A aplicação prática da chamada “cláusula coronavírus” está baseada no artigo 91 do “Decreto Cura Italia” ( DL 18/2020) e têm sido um instrumento de grande valia para os italianos nas suas relações comerciais nesse momento.
Todavia, alguns juristas italianos entendem que essa cláusula pretende liberar os devedores de todas as suas obrigações, ou seja, já existem discussões jurídicas sobre o tema, como afirma o Professor Grampaolino no site Il sole 24 ore.
Nesse contexto, encontramos várias cartas formuladas por diversas associações italianas e de várias categorias que invocam um direito presumido para requerer a suspensão dos aluguéis, graças a “cláusula coronavírus” ou a possibilidade de estender o prazo de pagamento pelo período de duração da quarentena, e com uma progressiva redução de valores para períodos pós-quarentena.
Todavia, o respectivo decreto do governo italiano afirma que as medidas de isolamento social podem ser considerados como justa causa, para não imputar ao devedor o inadimplemento da prestação assumida, mas como ligar esse problema ao não pagamento de aluguel, por exemplo?
A medida de isolamento social impede a abertura do negócio, e a obrigação do locador é garantir ao locatário o usufruto do imóvel, todavia o entendimento de alguns operadores do direito é que tal situação não impede totalmente o cumprimento da obrigação, até mesmo, apenas em parte, porque mesmo que o negócio esteja fechado, a empresa poderá exercer suas atividades através do e-commerce.
O “Decreto Cura Italia” introduziu uma regra de considerável interesse para as relações comerciais naquele país, que pode servir de exemplo para os demais países, uma vez que no artigo 91 do referido decreto está previsto que a conformidade com as medidas de quarentena serão avaliadas com o objetivo de excluir a responsabilidade do devedor pelo inadimplemento ou pagamento tardio.
A mesma regra também estabelece que o cumprimento das medidas de contenção pode excluir a aplicação de qualquer perda ou multa prevista contratualmente em caso de atraso ou omissão no cumprimento da obrigação. Nas relações de fornecimento de produtos e serviços, será necessário distinguir entre as relações existentes e as que ainda não foram estabelecidas.
Na Itália, casos de caso fortuito e força maior poderão ser invocados quando essa possibilidade estiver prevista no contrato, ou as regras do sistema italiano serão aplicadas ( incluindo o art. 91 do Decreto Legislativo "Cura Italia”) nas relações entre empresas no contexto atual da emergência sanitária.
No caso de contratos de fornecimento, por exemplo, dependendo do caso, poderá ser invocada a impossibilidade total ou parcial de prestar o serviço, e como o contrato de fornecimento é um contrato duradouro, poderá ocorrer a renegociação dos termos contratuais, nos quais, a carga onerosa excessiva se configurou, ou seja, nas novas relações de fornecimento, o cenário deverá ser o estímulo à introdução nesses contratos, de cláusulas de força maior bem estruturadas e articuladas.
No Brasil, começam a surgir inúmeros pedidos na justiça, como previsto, com o escopo de pedir a suspensão das cobranças dos aluguéis por empresas que alegam que suas atividades consideradas não essenciais foram afetadas de forma drástica pela paralização do comércio, que foram medidas urgentes determinadas pelo poder público em razão da pandemia da Covid-19.
A principal alegação é a queda no faturamento das empresas e as dificuldades econômicas que irão persistir, mesmo havendo uma abertura gradual do comércio.
Em recente decisão proferida em um processo que tramita na 1a. Vara Cível da Comarca de Ponta Grossa (PR), a juíza reconheceu a queda de receita de uma revendora de veículos nos meses de março e abril de 2020 em comparação aos meses anteriores, todavia a magistrada negou o pedido liminar de suspenção de cobrança do aluguel porque entendeu que a pandemia não fora determinante para a referida indimplência. ( Autos 0013784-68.2020.8.16.0019 )
Na decisão, a magistrada afirmou que não houve comprovação da existência de um nexo de causalidade determinante entre o advento pandemia, decorrente da Covid-19, e a inadimplência, mas verificou-se naquele caso uma falta de planejamento da empresa, porque a emergência sanitária era fato público e notório, e ainda, que a empresa requerente pôde retornar as suas atividades antes das demais devido a um decreto municipal que permitia tal possibilidade, ou seja, no entendimento da magistrada a empresa deveria ter se programado a fim de saldar com seus compromissos.
A questão a ser analisada nesses casos, até para a eventual impetração de um pedido nesse sentido, é se o fechamento do estabelecimento comercial decorrente de caso fortuito e força maior por determinado período, bem como, se o exercício das atividades de forma restrita, que é regulada pelo Município, seria razão proeminente para a suspensão da exigibilidade dos aluguéis e encargos da locação de um estabelecimento comercial.
Insta salientar, que está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei n. 1179/2020 que trata do regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado no período da pandemia, o qual, encontra-se na Câmara dos Deputados tramitando em regime de urgência.
O referido diploma legal reza que não serão concedidas liminares para a desocupação de imóveis urbanos em ações de despejo propostas a partir de 20.03.2020, e que a suspensão total ou parcial de aluguéis vencidos a partir de 20.03.2020 somente será aplicado aos locatários residenciais.
Nesse contexto, a Lei de Locações não estabeleceu a possibilidade de suspensão da exigibilidade dos aluguéis e encargos de locações não comerciais em caso de força maior, por exemplo.
O que seria importante verificar ainda nesses pedidos de suspensão de exigibilidade de aluguéis, é se há possibilidade de verificar a existência de despesas permanentes, futuras e de alto valor, por exemplo, e se a parte que está requerendo essa suspensão poderia, sem prejuízo de suas atividades, ter ser se programado com antecedência e reservado parte da sua receita bruta para o pagamento antecipado da locação.
Podemos concluir que, no Brasil, pelo menos nesse momento, cada caso será analisado pelo Poder Judiciário conforme as suas peculiaridades, portanto os pedidos deverão ser bem fundamentados e documentados, caso as partes envolvidas não tenham conseguido um acordo amigável.