A execução deve satisfazer o credor de modo que ele obtenha o mesmo resultado esperado caso o devedor cumprisse de forma voluntária a execução. A referida fase deve ser feita pelo modo menos gravoso para o executado (art. 805 do NCPC). A impenhorabilidade de certos bens cumpre com o princípio da dignidade humana, que garante o bem-estar de os cidadãos.
O Código de Processo Civil de 1973 – CPC/73 previa a impenhorabilidade absoluta dos vencimentos:
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de
aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade
de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de
trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no
§ 3 o deste artigo (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
O Código de Processo Civil de 2015 - CPC/2015 suprimiu o termo “absolutamente”:
Art. 833. São impenhoráveis:
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os
proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as
quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e
de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional
liberal, ressalvado o § 2º.
Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários
consagrada no art. 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da
maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a
sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor
podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência
digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de
situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência
digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação
equivocada do princípio do patrimônio mínimo[1](Grifei).
É possível defender a flexibilização do dispositivo, permitindo-se a penhora de os vencimentos. É excepcionada a regra da impenhorabilidade de vencimentos quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, de acordo com embargos de divergência em recurso especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça[2]. Nesse caso, o executado auferia renda mensal no valor de R$ 33.153,04, tendo sido deferida a penhora de 30% da quantia.
Criou-se assim, um critério subjetivo que seria a análise de percentual de salário que seria capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Pela expressa previsão do Código de Processo Civil esse valor seria de 50 salários mínimos e somente o percentual que suplantar esse valor pode ser penhorado. Entretanto, pelo entendimento jurisprudencial, se dez salários forem suficientes para dar guarida à dignidade do devedor, os outros 40 salários poderiam ser penhorados[3]. (Grifei).
Não é possível qualificar as regras de impenhorabilidade absoluta como regras cogentes, e as regras de impenhorabilidade relativa, como regras dispositivas. Entende-se que a “diferença entre essas regras está no âmbito de oponibilidade do direito à impenhorabilidade: a qualquer credor, no caso da impenhorabilidade absoluta; a alguns credores, no caso da relativa”, segundo Didier[4].
Em virtude dos fatos mencionados, concluo que, com apoio jurisprudencial, é possível defender que o artigo 833 do NCPC é relativo, a alguns credores. O exequente deve ter satisfeita a obrigação para que não seja prejudicado na relação jurídica existente com o executado. A execução recai sobre o patrimônio do devedor, sendo assim, ele não é prejudicado. No momento em que o indivíduo firma um negócio, deve cumprir com as suas obrigações. No caso do julgado citado anteriormente, a penhora de 30% dos seus vencimentos não lhe prejudicou, visto que, o que lhe resta de seus vencimentos garante a sua manutenção e da sua família e nem infringe a dignidade deles. O não cumprimento da obrigação atrapalha o direito do exequente.
Ainda que seja correto, no presente caso, a penhora de os vencimentos, contrariar norma expressa legal cria uma insegurança jurídica. O artigo 833 do CPC/2015 não aponta expressamente se o rol é relativo ou obrigatório, entretanto, seria melhor que fosse aplicada a impenhorabilidade dos vencimentos, garantindo assim segurança jurídica e uniformidade. Uma alternativa interessante é projeto de lei que objetive acrescentar um parágrafo ao referido artigo, que expresse a excepcionalidade da impenhorabilidade quando a dignidade da pessoa humana não for ameaçada e aponte em quais casos seriam possíveis. Segurança jurídica e uniformidade.
Referências bibliográficas
1 - Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.320
2 - EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018
3 - MOLLICA, R. et al. A mitigação da penhora dos salários pelo Superior Tribunal de Justiça. Migalhas. Publicado em 16 de maio de 2019.
4 - DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: execução. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. v. 5.