1. Introdução
A superlotação e a falta de estrutura nos presídios brasileiros é algo que há muito tempo estampa a capa dos jornais. O caos do País com a quarta maior população carcerária do mundo está relacionado com a criminalização da pobreza que promove um encarceramento em massa de pessoas que vivem em regiões periféricas e observam de perto a presença do crime organizado.
Porém, diante da atual pandemia ocasionada pelo coronavírus, os presos presenciam mais ainda o abandono do Estado. Diante deste cenário, torna-se imprescindível a análise do que tem sido feito e como se encontra a atual realidade do sistema carcerário do Brasil.
2. Abordagem Teórica
2.1. Coronavírus (Covid-19)
É de conhecimento de toda população brasileira sobre a atual pandemia do Coronavírus, tecnicamente conhecida como Covid-19. Já são quase 4 milhões de pessoas contaminadas em todo o mundo, o Brasil atualmente apresenta um cenário de alta gravidade com uma média de 163 mil pessoas infectadas e mais de 11 mil mortos.
Segundo o Ministério da Saúde a transmissão do vírus acontece através de gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro e mediante o contato com objetos contaminados. E aponta como medidas de prevenção o uso constante de higienização com álcool em gel, manter os ambientes limpos e ventilados, o uso constante de máscaras de proteção quando estiver em ambientes públicos [1]. Além de várias outras medidas de higienização que devem ser tomadas para evitar o contágio e a transmissão dessa enfermidade.
2.2. Breve análise do Sistema Penitenciário
Segundo o último informativo apresentado pelo INFOPEN, sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, o Brasil, em junho do ano de 2017, apresentava uma população prisional de 726.354 (setecentos e vinte e seis mil, trezentos e cinquenta e quatro) presos dentre 1.507 unidades prisionais por todo o país [2].
Dados mais recentes, de dezembro de 2019, mostram um aumento de 21.655 mil presos. E o montante de mais de 222 mil presos provisórios [3], aqueles que ainda não receberam uma sentença condenatória mas foram presos mediante prisão preventiva. Tamanha grandiosidade dessa população aponta dados alarmantes, fatores que representam uma problemática ainda maior em vista da situação precária em que se encontram essas unidades.
Movido por essa análise, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), promoveu no ano de 2015 a ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 347, objetivando o reconhecimento e superação do Estado de Coisas Inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro em face ao descumprimento e violações de direitos e garantias constitucionais dos presos, em decorrência da omissão dos Poderes da União e de seus Estados-Membros.
Bem como afirmado na Petição Inicial da referida ADPF “As prisões brasileiras são, em geral, verdadeiros infernos dantescos, com celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos. Homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por agentes do próprio Estado.”[4] Mostrando uma realidade ainda mais obscura desse sistema.
Também conhecido como “masmorras medievais” o sistema padece cada vez mais em uma realidade sem informações promissoras. Embora com a decisão de reconhecimento de Estado de Coisa Inconstitucional, criticado por Lênio Streck [5] que não vê com bons olhos a declaração de inconstitucionalidade de coisas, temendo uma banalização do instrumento de análise da constitucionalidade das normas. Bem como a ofensa que poderia levar ao princípio da separação dos poderes.
De todo modo, embora com a aplicação de medidas previstas na decisão dessa ADPF, ainda assim há muito a ser feito em prol de uma melhoria nessa realidade caótica que fora surpreendida pelo atual cenário de pandemia.
2.3. Covid-19 nas Prisões
Conforme compreendido, o rápido contágio e transmissão do Covid-19, fica claro que os presos são ainda mais vulneráveis do que os cidadãos livres, a esse tipo de contágio. Diante dessa situação de confinamento, onde há pouco espaço para muitas pessoas reunidas em ambientes superlotados, fica claro que o contágio, se houver, acontecerá em massa e levará a uma situação de colapso.
Diante deste cenário, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) apresentou nota de posicionamento sobre preparação e respostas à COVID-19 nas prisões [6]. Visando apontar medidas de urgência que devem ser implementadas para o tratamento de prisioneiros, a fim de protege-los bem como à pessoas fora desse ambiente, pois em algum momento essas pessoas que estão sob custódia do Estado retornarão para a sociedade fomentando a continuidade na disseminação do vírus sem falar nos agentes penitenciários e policiais que mantém contato com os custodiados, desse modo falar sobre esse assunto é uma responsabilidade de todos, sobretudo do Estado.
Em vista dessa situação, dentre as medidas apontadas pelo UNODC estão criação de uma força trabalho formada pela equipe penitenciária e os profissionais da saúde, para trabalhar na identificação de casos suspeitos entre os servidores e os presos, alcançar medidas de prevenção e controle da infecção; Triagem na entrada das prisões, para a realizar a avaliação de risco dentre as pessoas que entram na prisão, servidores ou visitantes; bem como a limitação ou restrição de visitas; o isolamento daqueles que forem confirmados com Covid-19, como outras medidas.
Ademais deve ser concedido à esses presos os métodos de higiene pessoal para a sua proteção, tal como água e sabão ou álcool em gel para higienização das mãos; distribuição de máscaras, e informação sobre o atual cenário promovendo medidas de prevenção. [7].
Nesse diapasão, deve-se ter em mente que já existem regras apresentadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) que caso fossem acatadas, diminuiriam significativamente o risco do contágio. São as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, também conhecido com Regras de Nelson Mandela, que visam a manutenção de direitos fundamentais dentro das prisões.
Bem como previsto em sua regra de Regra 18 que afirma o seguinte: “Deve ser exigido a todos os reclusos que se mantenham limpos e, para este fim, ser-lhes-ão fornecidos água e os artigos de higiene necessários à saúde e limpeza.” [8]. Bem como direito à segurança, dignidade, serviços médicos, alimentação, dentre outros direitos fundamentais mínimos assegurados pela Constituição Federal, mas que não são aplicados na prática cotidiana do sistema. [9].
2.4. Covid-19 nas Prisões do Brasil
Segundo dados apresentados pelo INFOPEN, no dia 06/05/2020, existem no Brasil 369 presos contagiados pela pandemia, 274 casos suspeitos e 16 mortos.[10]. O que não reflete bem a realidade dos fatos, visto que os dados apresentados pela Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesip) informou no dia 08/05/2020 que haviam 270 presos com Covid-19 e 90 recuperados, somente no Distrito Federal. [11]. Em Pernambuco existem atualmente 80 reeducando confirmados com Covid-19, conforme dados apresentados pela Secretaria Estadual de Saúde.[12]. De modo que é quase inviável a contabilização total dos afetados, em vista até mesmo da falta de testes.
Diante dessa situação grave de saúde pública o Ministério da Justiça viu como saída a criação de vagas de contêiner como instalação temporária para o isolamento dos presos que estivessem no grupo de risco, como idosos, diabéticos, hipertensos e asmáticos. E outros contêineres parte para isolamento daqueles que já haviam sido contaminados, mas ainda não apresentavam o quadro grave da doença [13].
Medida que fora criticada por instituições como Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM, Associação Juízes para a Democracia e Conectas Direitos Humanos, dentre outras instituições, em prol do uso de outra forma de isolamento que não seja o uso do contêiner, que piora a situação dos custodiados em vista da baixa ventilação e altas temperaturas nesses tipos de ambientes, conforme constatado em situações anteriores.[14].
2.5. Medidas tomadas pelo Depen e Ministério de Segurança
O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) na tentativa de amenizar os impactos da pandemia nos presídios, apresentou algumas de suas medidas tomadas ao longo do mês de abril. Dentre as principais medidas, a primeira delas foram a suspensão das visitas sociais e de advogados aos presídios federais. Com exceção de medidas urgentes que justificassem a urgência.[15]
O Ministério de Justiça e Segurança Pública e o Depen, apresentaram um procedimento operacional padrão com medidas de controle e prevenção do coronavírus no sistema penitenciário nacional [16]. Apontando medidas enumeradas para direcionar o combate a pandemia, bem como isolamento dos casos suspeitos. Em conformidade com a portaria nº 135/2020 do Ministério de Justiça.
De modo que se espera que as suas medidas e portarias tenham aplicabilidade imediata, em uma atuação preventiva. Visto que a atuação repressiva dos estados para atendimento da população já começa apresentar falhas pois não existem leitos suficientes para todos. Diante desse fato, a atuação preventiva nos presídios é de importância imprescindível.
3. Conclusão
O atual cenário de pandemia, modificou a realidade social dos brasileiros. Medidas de distanciamento são reiteradamente afirmadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como medida de prevenção ao Covid-19. Dentro desse cenário complicado, torna-se imprescindível a análise sobre a situação degradante em que se encontram os presos no país.
A análise das medidas apresentadas pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), para combater o vírus dentro dos presídios são de extrema necessidade e devem ser acatadas pelas penitenciárias de todo o país.
A análise do risco é clara, um contágio em massa dentro desses ambientes, considerado Estado de Coisas Inconstitucional, pode ser fatal e levar a morte de vários custodiados, o que também representa um grande risco para os agentes que trabalham nesse ambiente, policiais e suas famílias.
Dessa forma, dentre a competência concorrente dos Estados para tratar sobre a saúde pública, os mesmos devem acatar e tentar implementar as medidas apresentadas Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e Ministério de Justiça e Segurança Pública. Visando a amenização dos impactos que essa pandemia pode causar a sociedade.
4. Referências Bibliográficas
[1] https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#transmissao
[2]http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf
[3]https://app.powerbi.com/viewr=eyJrIjoiZTlkZGJjODQtNmJlMi00OTJhLWFlMDktNzRlNmFkNTM0MWI3IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9
[4] http://www.jota.info/wp-content/uploads/2015/05/ADPF-347.pdf
[5]https://www.conjur.com.br/2015-out-24/observatorio-constitucional-estado-coisas-inconstitucional-forma-ativismo
[6]http://depen.gov.br/DEPEN/UNODC_NotadePosicionamentoCOVID19Virus_PreparedbyNN.pdf
[7]http://depen.gov.br/DEPEN/copy_of_PrevenodoCOVID19nasprisesRecomendaesONU11.pdf
[8]https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-P-ebook.pdf
[9] https://www.conectas.org/noticias/voce-conhece-regras-de-mandela
[11].http://www.ssp.df.gov.br/%f0%9f%93%8asexta-feira-8-sesipe-instala-drive-thru-no-complexo-da-papuda-para-testar-servidores/
[12].https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/05/08/dois-dias-apos-primeira-confirmacao-de-morte-numero-de-presos-com-coronavirus-mais-que-dobra-em-pe.ghtml
[13]https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/com-mortes-por-coronavirus-ministerio-da-justica-quer-vagas-para-presos-doentes-e-idosos-em-conteineres.shtml
[14]https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2020/04/Apelo-Urgente-container-.pdf
[15] http://depen.gov.br/DEPEN/prevencao-ao-covid-19-no-sistema-prisional-informacoes-complementares
[16]http://depen.gov.br/DEPEN/copy_of_POPCoronaVirus2REVISO2303202.pdf