Dissolução Parcial em Sociedades Anônimas

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Uma breve compreensão da aplicabilidade do artigo 599 do CPC/15 sobre dissolução parcial de sociedades para as Sociedades Anônimas.

Objetivos:

  1. Introduzir a redação do artigo 599, par. segundo do CPC e sua possível interpretação a priori.
  2. Compreender a natureza e caracterização de uma típica S.A.
  3. Delimitar as variações de necessidades de uma S.A. que atacam sua tipicidade, ainda que mantenham sua estrutura organizacional.
  4. Tratar do reconhecimento do direito de dissolução parcial e exclusão, e a necessidade de interpretação do artigo 599 para sua concretização.

Art. 599 CPC – Ação de Dissolução Parcial de Sociedade

Inicialmente, ademais a reverberada crítica que esse dispositivo confunde em seu objeto a ação de dissolução parcial de sociedade (natureza constitutivo-negativa) com a ação de apuração de haveres (natureza condenatória) e que essa confusão pode gerar demandas quanto à definição de prazos prescricionais e/ou decadenciais da ação, nesse momento, dado nosso tema, propomos outro olhar que parece-nos interessar melhor: trata-se da não precisão quanto a natureza das sociedades passíveis de objeto da presente ação (ou ações).

No parágrafo 2º, o legislador prevê a possibilidade da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade para sociedades empresariais de tipo eletivo anônima quando demonstrado pelos pleiteantes a impossibilidade de preencher seu fim.

O que a princípio parece um contrassenso, haja visto que a impossibilidade de preenchimento de fim é, senão, impossibilidade de exercício de atividade empresarial  na sua essência, não comportando, portanto, dissolução parcial da sociedade, mas sua extinção (ou dissolução total).

Ainda que assim não fosse, a redação legal parece sugerir hipótese restritiva de uso do procedimento prescrito para fins de Sociedade Anônima; inviabilizando o reconhecimento da sociedade anônima heterotípica para tentativas de dissolução parcial e exclusão de sócios nos termos análogos ao art. 1.030 CC, bem como o direito de retirada desmotivado do art. 1029 CC.

Características de Tipicidade da Sociedade Anônima

A sociedade anônima tradicionalmente pode ser definida como uma pessoa jurídica de direito privado de natureza empresarial, cujo capital social se divide em títulos livremente negociáveis, limitando-se a responsabilidade do acionista ao preço de emissão das suas ações.

Da proposta definição pode-se extrair 06 características de uma típica S.A., quais sejam:

  1. As S.A.s sempre serão PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO.
  2. As S.A.s sempre possuirão, sem exceção, NATUREZA EMPRESARIAL, conforme parágrafo único do artigo 982 do Código Civil. Sendo uma S/A não se analisa a atividade para determinar sua empresariedade.
  3. O CAPITAL DAS S.A.s É DIVIDIDO EM AÇÕES, SENDO ESTAS LIVREMENTE NEGOCIADAS, não é dividido em cotas e sim em ações! As cotas possuem restrições quanto a sua negociação, previstas nos artigos 1.003 e 1.057 do Código Civil, já as ações são livremente, sem restrições, negociadas.
  4. As S.A.s possuem LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DOS ACIONISTAS.
  5. As S.A.s são uma TÍPICA SOCIEDADE DE CAPITAIS, pois o que mais importa é o liame do capital dotado e destinado ao exercício da atividade empresarial e não o liame entre as pessoas titulares do capital pessoas.
  6. As S.A.s possuem NATUREZA INSTITUCIONAL, teoria desenvolvida por Mauriou. Ao contrário dos contratos (onde a autonomia das partes é preponderante) nas S.A.s o mais caro é a finalidade. (e.g. arts. 117 e 154 LSA).

Natureza e Reconhecimento de Sociedades Anônimas Heterotípicas

Contudo, há sociedades anônimas que fogem a sua típica caracterização, neste sentido, entende-se que faltam há estas sociedades, especialmente, a verificação de que sejam sociedades exclusivamente de capitais e detenham eminente natureza institucional.

Em acórdão de relatoria de Ministro Ruy Rosado  no RESP 111.294/96 já se reconhecia  que sociedades empresariais organizadas sobre a forma de anônimas, por vezes, na realidade da sua formação, condução e estrutura societária, poderiam apresentar diferenciações às características de sua tipicidade.

“Pelas peculiaridades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra da affecttio societatis conjugada à inexistência de lucros e de distribuição de dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo.“

Fato que tipos societários nada mais são que modelos jurídicos para organização de pessoas e coisas a entreter um feixe de relações internas e externas, coordenadas e estruturadas sob uma afetação empresarial. O tipo societário é, portanto, um instrumento de organização jurídica da empresa.

À partir dessa concepção, podemos perceber que a caracterização das sociedades por seu tipo eletivo, por vezes não é suficiente a coadunar perfeitamente as relações internas (relações entre os titulares de participação acionária) e externas (necessidades de capitalização com capital de terceiros, adoção de estrutura de administração e governança para o mercado de atuação, ou mesmo restrição legal de tipo atividade empresarial – bancos e seguradoras, por exemplo).

Decorre desse desalinhamento que relação dos titulares de participação acionária não decorra somente do liame das dotações patrimoniais para realização da atividade empresarial, mas esteja primordialmente fundada na qualidade das pessoas que dotaram patrimônio e participam da sociedade.

Tais sociedades, são, portanto, sociedades anônimas heterotípicas, pois ainda que tenham adotado esse tipo eletivo dado suas necessidades relacionadas ao exercício da atividade empresarial, elas se descaracterizam de uma típica sociedade anônima em suas relações internas de titularidade de participação acionária.

Da Dissolução Parcial e Exclusão de Sócios em S.A. Heterotípicas

Para estas sociedades, visto a relevância das relações subjetivas entre os acionistas, em ocorrências de perca do liame entre eles ou da qualidade de alguns deles para sua participação, comporta-se internamente as mesmas consequências de uma sociedade de pessoas; podendo inclusive afetar a continuidade do exercício da empresa.

Há, pela própria manutenção da boa fé objetiva na relação societária, uma manifestação da figura parcelar de supressão do direito de negocialibilidade das ações e surgimento do direito de manutenção na sociedade somente dos acionistas que mantenham sua qualidade que o atraiu a participação original e/ou que mantenham o liame necessário para manutenção das relações societárias.

Nesse sentido, entende-se que o instituto da dissolução parcial erigiu-se baseado nas sociedades contratuais e personalistas (tais quais limitadas, em oposição as sociedades institucionais e de capital), como alternativa à dissolução total e, portanto, como medida mais consentânea ao princípio da preservação da sociedade e sua função social, contudo a complexa realidade das relações negociais hodiernas potencializa a extensão do referido instituto às sociedades "circunstancialmente" anônimas, ou seja, àquelas que, em virtude de cláusulas estatutárias restritivas à livre circulação das ações, ostentam caráter familiar ou de liame subjetivo dos potenciais sujeitos de direito a titularidade das participações acionárias, onde as qualidades pessoais dos sócios adquirem maior relevância para o desenvolvimento das atividades sociais.

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Tal posicionamento, jurisprudencialmente, já encontrou no STJ também sua manifestação até hipótese de exclusão de acionista. Como afirma trecho de acórdão de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão no REsp 917531-RS:

É bem de ver que a dissolução parcial e a exclusão de sócio são fenômenos diversos, cabendo destacar, no caso vertente, o seguinte aspecto: na primeira, pretende o sócio dissidente a sua retirada da sociedade, bastando-lhe a comprovação da quebra da "affectio societatis"; na segunda, a pretensão é de excluir outros sócios, em decorrência de grave inadimplemento dos deveres essenciais, colocando em risco a continuidade da própria atividade social.

[...] Caracterizada a sociedade  anônima como fechada e personalista, o que tem o condão de propiciar a sua dissolução parcial – fenômeno até recentemente vinculado às sociedades de pessoas -, é de se entender também pela possibilidade de aplicação das regras atinentes à exclusão de sócios das sociedades regidas pelo Código Civil, máxime diante da previsão contida no art. 1.089 do CC: "A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código."

Da Extensão da Aplicação do Regramento do 599

Enfim, cumpre-nos compreender que a hipótese prevista no parágrafo segundo do artigo 599 do CPC não torna inviável a aplicação de seu regramento a esse tipo societário sui generis, ou “ entre tipo societário”, que apesar de adotar eleição de natureza de sociedade de capitais, tem seu liame societário predominantemente subjetivo.

É necessária tal compreensão, inclusive, para fins da própria estabilidade legislativa, visa vis, uma vez permanentemente abolido do ordenamento jurídico vigente as regras do CPC 73 que remetiam, nessa matéria, ao CPC 39, ficar-se-ia aqui uma verdadeira lacuna processual para exercício de direito material certo e reconhecido por nossos tribunais.

Sobre o autor
Lucas Fulanete Gonçalves Bento

Advogado e treinador titular-responsável pelo Núcleo de Arbitragem e Mediação da FDRP-USP, formado em Direito pela Universidade de São Paulo, com período sanduíche na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, mediante Bolsa de Estudos de Mérito Acadêmico- USP. Concluiu o programa Análise Econômica do Direito Societário e Contratos Comerciais do Instituto Coase-Sandor de Direito e Economia da Universidade de Chicago e desenvolveu seus estudos de pós-graduação, nível mestrado, em Direito Comercial na Universidade de São Paulo. Atualmente é Pesquisador e Doutorando na Universidade de Hamburgo com financiamento Albrecht Mendelssohn Bartholdy Graduate School of Law e vinculado à cadeira de Law & Economics do Institut für Recht und Ökonomik. Atuo com Consultivo e Contencioso Estratégico de Direito Societário, Mercado de Capitais e Contratos Comerciais, incluindo processos administrativos e sancionadores CVM.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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