Democracia e empobrecimento segundo Hans-Hermann Hoppe

13/05/2020 às 13:38
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O presente artigo é um estudo da obra Democracia: o deus que falhou, na qual o sociólogo e economista Hans-Hermann Hoppe promove uma dissecação do modelo democrático à luz da Economia e da História.

Sumário: 1. Introdução; 2. Monarquia versus democracia; 3. O surgimento do Estado; 4. Democracia e empobrecimento; 5. Sociedade de leis privadas; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.

1.    Introdução

     Nascido em 2 de setembro de 1949, na cidade de Peine, na antiga Alemanha Oriental, Hans-Hermann Hoppe estudou filosofia, sociologia e economia na Universidade de Frankfurt. Doutorou-se em filosofia sob a orientação do eminente intelectual alemão Jürgen Habermas. Contudo, sua carreira sofreu uma grande transformação ao entrar em contato com as ideias do americano Murray N. Rothbard (1926-1995) e do economista austríaco Ludwig Von Mises (1881-1973). Hoppe cresceu num ambiente profundamente marxista e teve como expoente Habermas, um teórico da Escola de Frankfurt de orientação neomarxista, ao ter contato as obras de Murray e Mises ele acabou abraçando a Escola Austríaca de Economia, de orientação ultraliberal, o que lhe causou problemas profissionais no ambiente acadêmico alemão. Sendo assim, Hoppe se mudou para os Estados Unidos para ser aluno de Rothbard, se tornando um libertário anarcocapitalista e, posteriormente, ambos se tornaram professores na Universidade de Nevada, Las Vegas (UNLV).

     Escritor profícuo, a obra mais famosa de Hoppe é seu livro Democracia: o deus que falhou, neste livro ele argumenta que o governo democrático provoca a degeneração moral e econômica dos países. Partindo da premissa libertária que Estado é uma organização ilegítima, que se impõe pela força e manipulação para praticar a predação das propriedades privadas de determinado território o autor ensina que na monarquia existe uma tendência à predação moderada, o que contribui para a geração de riqueza. Porém, na democracia essa tendência a moderação predatória desaparece quase por completo, causando empobrecimento. Mas apesar disso, lembremos que Hoppe não é um monarquista, mas um anarquista de livre mercado.

     O presente artigo visa sintetizar as principais ideias do livro em questão e ao fim, apresentar um paralelo entre a teoria nele apresentada e a história do Brasil.

2.    Monarquia versus democracia

     Segundo Hoppe (2014), a maneira correta de se interpretar a transição da monarquia absolutista para a democracia é pela ótica do conceito econômico de preferência temporal. Desenvolvida inicialmente pelos economistas Stanley Jevons e Eugen Von Böhm-Bawerk as “taxas de preferência temporal” denominam a relação humana entre consumo e tempo. Isto é, partindo-se da premissa de que o ser humano consome visando sair de um estado de menor para um estado de maior satisfação, conclui-se que os homens tendem a preferir o consumo presente ao consumo futuro. Produzir para o consumo imediato reflete uma alta preferência temporal, entretanto quando ao perceber questões como sua expectativa de vida, a instabilidade de produção que fatores naturais como secas e enchentes ou momentos de saúde plena e saúde debilitada exercem sobre sua qualidade de vida futura o homem tende a moderar seu consumo no tempo presente em favor de consumi-lo futuramente, baixando sua taxa de preferência temporal. Segundo a Escola Austríaca de Economia esse fator vai determinar, por exemplo, a taxa de juros em um contexto de livre mercado bancário:

Assim, aquelas pessoas que tenham uma baixa preferência temporal, estarão dispostas a renunciar a bens presentes em troca de conseguir bens futuros com um valor não muito maior, e efetuarão trocas entregando seus bens presentes a outros que tenham uma preferência temporal mais alta, e portanto, valorizem com mais intensidade relativa o presente do que o futuro. O próprio ímpeto e perspicácia da função empresarial leva a que em sociedade tenda a determinar-se um preço de mercado dos bens presentes relativamente a bens futuros. Pois bem, do ponto de vista da Escola Austríaca, a taxa de juros é o preço de mercado dos bens presentes em função dos bens futuros. (SOTO, 2010, p. 77)

     Aplicando o conceito de preferência temporal a relação entre monarquia e democracia, Hoppe (2014) explica que, como um monarca absoluto vê o território de seu país como sua propriedade privada perene no tempo, ou seja, ele tem a chefia vitalícia de governo e como após a morte ele pode passar o governo a um descendente direto então, o rei tende a exercer seu predatismo estatal de forma moderada, favorecendo a classe produtiva e aumentando a riqueza de seu país. Já na democracia, como o chefe de governo exerce um controle da coisa pública limitado no tempo por um mandato, como ele chegou ao seu posto por habilidades políticas e como ele não poderá repassar o governo a um descendente seu, então ele tenderá a uma predação irresponsável da riqueza que é produzida naquele país. Em outras palavras, um rei tende a uma baixa preferência temporal enquanto um governante democrático tende a uma alta preferência temporal.

     Para uma melhor compreensão do até aqui descrito sobre a obra de Hoppe, precisamos entender o pressuposto do autor em relação a origem do Estado. Hans é um libertário anarcocapitalista, e por esta razão ele rejeita as teorias contratualistas a respeito do surgimento do Estado. A teoria adotada pelo autor a respeito do surgimento estatal é a do “Bandido Estacionário”, tal qual proposta pelo sociólogo alemão Franz Oppenheimer e posteriormente trabalhada por autores como o professor de Hoppe, Murray Rothbard.

3.    O surgimento do Estado

     Franz Oppenheimer (2018) ensinou sobre a existência de apenas dois modos de se alcançar riquezas. O primeiro modo é pela produção e comércio, ou seja, é o meio pelo qual empresários e trabalhadores se sustentam, esse modo foi denominado pelo sociólogo de meio econômico. O segundo modo de conseguir riquezas é por meio do espólio, do roubo contra os que produzem suas riquezas, este modo o autor denominou de meio político. O Estado para Franz é a organização dos meios políticos; é a sistematização do processo predatório sobre um determinado território. Nas palavras do mais importante influenciador de Hoppe:

O Estado provê um canal legal, ordenado e sistemático para a predação da propriedade privada; ele garante uma provisão certa, segura e relativamente “pacífica” para a casta parasítica na sociedade. Dado que a produção deve sempre preceder a predação, o livre mercado é anterior ao Estado. O Estado nunca foi criado por um “contrato social”; ele sempre nasceu da conquista e da exploração. O paradigma clássico era uma tribo conquistadora que decidiu dar uma pausa no seu método secular de pilhagem e assassinato das tribos conquistadas ao perceber que a duração do saque seria mais longa e segura – e a situação mais aprazível – se às tribos conquistadas fosse permitido viver e produzir, com os conquistadores erigidos a governantes exigindo um tributo anual constante. (ROTHBARD, 2019, p. 23;24)

     Podemos compreender então, a partir da teoria do “bandido estacionário” a premissa de Hoppe que o leva a analisar a ação dos governantes, rei ou presidente/primeiro-ministro, como uma ação típica de parasitagem das propriedades privadas.

4.    Democracia e empobrecimento

     Sob a ótica de Hans-Hermann Hoppe, democracia leva a empobrecimento. Vejamos, o autor conclama em sua obra que os leitores façam  o seguinte trabalho imaginativo: imaginemos que se instale no mundo um Estado global, imaginemos também que esse Estado assuma a forma de uma república democrática com sufrágio universal e então, pode-se concluir que o governo seria, muito provavelmente, eleito por uma coligação entre a índia e a china. Uma vez instalada essa coalizão governamental, a estrutura democrática tende a leva-los a ver os outros países, em especial o Ocidente, como países com uma excessiva concentração de riquezas em relação ao Oriente, em especial Índia e China, logo se criaria um grande programa de redistribuição de riquezas visando beneficiar os países que sustentam a coligação governante.

     Hoppe (2014) mostra que a Primeira Guerra Mundial terminou com o modelo democrático alcançando a hegemonia em relação à monarquia, processo que teria se iniciado com a Revolução Francesa e terminado com o fim do Império Austro-Húngaro. Desde então, argumenta o autor, o que ocorreria numa democracia global aconteceu em todos os países que adotaram a democracia, iniciou-se um processo global de transferência de renda. O problema é que transferência de renda gera pobreza, pois ao tirar dos mais produtivos para dar aos menos produtivos o governo pune a produtividade e premia a não produtividade. Além disso, o assistencialismo promove um aumento da preferência temporal na sociedade na medida que a poupança passa a ser menos atraente que o consumo. Dada a natureza do processo de transferência de renda, a população beneficiada precisa fazer aquela moeda girar, pelo fato de que nesse processo não foi criada riqueza, apenas redistribuída. Sendo assim, em primeiro lugar se aquela riqueza não girar vai haver cada vez menos de onde se tirar mais riqueza, em segundo lugar não há incentivos para poupar um dinheiro que não veio do seu trabalho, ainda mais que o indivíduo recebedor tem a certeza que no futuro será novamente agraciado.

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     Os defensores do assistencialismo estatal costumam defender suas posições alegando o cuidado aos mais pobres. Hoppe contra-argumenta mostrando o exemplo da educação superior gratuita oferecida pelo Estado, na qual se verifica estudantes vindo de famílias ricas tendo seus estudos universitários pagos pelas famílias mais pobres, cujos filhos dificilmente tem chances de chegar a estudar nessas universidades públicas. Segundo o autor, pela lógica democrática o óbvio é ocorrer, nas palavras do economista francês Frédéric Bastiat, “um sistema onde todos querem viver às custas de todos”. Assim sendo, a maneira mais eficaz de ajudar os mais pobres a sair da pobreza é favorecer à poupança, empreendedorismo e aumento da produtividade, criando riqueza e não apenas redistribuindo a que já existe.

5.    Sociedade de leis privadas

     Ao contrário do que possa parecer, Hans-Hermann Hoppe não é um fervoroso defensor da monarquia absolutista. Hoppe é um crítico a toda forma de Estado, é um libertário anarcocapitalista.

     Anarcocapitalismo, ou anarquia de livre mercado, é um uma filosofia ético-política baseada na propriedade privada. Começando na ideia de autopropriedade, ou seja, propriedade do próprio corpo e as consequências lógicas disso, como a apropriação original da terra através da mistura do trabalho humano com a terra, gerando um direito de propriedade sobre a terra trabalhada. Partindo dessa ideia, entende-se por crime todo comportamento baseado na agressão a propriedade privada. O Estado se apresenta como um defensor da vida e da propriedade, mas ao mesmo tempo o Estado é um permanente agressor da propriedade privada por meio de tributação e, tributando-o também desrespeita a autopropriedade e ameaça a vida dos que contra ele resistir. Sendo assim, o Estado é protetor e agressor dos mesmos bens jurídicos o que faz a ideia cair numa contradição performativa, pois ninguém pode proteger e agredir algo ao mesmo tempo.

     Diante da ilegitimidade estatal, os anarcocapitalistas propõem uma sociedade de leis privadas. Nas quais, os serviços hoje monopolizados pelo Estado, justiça e segurança, serão oferecidos por empresas privadas, baseadas no princípio de não-agressão e em contratos livres com cláusula de saída. Segundo Hoppe, esse é o único sistema condizente com a natureza das coisas, bem como com a natureza humana, capaz de oferecer segurança e geração de riqueza que beneficiaria a todos, inclusive os mais pobres.

6.    Conclusão

     Hans-Hermann Hoppe, oferece uma crítica consistente e bem fundamentada a democracia moderna. Suas críticas aliás, podem inclusive fortalecer a própria democracia, que atualmente se encontra em crise em todo o mundo.

     Ao olharmos o Brasil, vemos tal crise em processo de aprofundamento. As instituições democráticas nunca foram, em regra, motivo de orgulho para o povo brasileiro. Contudo, com o passar dos anos as pessoas condenam cada vez mais o trabalho dos 3 poderes que constituem nossa república.

     A classe política que compõe o executivo e legislativo é, em regra, vista pelo grosso da população como uma casta parasítica focada nos seus próprios interesses. O judiciário, que por muito tempo se viu distante do julgamento popular, está também cada vez mais identificado tal qual a classe política. Essa situação reforça bastante os estudos de autores como Hoppe e Franz Oppenheimer.

     O Brasileiro médio possui uma visão um tanto quanto estatista da realidade, sobretudo da realidade econômica. Isso se reflete na classe política que é adepta fiel da redistribuição de riqueza, não coincidentemente, ocupamos segundo o Fórum Econômico Mundial, a posição 71º no Ranking Global de Produtividade. O conselho de Hoppe para o brasileiro é simples, descentralização administrativa e respeito a propriedade privada.

7.    Bibliografia

HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: o deus que falhou; tradução de Marcelo Werlang de Assis. – São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2014.

OPPENHEIMER, Franz. The State. New York: Perennial press, 2018.

PEDUZZI, Pedro. Brasil é o 71º em Ranking Global de produtividade, indica relatório. Brasília: Agência Brasil, 2019. Disponível in: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-10/brasil-e-o-71o-em-ranking-global-de-competitividade-indica-relatorio > Acesso em 07/05/2020.

ROTHBARD, Murray N. Anatomia do Estado; tradução de Matheus Pacini – Campinas, SP: Vide Editorial, 2019.

SOTO, Jesus Huerta de. A Escola Austríaca: mercado e criatividade empresarial. – São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010.

Sobre o autor
Atos Henrique Fernandes

Pesquisador e escritor

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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