Os contratos de trato sucessivo assemelham-se aos crimes permanentes, pois sua execução se prolonga no tempo, razão pela qual são também denominados de contratos de execução continuada. E em razão desta característica os mencionados contratos ficam sujeitos a modificações supervenientes, mantendo-se inalterado conforme subsistam as condições pactuadas. Enfim, devem ser executados conforme as circunstâncias fáticas do momento da avença (cláusula rebus sic stantibus). Por outro lado, situações imprevisíveis e/ou acontecimentos imprevisíveis e extraordinários podem romper com o equilíbrio previsto originalmente no momento do ajuste, ensejando a revisão ou mesmo a extinção do vínculo contratual (teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva) A teoria da imprevisão é prevista no art. 317 do Código Civil, o qual determina que “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. Somente tem incidência nos contratos comutativos de execução diferida ou continuada, pressupondo alterações das circunstâncias fáticas vigentes por ocasião da contratação decorrentes de motivo inesperado e imprevisível que acarrete um desequilíbrio entre as prestações das partes. A teoria da onerosidade excessiva, por sua vez, está consagrada no art. art. 478 do Código Civil, segundo o qual “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. Nesse caso, imprescindível o surgimento de fato extraordinário e imprevisível, assim considerado "[…] aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação" (Enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil realizada pelo Conselho da Justiça Federal). Vale dizer, não é qualquer circunstância do cotidiano que ensejam a resolução por onerosidade excessiva, tais como separação, divórcio, desemprego, dentre outras condições adversas da vida, mas tão somente aquelas que escapam da normalidade, por representar exceção ao princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sant servanda). Silvio de Salvo Venosa, a propósito, assinala que “o princípio da obrigatoriedade dos contratos não pode ser violado perante dificuldades comezinhas de cumprimento, por fatores externos perfeitamente previsíveis. O contrato visa sempre uma situação futura, um porvir. Os contratantes, ao estabelecerem o negócio, têm em mira justamente a previsão de situações futuras. A imprevisão que pode autorizar uma intervenção judicial na vontade contratual é somente a que refoge totalmente às possibilidades de previsibilidade” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 2, p. 462). Parece-nos indiscutível que a pandemia de coronavírus (COVID-19) pela qual passamos caracteriza fato dotado dos referidos atributos, na medida em que ninguém em sã consciência poderia prevê-la, sendo absolutamente estranha aos riscos contratuais. Assim, presentes os pressupostos da teoria da imprevisão, poderá haver a resolução do contrato se da situação imprevisível e inesperada resultar grande vantagem para uma das partes e excessiva onerosidade para a outra. Nem sempre, contudo, a onerosidade excessiva enseja a resolução do contrato, pois o ordenamento jurídico prefere a manutenção do vínculo à sua extinção, adotando o princípio da conservação contratual. Nesse sentido, estabelece o art. 479 do Código Civil que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.
CONSEQUÊNCIAS DA COVID-19 NOS CONTRATOS DE TRATO SUCESSIVO
Contratos de trato sucessivo são pactos cuja execução se prolongam no tempo e sofrem os efeitos da modificação das condições ajustadas. Mas somente aquelas consideradas imprevisíveis ensejam sua revisão/resolução, tal como as decorrentes do COVID-19.
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS no período de abril de 2015 a janeiro de 2018. Professor Universitário. Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista. Advogado.
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Texto elaborado a partir de consulta jurídica formulada por microempreendedor em dificuldades financeiras.
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