A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DA DISPUTA JUDICIAL

UM OLHAR EM FAVOR DO CREDOR E DA DEFESA DO DIREITO

Leia nesta página:

O artigo trata da necessidade de se proteger os direitos e interesses do credor e vencedor de litígio, impondo-se com maior facilidade a desconsideração da personalidade jurídica e a inclusão dos sócios no pólo passivo do pleito de execução.

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DA DISPUTA JUDICIAL: UM OLHAR EM FAVOR DO CREDOR E DA DEFESA DO DIREITO

 

 

 

“A verdade é inconvertível; a malícia pode ataca-la,

a ignorância pode zombar dela, mas no fim, lá está ela.”

Sir Winston Churchill

 

 

Para os problemas que enfrenta, o tempo atual exige respostas ágeis e eficientes. O mundo é um rio que se move rápido e constante. E muitas vezes, por não acompanhar o curso das mudanças, o Direito perde-se no caminho. Acaba subscrevendo, à retidão de outrora, a injustiça da atualidade.

 

Mas mudar o Direito não é fácil. Que seja assim é até compreensível. E desejável. Afinal, a mola da estabilidade deve ela própria ser estável.

 

Como então compatibilizar, com o mundo de transformações contínuas, com a dinâmica do Direito e as necessidades das pessoas?

 

Acreditamos que as fontes mediatas oferecem a resposta.  Mais do que nunca Doutrina e Jurisprudência se revelam de suma importância. Não estamos advogando por interpretação alternativa do Direito, muito menos ativismo judicial. Nesses dois conceitos residem dois perigos.

 

As fontes mediatas, especialmente a Jurisprudência, fornecem elementos de transformação da aplicação do Direito. Sua renovação porém não viola as próprias bases; pelo contrária, conserva-as e as revigora também.

 

O dinamismo na estabilidade: o melhor dos mundos.

 

Claro, não há novidade alguma nisso. O professor Miguel Reale pensou bem a respeito da tríade fato-valor-norma, e as fundiu, colocando-as em interdependência, em triangularidade dialética, na famosa Teoria Tridimensional do Direito.

 

Contudo, apesar da clareza de seu pensamento, a resistência ao novo continua a mostrar força do Direito, e isso não em nome das belezas da tradição, mas por um atavismo bem pouco compreensível.

 

De todo modo, há um forte sentimento em todo o mundo que o Direito não pode mais premiar devedores inadimplentes de má-fé.

 

É bem verdade que a teoria do capitalismo humanista inspira um olhar benevolente em muitas situações, mas só se deve cogitá-la quando há, inegavelmente, situações contextuais desfavoráveis aos devedores e, muito importante, o signo da boa-fé.

 

Do mesmo modo, existe a preocupação crescente com a tutela dos legítimos interesses do credor insatisfeito, sobretudo quando confrontado com o devedor de má-fé.

 

E nessa preocupação também há elementos do capitalismo humanista e da inteligência econômica do Direito, cevada na Escola de Chicago.

 

Esta visão econômica tem em mente o pragmatismo nas soluções das controvérsias, o binômio custo-benefício e, dentro das questões pontuais, a defesa de algo maior, contextual. Em outras palavras: partindo-se de uma visão macro, enxerga-se diferentemente o micro.

 

Por isso, inegável a importância de ir além do formalismo pelo formalismo e inculcar, também no sistema processual civil, texturas mais sociais, orgânicas e até filosóficas.

 

Pensamos que mecanismos como a desconsideração da personalidade jurídica e a inclusão dos sócios, pessoas naturais, nos polos passivos dos litígios em geral, mesmo que em fases avançadas das respectivas marchas processuais, é um caminho justo, ordenado, imprescindível para a materialização da Justiça e para que o credor veja seu direito verdadeiramente respeitado.

 

Tal convicção acentua-se ainda mais forte quando se tem, no caso concreto, a dissolução da sociedade por insolvência. Trata-se de algo comum e uma espécie de uso indevido, abusivo, das regras legais.

 

Nem se faz necessário o socorro ao princípios ferais e fundamentais, ao cabedal filosófico do Direito, para se afirmar que o torto não lhe cai bem e não pode de modo algum ser consagrado.

 

Daí a necessidade de se ir além, de se permitir soluções que se não são exatamente ortodoxas, também não são incomuns, muito menos erradas.

 

O espírito do Direito contemporâneo e, em especial, do novo Código Civil autoriza isso e permite pensar em eficácia efetiva das decisões judiciais. Aliás, a harmonização do Codex processual e do Código Civil, este ainda relativamente novo, também, muito aproveita para o que ora se propõe: um olhar de justiça, bem acima do formalismo pelo formalismo.

 

 

Vejamos:

 

 

Atualmente, entende o Superior Tribunal de Justiça que o fechamento irregular da pessoa jurídica, em estado de insolvência, não é requisito hábil para deferir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O que impossibilita redirecionar a cobrança aos sócios que compõem a Pessoa Jurídica.

 

O Poder Judiciário para deferir a desconsideração da PJ adotou como regra a teoria maior, fundamentada nas relações civis e a teoria menor, amparada nas relações de consumo. Outras possibilidades, tratadas ao rigor de regras consumeristas, trabalhistas e de meio ambiente, não são objetos do nosso presente estudo.

 

Mas é um tema que merece reanálise, utilizando alguns parâmetros do próprio Código Civil.

 

Como mencionado a insolvência e o fechamento irregular da empresa não são requisitos suficientes para desconsiderar a personalidade jurídica. Ao requerente é preciso comprovar o abuso, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, conforme o art. 50 do Código Civil.

 

O parágrafo 1° do artigo nos ensina: o desvio de finalidade é utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e praticar ilícitos de qualquer natureza, contratual ou extracontratual.

 

Eis a complicação. O fechamento irregular de uma pessoa jurídica nada mais é do que um ato ilícito a afrontar diretamente o artigo 51 do Código Civil, no qual se encontram de forma clara as etapas necessárias para o encerramento da pessoa jurídica:

 

Em primeiro lugar a dissolução, a ser averbada na Junta Comercial competente;

 

E m segundo lugar a liquidação, momento do acerto entre devedores e credores;

 

Em terceiro e final lugar o registro de cancelamento de sua inscrição na Junta Comercial.

 

 

Assim, a lei determina. No entanto, mesmo os sócios cumprindo as etapas, com o encerramento legal da atividade, ainda podem ter seu patrimônio pessoal diretamente atingido, responsáveis que são por dívidas existentes, pelo prazo de até um ano, nos termos do art. 206, § 1º, inciso V.

 

O art. 206, §1º, inciso V, do Código Civil aponta o prazo de um ano (prescrição) a correr contra os sócios que fecham de forma regular a empresa e promovem, na forma da lei, a liquidação e o encerramento da sociedade empresarial.

 

Isso implica dizer que de certo modo a compreensão do STJ se choca com o regramento legal, pois o encerramento irregular da empresa nada mais é do que um término contrário à disposição legal, isto é, ato ilegal, motivo pelo qual haveria de ser causa suficiente para desconsiderar a personalidade jurídica e responsabilizar os sócios.

 

No instante em que a empresa executada descumpre a norma, negligenciando os procedimentos legais do art. 51 do Código Civil, deixa-se levar pelo animus de prejudicar o credor, pois age tanto de forma comissiva, porque não quita a dívida, como de forma omissiva, porque não realiza as etapas da lei nem promove o cancelamento de sua inscrição. Mesmo assim ganha uma verdadeira imunidade jurisdicional.

 

Em nossa análise o procedimento irregular de encerramento da atividade empresarial também se encontra sobre o território semântico do ato ilícito apontado no parágrafo 1° do art. 50 do Código Civil, ato doloso a caracterizar o desvio de finalidade.

 

Para o mesmo caso fático, porém, a regras jurídicas têm sido completamente distintas.

 

Na esfera tributária, presume-se dissolvida a empresa que deixar de funcionar em seu domicílio fiscal, sem comunicá-lo aos órgãos competentes. Questão suficiente para legitimar o redirecionamento da execução-fiscal para o sócio gerente.    

 

É o que diz a Súmula 435 do STJ.

 

Em outras palavras a dissolução irregular da empresa inclui o sócio representante a fim de que responda com seus bens em execução fiscal, já que preenchidos os requisitos da legitimação passiva; porém, de forma oposta, caso o credor não tenha a sorte de ser o Fisco, e sim o azar de um particular (Pessoa jurídica ou Pessoa Física), o encerramento irregular muda de figura, e não traz à responsabilidade dos sócios efeitos similares.

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Assim, para fatos jurídicos bastante próximos surgem consequências bastante diversas. Não cabe falar de prevalência do Princípio da Supremacia do interesse Público sobre o privado. A causa é justamente o inadimplemento financeiro da obrigação.

 

Analisar somente do ponto de vista do fechamento irregular é garantir a impunidade, privilegiando a ilegalidade, pois a situação fática amolda-se perfeitamente e afronta diretamente os artigos 186, 187 e 927, diante da conduta ilegal tanto da sociedade empresária quanto de seus representantes.

 

Pois bem, fechada a empresa de forma irregular, os bens dos sócios não serão atingidos, pois o judiciário não permite a desconsideração da personalidade jurídica pelo encerramento irregular da sociedade.

 

Em contrapartida, suposto que siga os passos da lei e finalize a atividade empresarial regularmente, mesmo assim em até um ano restará a persegui-lo incansável a responsabilidade por dívidas da pessoa jurídica, a permitir ação diretamente contra os sócios.

 

Pune-se o cidadão que cumpre a lei e beneficia-se aquele que contra ela age de má-fé, sendo agraciado com a uma inexplicável atenuação de responsabilidade jurídica.

 

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a sucessão processual e a responsabilidade civil são institutos diferentes, é verdade, mas confluem para o mesmo objetivo: atingir a pessoa física e os sócios da empresa.

 

A lei protege quem age corretamente, já o judiciário, de forma atípica, tem legislado e interpretado de forma diversa ao ordenamento jurídico.

 

Hoje, se uma empresa passa por dificuldades, pode-se fechá-la de qualquer jeito, e a pessoa física não terá por isso nenhuma responsabilidade, como se a norma ali fosse inutilidade dispositiva. Por outro lado, fechando-a regularmente, tudo o que encontrará o bom cidadão será a responsabilização direta por ter agido de acordo com a lei.

 

É exatamente isto que propomos mudar. Insistimos: é preciso defender os legítimos direitos e interesses dos credores, não dos devedores, especialmente quando marcados pelo signo da má-fé. O Direito, repita-se, não se presta ao torto e não pode ser usado de modo inconfessável.

 

Quando se busca a efetividade de uma decisão judicial não se tem apenas homenageado o credor, a parte vencedora de um litígio, mas também se vê respeitado o próprio Poder Judiciário e, ainda mais importante, dignificada a verdade!

 

 

Gisele Feliciano

Rubens Walter Machado Filho

Paulo Henrique Cremoneze

Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados

E-mail: [email protected]

www.mclg.adv.br

 

Sobre os autores
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Giselle Feliciano

Advogada, colaboradora do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados, mediadora e dentista.

Rubens Walter Machado Filho

Advogado, sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados e administrador de empresas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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