Noções fundamentais do controle de constitucionalidade

Resumo:


  • O controle de constitucionalidade é essencial para garantir a conformidade das normas com a Constituição Federal, sendo realizado de diversas formas e em diferentes momentos.

  • A hierarquia das normas é fundamental para compreender a estrutura do ordenamento jurídico, destacando a supremacia da Constituição Federal sobre as demais normas.

  • A declaração de inconstitucionalidade de uma norma pode ter efeitos retroativos ou prospectivos, sendo possível modular esses efeitos em situações excepcionais para garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo expõe as noções fundamentais para que o leitor possa entender o controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro.

 

1 – Notas introdutórias. 2 – Hierarquia das normas. 3 - Elementos do controle de constitucionalidade. 4 – Natureza da lei inconstitucional. 5 – Modalidades de inconstitucionalidade. 6 – Modalidades de controle de constitucionalidade. 7 – Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 8 - Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Referências

 

1 – Notas introdutórias

 

            A estrutura do Estado em nossa atualidade está inserida na ideia de distribuição das atribuições do Poder Político, sendo dada legitimidade a órgãos distintos exercer funções específicas, isto com esteio na incipiente ideia de Montesquieu em sua obra “O espírito das leis”, competindo ao Poder Executivo eminentemente a administração, Poder Legislativo a edição de normas e ao Poder Judiciário julgar atos conflitantes.  

            Esse modelo estatal implica em uma descentralização no exercício das funções do Poder Político, devendo elas serem exercidas de modo independentes e harmônicas, contexto pelo qual se deram as revoluções liberais estadunidense em 1776 e francesa em 1789, fundamentais para a supremacia constitucional.

            O Estado burguês tem como pressuposto de existência o equilíbrio entre os Poderes, e por isto foram criados mecanismos de manutenção da harmonia estatal, denominados de sistema de freios e contrapesos (checks and balances), dentre tantos exemplos o que interessa ao presente texto é o controle de constitucionalidade, consistindo no exercício do juízo de valor em relação à conformidade ou não de uma norma com a Constituição Federal (CF).

            O Controle de Constitucionalidade vem cada vez mais ganhando relevância nos debates em variados ambientes do campo jurídico, com maior evidência perante a sociedade no âmbito jurisdicional, isto principalmente mediante a midiatização dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), órgão cuja função precípua é a guarda da Constituição

            Tudo isso é possível em decorrência da progressiva centralização da Constituição fundada hodiernamente no neoconstitucionalismo e pós-positivismo, tendo as construções principiológicas constitucionais força normativa e balizadora das normas não constitucionais ou infraconstitucionais. 

            Ao estudioso do direito o controle de constitucionalidade é instituto essencial para aprofundar temas transversais, sob pena de cair na vala rasa do senso comum e desprestigiar a interpretação sistemática que considera o ordenamento jurídico em sua integralidade.

            A proposta do artigo é proporcionar ao leitor a aproximação dos institutos essenciais do controle de constitucionalidade, não tendo a pretensão de esgotar nenhum dos temas abordados, mas que o texto sirva de estímulo preambular para seguir no estudo de tão instigante área do direito.

 

2 – Hierarquia das normas

 

            O entendimento acerca de hierarquias das normas é imprescindível para o estudo do controle de constitucionalidade, consistindo a essência desta em saber se há alguma norma hierarquicamente inferior e incompatível com a Constituição Federal (CF).

            A Constituição Federal é o diploma normativo que estrutura a organização estatal e por isto é hierarquicamente superior às demais normas. Significa afirmar que para uma norma infraconstitucional ser válida, deve observar o modo de edição e o conteúdo previsto pela Carta Magna.

            Majoritariamente a doutrina posiciona-se no sentido de que não há relação de subordinação entre normas constitucionais originárias. Já a relação hierárquica entre normas constitucionais originárias e derivadas, dividimos em duas situações. A primeira é que uma vez a Emenda Constitucional promulgada, ela passa a figurar como norma constitucional, sendo assim, localizando-se no mesmo patamar hierárquico que as demais normas constitucionais preexistentes.

            Entretanto, para a emenda constitucional ser válida, obrigatoriamente deve observar as normas constitucionais que preveem as formalidades de sua edição, bem como as normas que limitam seu conteúdo, conforme dispõe o art. 60 da CF, caracterizando relação de subordinação.

            Os Tratados e convenções internacionais de direitos humanos equiparam-se às Emendas Constitucionais, desde que aprovadas em conformidade com o rito previsto no §3º, art. 5º da CF, que é a aprovação em dois turnos nas duas casas parlamentares, quorum mínimo de 3/5 em cada votação. Caso não seja aprovada nos termos mencionados, o STF entende que está abaixo da Constituição e acima das normas infraconstitucionais, o que se denominou de supralegalidade.

            Abaixo da normas constitucionais, localizam-se os atos normativos primários, que estão previstos no art. 59, II ao VII da CF, que são as leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e as resoluções da Câmara dos Deputados, Senado Federal e Congresso Nacional. Os tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos equiparam-se às leis ordinárias.

            Em seguida estão os atos normativos secundários, que são os decretos regulamentares expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, necessários ao cumprimento das leis.

            As Constituições Estaduais são hierarquicamente inferiores à Constituição Federal, por força do art. 25, caput, CF e superiores às leis orgânicas municipais, com fundamento no art. 29, caput, CF.

            Note-se que o nível hierárquico inferior tem como fundamento de validade imediato o patamar superior e por isto com ele deve ser compatível. Raciocínio baseado em Hans Kelsen em sua obra "Teoria Geral do Direito e do Estado", em que dispõe que a norma superior regula a forma de produção de norma inferior, esta só sendo válida se elaborada de acordo com as determinações daquela.

            Superada a ideia de hierarquia das normas, imperioso o estudo acerca dos elementos essenciais ao controle de constitucionalidade.

 

3 - Elementos do controle de constitucionalidade

 

            Segundo o Ministro Celso de Mello no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 595-ES, o controle de constitucionalidade possui dois elementos essenciais, o temporal e o conceitual.

            O elemento temporal consiste na concomitante vigência entre a norma objeto de análise e a norma constitucional (parâmetro). A norma impugnada pode ainda está em processo de edição, o que aponta uma perspectiva de vigência caso aprovada, o que detalharemos oportunamente.

            O elemento conceitual trata da delimitação do parâmetro de constitucionalidade, que quando considerada as normas além das codificadas pela Constituição, a doutrina denomina de bloco de constitucionalidade.

            Em relação à ideia acerca do elemento conceitual, Pedro Lenza identifica duas correntes, “Uma ampliativa (englobando não somente as normas formalmente constitucionais como, também, os princípios não escritos da “ordem constitucional global” e, inclusive, valores suprapositivos) e outra restritiva (o parâmetro seriam somente as normas e princípios expressos da Constituição escrita e positivada).” (LENZA, 2016, p. 390)

            Para melhor compreensão da corrente ampliativa, mencionamos a título exemplificativo os tratados internacionais em direitos humanos aprovados segundo os critérios previstos no §3º, art. 5º da Constituição Federal, pois são equiparados às Emendas Constitucionais. Outro exemplo é o princípio da afetividade, que apesar de não estar escrito na Constituição, modificou sensivelmente o direito de família, tendo como caso paradigmático decisão do STF no ano de 2011 (ADI 4.277/DF e ADPF 132/RJ) reconhecendo a união estável homoafetiva como entidade familiar.        

            A seguir vamos expor sobre a natureza jurídica do ato normativo incompatível com norma constitucional parâmetro.

 

4 – Natureza da lei inconstitucional

 

            Identificar a natureza jurídica da lei inconstitucional reveste-se de importância dada sua vinculação aos efeitos da decisão que analisa a constitucionalidade ou não de um ato e por consequência os efeitos práticos sentidos pela sociedade. Marcelo Novelino (2014) identifica três correntes, ato inexistente, nulo e anulável.

            O ato é existente quando pertencer a um ordenamento jurídico, que necessariamente deve preencher dois requisitos: reconhecimento pelos órgãos primários do sistema e sua edição está em conformidade com alguma norma do sistema. Portanto ato inexistente será aquele que não reunir um desses requisitos, mesmo que possua obrigatoriedade de observância pela sociedade. Novelino (2014) pondera que se o termo “ato inexistente” for utilizado no sentido de obrigatoriedade, o ato será existente até que seja anulada.

            Ato nulo é o entendimento de que a lei já nasce com um vício insanável, tendo a sentença natureza declaratória, pois não anula a lei, apenas declara sua nulidade, ou seja, o vício preexiste. Esta corrente origina-se no leading case estadunidense “Marbury x Madison” e adotada pela doutrina majoritária brasileira e pelo STF.

            Por fim o ato anulável, corrente originada do sistema austríaco influenciada por Hans Kelsen, em que a lei inconstitucional teria validade e eficácia até que uma decisão constitua sua nulidade.

            No próximo tópico pontuamos os modos de inconstitucionalidade reconhecidos pela doutrina e jurisprudência pátria.

 

5 – Modalidades de inconstitucionalidade

 

            Os atos são considerados inconstitucionais quando há incompatibilidade com a Constituição Federal, consectário do princípio da supremacia da constituição. Uma vez reconhecida a inconstitucionalidade o ato é declarado nulo, afetando o plano de validade e elidindo seus efeitos.

            A seguir expomos a classificação dos mais diversos tipos de inconstitucionalidade.

 

5.1 – Quanto à norma constitucional ofendida

 

            No que se refere à norma constitucional ofendida, a inconstitucionalidade pode ser material ou formal.

            Inconstitucionalidade material é a que ocorre quando o conteúdo (matéria) de ato ou leis do Poder Público contrariar norma constitucional substantiva. Ex.: art. 5º, CF.

            Inconstitucionalidade formal segundo Luís Roberto Barroso ocorre quando “Um ato legislativo tenha sido produzido em desconformidade com as normas de competência ou com o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurídico.” (BARROSO, 2012, p. 30). O referido autor divide em orgânica e propriamente dita.

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            Na inconstitucionalidade orgânica o ato é editado por órgão incompetente. Exemplo seria Assembleia Legislativa ter editado norma de competência do Congresso Nacional.

            A inconstitucionalidade formal propriamente dita caracteriza-se pela violação do processo legislativo, ou seja, inobserva alguma norma de iniciativa (esta a mais frequente na prática), deliberação, sanção/veto, promulgação e publicação. Exemplo é lei de iniciativa do STF (art. 93, CF) tramitar por iniciativa do Presidente da República ou lei que deve ser tratada por via de lei complementar, mas tramita enquanto lei ordinária (art. 146, III; art. 192, ambos da CF).

            Marcelo Novelino (2014, p. 307) divide a inconstitucionalidade formal em subjetiva e objetiva.

            A inconstitucionalidade formal subjetiva é quando o autor do ato for incompetente. Exemplo é uma Emenda Constitucional tramitar por iniciativa de Ministro de Estado, situação não prevista no art. art. 60 da CF.

            Inconstitucionalidade formal objetiva é quando lei ou ato for elaborado em desacordo com alguma etapa dos procedimentos previstos pela Constituição Federal. Exemplo é a aprovação de lei com quorum inferior ao previsto pela Constituição.

            A declaração de inconstitucionalidade material e formal em regra possui a mesma consequência, que é a invalidade da norma, exceto no caso de alteração do parâmetro constitucional, visto que a incompatibilidade material implica em não recepção/revogação da norma infraconstitucional, já a incompatibilidade formal ocorre a recepção. Exemplo desta última situação é o Código Tributário Nacional (CTN) promulgado como lei ordinária no ano de 1966, sendo que com o advento de Constituições posteriores houve a previsão de disciplinamento por meio de lei complementar.

 

5.2 - Quanto ao tipo de conduta

 

            A inconstitucionalidade quanto ao tipo de conduta é dividida por ação ou omissão.

            Inconstitucionalidade por ação decorre de uma conduta comissiva, em que o Poder Público pratica um ato incompatível com a Constituição Federal.

            Inconstitucionalidade por omissão é a inércia ilegítima na prática de atos pelo Poder Público que deveriam tornar eficaz uma norma constitucional. A omissão pode ser total ou parcial. A Total também identificada como absoluta é caracterizada com a inteira abstenção do ato que deveria praticar.

            A omissão parcial possui duas espécies, a relativa e a propriamente dita que ocorre respectivamente “quando a lei exclui do seu âmbito de incidência determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-a de um benefício, em violação ao princípio da isonomia.”, e quando “o legislador atua sem afetar o princípio da isonomia, mas de modo insuficiente ou deficiente relativamente à obrigação que lhe era imposta.” (BARROSO, 2012, p. 36)

            A inconstitucionalidade por omissão possui dois instrumentos específico para sua aferição, que é a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) e Mandado de Injunção (MI), previstos pela CF no art. 103, §2º e art. 5º LXXI, respectivamente.

 

5.3 - Quanto à extensão

 

            No que diz respeito à extensão, classificamos a inconstitucionalidade em total e parcial.

            Inconstitucionalidade total é quando o vício atinge a integralidade da lei ou ato normativo impugnado, não sendo válido nenhum fragmento.

            Inconstitucionalidade parcial é quando apenas uma parte da lei ou ato normativo é incompatível com a Constituição Federal ou então quando o Poder Público não realiza as medidas necessárias para tornar uma norma constitucional efetiva (omissão parcial). (NOVELINO, 2014).

 

5.4 - Quanto ao momento

 

            Pelo critério cronológico a inconstitucionalidade pode ser originária ou superveniente.

            Inconstitucionalidade originária configura-se quando o ato violador for posterior à vigência da norma constitucional parâmetro, isto é, já ingressa no ordenamento jurídico incompatível com a Constituição vigente, é um vício desde o seu nascedouro.

            Inconstitucionalidade superveniente é caracterizada quando a norma infraconstitucional é compatível com a Constituição vigente, ocorrendo posterior mudança de norma constitucional, tornando-a incompatível (NOVELINO, 2014). Leva em consideração tanto alteração integral como parcial da Constituição. O STF entende que não é caso de inconstitucionalidade, mas sim de não recepção/revogação.

 

5.5 - Quanto ao prisma de apuração

 

            Quanto ao prisma de apuração a inconstitucionalidade pode ser direta ou indireta.

            Inconstitucionalidade direta, também denominada de antecedente ou Imediata, o juízo de inconstitucionalidade é realizado frontalmente entre a norma impugnada e a Constituição, ou seja, não há ato normativo intermediário.

            Inconstitucionalidade indireta, também denominada de mediata, verifica-se quando há um ato normativo intermediário entre a norma impugnada e a Constituição. Divide-se em consequente e reflexa.

            Inconstitucionalidade indireta consequente configura-se quando o ato impugnado tem seu fundamento em lei inconstitucional. Ex.: Decreto expedido para execução de lei inconstitucional.

            Inconstitucionalidade indireta reflexa ou oblíqua evidencia-se com a violação de norma infraconstitucional que está entre o ato violador e a Constituição. Trata-se de ilegalidade e de modo reflexo inconstitucionalidade. Ex.: Presidente da República expede decreto incompatível com lei regulamentada.

            Identificada as mais diversas formas de inconstitucionalidade, necessário se faz classificar os meios de se realizar o controle de constitucionalidade, o que faremos a seguir.

 

6 – Modalidades de controle de constitucionalidade

 

            Como visto, a Constituição pode ser violada dos mais diversos modos, para a tutela das normas constitucionais existe uma variedade de formas, que iremos classificar de agora em diante.

 

6.1 – Quanto ao momento

           

            Identificamos o controle pelo critério cronológico em preventivo e repressivo.

            Controle preventivo ou prévio ocorre antes do projeto de lei tornar-se lei, podendo ser realizado pelos três Poderes do seguinte modo.

            O Poder Legislativo realiza o controle pelas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) de cada casa parlamentar, conforme previsto no art. 58 da CF. Já o Poder Executivo realiza por meio de veto jurídico, atribuição do chefe do executivo disposto no art. 66, §1º da CF. O Poder Judiciário manifesta-se quando Parlamentar impetra mandado de segurança alegando violação ao processo legislativo constitucional.

            O STF entende que só possuem legitimidade os Parlamentares que sejam membros da Casa Parlamentar que tramita o projeto de lei ou proposta de emenda (MS 24.645/DF). A jurisprudência da Suprema Corte também é no sentido de que caso o Parlamentar impetre o mandado de segurança e perca posteriormente o mandato, o referido remédio constitucional deve ser extinto por ausência superveniente de legitimidade ativa (MS 27.971/DF).

            Controle repressivo típico, sucessivo ou a posteriori ocorre após o término definitivo do processo legislativo, isto é, a lei já está em vigor, também podendo ser realizado pelos três Poderes.

            O Poder Legislativo possui alguns instrumentos de realizar o controle repressivo, a exemplo especificamente do Congresso Nacional que pode sustar os atos do Poder Executivo que extrapolem os limites da delegação legislativa ou do poder regulamentar, conforme previsão do art. 49, V da CF. Outra forma é rejeitar Medida Provisória que entenda inconstitucional quando: Não houver relevância e urgência, matéria incompatível com a CF ou vedada por ela ou reedição em mesma sessão legislativa que foi rejeitada ou perdida eficácia por decurso de prazo, conforme art. 62, §10, CF (NOVELINO, 2014, p. 309).

            O Poder Executivo realiza controle através do Chefe do Executivo, que segundo posicionamento doutrinário majoritário, pode negar cumprimento a uma lei que entenda inconstitucional, devendo fundamentar e publicizar a decisão e que paralelamente proponha a ação cabível. O Poder Judiciário cumpre o múnus por qualquer juiz ou tribunal no exercício do controle difuso ou concentrado conforme o caso exigir, desde que o STF não tenha declarado a constitucionalidade do ato impugnado.

 

6.2 – Quanto à natureza do órgão

 

            Quanto à natureza do órgão o controle é classificado em três, sistema político, jurisdicional e misto.

            Pode se dá pelo sistema político, sendo aquele em que o controle é realizado por órgãos sem jurisdição, quer seja pelo legislativo ou órgão específico para o controle.

            Exemplo da França com o Conseil Constitutionnel, conforme detalha Ingo Sarlet.

 

A aversão à interferência do Judiciário sobre o parlamento levou o direito francês a atribuir o controle de constitucionalidade a um “Conselho Constitucional” composto por nove membros – cada três nomeados, respectivamente, pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado – e pelos antigos Presidentes da República. (SARLET et al., 2017, p.1.072/1.073)

           

            O Conselho Constitucional que tinha originariamente função exclusiva de realizar o controle de constitucionalidade não é vinculado ao Poder Judiciário e tendo em sua composição membros indicados por diferentes autoridades.

            Há também o sistema jurisdicional, ocorrendo quando o controle é realizado principalmente pelo Poder Judiciário, “O modelo judicial é a forma clássica e bem-sucedida de controle de constitucionalidade." (SARLET et al., 2017, p. 1072) Exemplo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

            Por fim o sistema misto, sendo uma categoria de lei submetida ao controle político e outra categoria ao controle jurisdicional. Exemplo da Suíça, em que o Poder Judiciário é responsável pela análise das leis locais e a Assembleia Nacional das leis federais.

 

6.3 – Quanto à competência

           

            Classificação que é a grande divisão do instituto do controle de constitucionalidade é em relação à competência, que é o difuso e concentrado.

            Controle difuso ou aberto (sistema norte-americano), realizado por todos os órgãos jurisdicionais, de todas as instâncias da justiça comum ou especial. Sua origem remonta ao caso estadunidense Marbury X Madison (1803), sendo o primeiro em que a Suprema Corte invalidou um ato normativo do Congresso.

            Outra modalidade é o controle concentrado ou reservado (sistema austríaco ou europeu), sendo aquele exercido por um órgão judicial específico. Tem como marco inicial a Constituição austríaca (1920) e influência de Hans kelsen.

            O Brasil adota o controle jurisdicional misto (combinado), que conjuga o difuso e o concentrado.

 

6.4 – Quanto à finalidade do controle

           

            Em relação aos fins, o controle de constitucionalidade pode ser incidental ou principal.

            Controle incidental também denominado de incidenter tantum, concreto, por via de defesa ou por via de exceção. É a situação em que o pronunciamento jurisdicional da ação, que envolve direitos subjetivos em um caso concreto, depende da manifestação acerca da constitucionalidade de uma norma nesta mesma ação.

            A alegação de inconstitucionalidade pode ser fundamento tanto de uma peça vestibular como de defesa. Exemplo é o pleito de não pagamento de um imposto com fundamento em suposta inconstitucionalidade de lei que disciplina o tributo.

            No Brasil o controle difuso se dá exclusivamente de modo incidental, mas este além de difuso ocorre também de modo concentrado por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Representação Interventiva (RI).

            O Controle principal ou abstrato, por via de ação, por via direta é exercido em tese, sem nenhum caso concreto levado ao judiciário, tendo como objeto a análise acerca da validade da lei.

            Barroso (2012, p. 43) aponta que “Não se cuida de mecanismo de tutela de direitos subjetivos, mas de preservação da harmonia do sistema jurídico, do qual deverá ser eliminada qualquer norma incompatível com a Constituição.” e por isto tramita em um processo objetivo, sem partes nem lide no caráter técnico.

            Por fim, ressaltamos que o controle principal no ordenamento jurídico brasileiro é exercido de modo conjugado ao controle concentrado, apesar de não se confundirem.

            Concluído as modalidades de se realizar o controle de constitucionalidade, passamos a expor acerca dos efeitos que a decisão declaratória de inconstitucionalidade produz aos destinatários do ato viciado.

 

7 – Efeitos da declaração de inconstitucionalidade

           

            O controle de constitucionalidade tem o escopo de retirar ou evitar a incidência da eficácia de normas que infrinjam os preceitos da Constituição Federal. Com isso, surge a necessidade de analisar os efeitos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade.

            A doutrina majoritária brasileira posiciona-se pela teoria da nulidade, influenciada pelo sistema norte-americano (Marshall), como reconhece Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco.

 

O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do Direito brasileiro. A teoria da nulidade tem sido sustentada por praticamente todos os nossos importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual “the inconstitutional statute is not law at all”, significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se em favor da equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. (MENDES; BRANCO, 2017, p. 1.184)

 

            De acordo com a teoria supracitada há a declaração da inconstitucionalidade, isto é, a decisão reconhece um vício existente desde o seu nascedouro, afetando o plano de validade da norma, por isso a invalida e anula todos os seus efeitos retroativamente (ex tunc).

            Doutrina minoritária brasileira defende a teoria da anulabilidade, conhecida como sistema austríaco e influenciada por Hans Kelsen. A decisão possui natureza constitutiva e por isso a norma é válida e eficaz até o momento da publicação da decisão.     Portanto, os efeitos não retroagem (ex nunc) e em regra a inconstitucionalidade está no plano da eficácia.

            Apesar da regra seguida majoritariamente ser a teoria da nulidade, excepcionalmente doutrina e jurisprudência admite sua flexibilização, como passamos a expor.

 

8 - Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade

 

            A aplicação da teoria da nulidade provoca problemas práticos para atos praticados por muitos anos sob a vigência de uma lei declarada inconstitucional posteriormente. Exemplo de contrato com o poder público, cumprimento de pena etc.

            Partimos de um raciocínio do leading case estadunidense Likletter v. Walker, que teve um modo de colheita de provas (arrombamento praticado pela polícia) declarado inconstitucional posteriormente no caso Mapp v. Ohio. Diante da decisão anulatória, houve requerimento no caso Likletter v. Walker da nulidade da prova e um novo julgamento, fundando seu pleito nos efeitos ex tunc da decisão.

            A justiça negou efeito retroativo, pois o caso foi julgado conforme entendimento da época, somado à sobrecarga de trabalho que seria gerado com os pedidos de revisões, prejudicando seriamente a administração da justiça e segurança jurídica. Assim, houve a flexibilização do sistema de nulidade absoluta e permitiu a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

            No Brasil o cotejo entre o princípio da nulidade (constitucional em decorrência do princípio da supremacia da Constituição) e o da segurança jurídica e da boa-fé (ambos igualmente constitucionais), implicou na mitigação dos efeitos ex tunc da decisão declaratória de inconstitucionalidade.

             A flexibilização no controle concentrado está prevista em lei, conforme transcrito abaixo.

 

Lei 9.868/99

Art. 27 - Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

 

            Portanto, o legislador optou para que em situações excepcionais o STF por meio de quorum qualificado possa aplicar os efeitos da decisão a partir do trânsito em julgado ou outro que entenda cabível ao caso.

            Em sede de controle difuso, a flexibilização se deu por meio de antecedente jurisprudencial no seguinte caso. O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública requerendo a diminuição do número de vereadores do Município de Mira Estrela de 11 para 9, pois a lei municipal que previa o quantitativo de membros do legislativo local estava em desacordo com o art. 29, IV da CF.

            Também pediu a declaração incidental de inconstitucionalidade da lei e em decorrência dos efeitos retroativos a devolução dos subsídios indevidamente recebidos pelos vereadores. O STF declarou a inconstitucionalidade da lei que previa o quantitativo de 11 vereadores e com fundamento na segurança jurídica e a boa-fé, reconheceu que os efeitos deverão ser aplicados apenas para as legislaturas futuras.

            A partir de então, o judiciário vem modulando casuisticamente os efeitos ex tunc decorrentes da teoria da nulidade e preservando situações consolidadas.

 

Referências

 

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo, Saraiva, 2012.

 

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. Tradução João Baptista machado. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

 

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2016.

 

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional . São Paulo:  Saraiva, 2017.

 

MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2007.

 

NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

 

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017.

 

Sobre o autor
Roberto Leonardo da Silva Ramos

Doutor e mestre em direito pela UFPB. Professor da Faculdade de Direito da UNIFESSPA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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