Compra por delivery, o produto não veio. Com quem eu reclamo?

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Há cadastros para os restaurantes, padaria etc. Há cadastros para os "empreendedores entregadores". O consumidor é a parte sempre mais (hipossuficiente) fraca na relação consumerista

Aplicativo de para smartphone. Escolhas e mais escolhas. Pizza, refrigerante, tortinhas. "Entrega em até 10 minutos", o aviso no aplicativo. Após 30 minutos, o entregador. Este não tem "vínculo empregatício" com o estabelecimento do pedido. João, o cidadão que fez o pedido, não confere; aceita rapidamente para não ficar exposto ao COVID-19. Família ansiosa; família frustrada: não há o refrigerante. João entra em contato, em contato e mais contato. Nada! Como fica João e sua família se o entregador é um "empreendedor" e não funcionário do estabelecimento o qual enviou o pedido? A plataforma tem culpa? Não, pois apenas agrega vários restaurantes, lojistas, entregadores. E agora? A realidade de muitos brasileiros diante da "nova economia" tem deixado muitos brasileiros de "cabelos em pé". Será que o consumidor fica desamparado pela legislação brasileira? Não! Imaginem a seguinte situação. Supermercado físico, isto é, não virtual (web), não tem empacotadores como funcionários; pela boa vontade do gerente, alguns meninos moradores de rua podem empacotar os produtos comprados pelos clientes, de forma que os meninos possam ter alguns centavos colocados, pelos clientes, dentro dos respectivos copos de plásticos dos meninos empacotadores. Uma cliente agradece ao menino empacotador e lhe dá R$ 0,65 (sessenta e cinco centavos) pelo empacotamento. Ao chegar em sua residência, a mulher nota que falta um produto. Sem perder tempo, a mulher telefona para o supermercado. O gerente do supermercado se comunica com a mulher, mas o gerente diz que não tem responsabilidade, já que o menino empacotador não é funcionário do supermercado. "A única coisa a ser feita é a senhora entrar em contato com a polícia", diz o gerente. O gerente está correto? Veremos! Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Há debates, calorosos, sobre as responsabilidades, subjetiva ou objetiva, dos aplicativos em relação aos "parceiros" (restaurantes etc.), destes com os "empreendedores entregadores". Pelo "risco do negócio", todos têm responsabilidades perante os consumidores. Não é difícil compreender "responsabilidade solidária" como um dever coletivo pela segurança, pela saúde, pelo bem-estar, pela defesa da honra, qualquer ser humano. Por exemplo, sobre "responsabilidade solidária", uma senhora desmaia sobre uma calçada. Ninguém faz nada. Mais "uma na rua"; alusão aos moradores de rua. A indiferença é incompatível com a CRFB de 1988 (art. 1, III, 3, da CRFB de 1988). E a omissão é crime (art. 135, do CP). A dignidade humana não pode ser diminuída por justificativas esdrúxulas como "tenho pressa", "a promoção está para terminar" etc. O teor da norma do art. 135 do CP é "responsabilidade solidária", de forma coatora pelo Estado, pois não são todos os seres humanos solidários, empáticos. Usar o direito natural de "não tenho nenhum obrigação de fazer" é a mais distorcida concepção sobre o direito natural: a solidariedade é a base da sobrevivência humana. E com o advento do COVID-19, toda e qualquer teoria egoísta está enterrada sobre sete palmos de terra. Dizer que não há responsabilidade do aplicativo aos fornecedores e destes aos "empreendedores entregadores" é ir em direção contrária à CRFB de 1988, a responsabilidade social de qualquer empreendimento seja por meio de aplicativos ou não, jamais pode ser relativizada na obrigação de zelar pela preservação da dignidade humana. O não "risco do negócio", diante da diminuição da figura "empregado e empregador", torna a responsabilidade mitigada na relação consumerista. No entanto, a conceituação e aceitação do "risco do negócio" socorrem os consumidores diante dos novos meios de empreendimentos, principalmente os digitais.O que não se pode ter é lucrar em prejuízo dos consumidores. Há cadastros para os restaurantes, padaria etc. Há cadastros para os "empreendedores entregadores". O consumidor é a parte sempre mais (hipossuficiente) fraca na relação consumerista. Antes do COVID-19, os consumidores já sofriam com as intermináveis desculpas dos fornecedores, de forma que todo o trabalho de procurar o responsável fazia com que o consumidor lesado perdesse tempo e dinheiro: tempo, por tentar entrar em contato com o "real responsável" e por escutar "aguarde um momento", "vou transferir para outro setor" etc.; dinheiro, pelas intermináveis ligações e o uso do "pacote de dados" comprado para acessar a rede mundial de computadores. O responsável é o estabelecimento que vende os produtos para os consumidores.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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