dizendo entender o motivo qual essas pessoas protestam pelo fim do distanciamento, que no caso seria a vontade de sair de casa para “viverem suas vidas”.

Em razão disso, Trump relatou que cabe a ele decidir o momento e em quais circunstâncias as atividades comerciais deveriam retornar, o que iria contra o pacto federativo dos Estados Unidos. Contudo, ao mesmo tempo, Donald Trump continua a atacar os governadores democratas que decretaram o distanciamento, dizendo querer “libertar” os estados. Por essa razão, existe hoje um plano elaborado pela Casa Branca onde prevê a flexibilização do distanciamento social, o que é criticado por cientistas.

Além dos fatos expostos, o caos vivido pelos EUA não ocorre somente em razão da tentativa de flexibilizar o isolamento, mas também, pelo fato de a saúde pública estadunidense ser privada. Existem programas que auxiliam as camadas mais baixas da população, como o Obamacare, que atinge milhões de americanos, mas não consegue alcançar a todos, principalmente os imigrantes em situação ilegal, que evitam aparecer para não serem deportados.

Portanto, as camadas mais baixas da sociedade, que são compostas em sua maioria por negros e latinos, tem difícil acesso à saúde, o que coloca em risco não só essas pessoas, mas também a população como um todo, devido a facilidade que o vírus se espalha. Além disso, uma reabertura do comércio poderia ser catastrófica para essas pessoas que não conseguem se cuidar, mas apesar disso, Donald Trump continua incentivando a flexibilização do isolamento.

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III – Brasil

No último dia 8 de maio, Jair Bolsonaro reforçou o que já vinha pedindo, o fim do isolamento social. O Presidente caminhou junto a um grupo de Ministros e empresários rumo ao Supremo Tribunal Federal, para uma reunião de última hora com o Presidente da Corte, o Ministro Dias Toffoli [5]. A atitude de Bolsonaro foi apontada pelos Ministros e pela mídia como um jogo político, na tentativa de colocar a culpa no STF pela decisão que dava autoridade dos Estados e Municípios decidirem pelo distanciamento social.

Desde o início da pandemia o Presidente vinha desdenhando do isolamento, chegando até mesmo a falar que o vírus se tratava apenas de uma “gripezinha” e demonstrou estar preocupado com a economia e com o aumento do desemprego. Ocorre que, hoje milhares de brasileiros já morreram e estão infectados e a pandemia poderia ter sido controlada no início, assim como ocorreu na Coreia do Sul. Porém, a preocupação exacerbada com a economia faz com que Bolsonaro feche os olhos para a vida de milhões de brasileiros.

Além disso, a crise do coronavírus levou algumas cidades dos Estados do Maranhão e do Pará a adotarem o “lockdown”, termo utilizado para definir o isolamento total, com o fechamento de ruas, deixando a população sair de casa apenas para situações necessárias. Em resposta a isso, o Presidente publicou no Twitter um vídeo de policiais fazendo uma inspeção em pessoas dentro do ônibus e comparou o Maranhão com a Venezuela [6], País que vivencia um regime ditatorial e com grave recessão na economia.

A adoção de medidas de restritivas é recomendada por diversos cientistas como a única possibilidade de conter o avanço do Covid-19, ainda sim, Bolsonaro defende a reabertura do comércio para a produção voltar e movimentar a economia. Todavia, é visível que o SUS, sistema de saúde brasileiro, pode entrar em colapso a qualquer momento, devido ao grande número de internações e a falta de leitos para atender a população.

IV – Conclusão

Como é destacado no texto, presidentes que defendem o capitalismo agressivo, pouco se importam com as vidas perdidas. A produção é necessária para a sociedade, porém, é necessário existir um equilíbrio entre a necessidade de produção e as vidas humanas em risco. Dessa forma, Trump e Bolsonaro ao defenderem o fim do isolamento social e a volta à rotina normal, estão colocando em risco a vida de milhões de pessoas e levando o sistema de saúde de seus países ao colapso.

Nos Estados Unidos, diferente do Brasil, a saúde não é universal, sendo assim, as pessoas que não tem o privilégio da possibilidade de recorrer ao âmbito privado e não tem direito ao acesso dos programas sociais como o Obamacare, morrem esperanto por leitos. Se tratando do Brasil, a nossa Constituição contempla a saúde universal, sendo assim, mesmo que algumas vezes com falta de medicamentos e leitos, uma boa parcela da população tem o acesso à saúde garantido.

Contudo, em ambos os países pode se observar o descaso em relação a vidas humanas e como busca a todo custo do capitalismo pela produção de riqueza coloca o capital a frente de vidas humanas. Além disso, lei da oferta e da demanda age de maneira triste em relação a países mais pobres, que sofrem com a concorrência dos países ricos na disputa pela compra de respiradores e outros materiais de saúde, o que mostra a conformidade dessa realidade com o dito de Karl Marx, onde “A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas”.

REFERÊNCIAS

[1]https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus-servico/compra-em-massa-dos-eua-china-cancela-contratos-de-importacao-de-equipamentos-medicos-no-brasil-diz-mandetta-24344790

[2]https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/05/08/secretario-de-saude-diz-que-busca-por-respiradores-e-selva-e-que-iniciou-processo-de-devolucao-de-pagamento-por-compra-cancelada.ghtml

[3]https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,demanda-de-ricos-deixa-paises-pobres-sem-mascaras-e-equipamentos-medicos,70003266736

[4]https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/03/24/trump-defende-retorno-de-americanos-ao-trabalho-e-isolamento-de-idosos.htm

[5]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/05/bolsonaro-guedes-e-empresarios-vao-ao-stf-para-pressionar-pelo-fim-do-isolamento-contra-coronavirus.shtml

[6]https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/10/bolsonaro-compara-lockdown-no-maranhao-com-situacao-na-venezuela.htm

Sobre os autores
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Matheus Rodrigues dos Santos

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduando em Direito Civil Constitucional (UERJ). contato:[email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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