Em abril do ano corrente, o Supremo Tribunal Federal julgou dois Habeas Corpus distintos, no qual ambos sustentavam a configuração de nulidade absoluta no decorrer do processo por violação aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
A nulidade é o reconhecimento feito pelo julgador de que um ato foi praticado em desconformidade com a lei, logo é uma garantia aos cidadãos que o processo respeite as normas em vigor. O Juiz não pode praticar os atos processuais sem o respaldo da lei, de modo que, se o ato violar princípios constitucionais o prejuízo é presumido por ser tão grave que precisará ser refeito desde o ato viciado.
A violação direta dos princípios constitucionais torna patente a existência do prejuízo, de modo que, sequer a parte precisa demonstrar tal prejuízo. Cabe destacar que o direito penal lida com a liberdade do indivíduo, direito este, fundamental.
As garantias não devem ser violadas sob qualquer hipótese, não é razoável violar tais direitos sob pretexto de fazer “justiça”, “dar efetividade ao processo”, é preciso seguir as regras do jogo Constitucional para condenar as pessoas que supostamente praticaram atos ilícitos.
O Habeas Corpus sob o nº 175.048 é referente a um paciente que foi condenado pelo tribunal do júri a pena de 28 anos de prisão em regime fechado e a alegação do remédio constitucional tinha como fundamento à violação ao contraditório e ampla defesa pelo fato da defesa ter utilizado apenas 3 minutos dos 90 minutos previstos no Art. 477 do CPP, apesar do Ministério Público ter utilizado de uma hora e meia, consoante prevê o citado artigo acima.
O aludido HC teve como Ministra Relatora Carmem Lucia e foi julgado pela 2º Turma do STF, no qual os julgadores concluíram que a atuação “mais que sucinta” do advogado de defesa não pode ser entendida como ausência de defesa, logo não deve ser reconhecida a nulidade absoluta. E sim, relativa, devendo a parte demonstrar o efetivo prejuízo, o que pelos Ministros não foi demonstrado.
A Constituição Federal de 1988 assegura a todos o princípio do contraditório e ampla defesa, em especial, no processo penal que pode atingir o cerceamento da liberdade de um cidadão. O tribunal do júri é um julgamento sui generis pelo fato da decisão ser imotivada, os jurados não são obrigados a ter conhecimento jurídico, o que me reservo a criticar o procedimento do tribunal do júri em outro artigo, e por tal razão são diversos fatores que influenciam a decisão dos jurados.
Dessa forma, é garantida uma paridade de armas entre a acusação e defesa, logo a defesa técnica não pode ser deficiente. E, não paira dúvida, que uma sustentação de três minutos no plenário do tribunal do júri sequer dar tempo de explicar o fato aos jurados.
A súmula nº 523 do STF prevê que a ausência de defesa gera nulidade, fica evidente que uma sustentação de três minutos é ausência de defesa e não deficiência. É insustentável defender um réu, em qualquer procedimento, apenas com três minutos de fala.
Esse tempo mínimo utilizado pela defesa não pode ser visualizado como estratégia do advogado do réu, e sim, ausência da defesa.
Fica claro que em três minutos o patrono do réu não teve tempo de manifestar sobre as imputações constantes na decisão de pronúncia. Logo é patente a violação ao contraditório e ampla defesa. E por consequência, configura a nulidade absoluta, pois o prejuízo do réu é presumido.
Nesse mesmo sentido, o HC sob o nº 164.535 relativizou a nulidade no que refere a violação ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa e o sistema acusatório previsto no CPP. Pois os julgadores entenderam que não configura nulidade absoluta o juiz interrogar as testemunhas antes dos advogados, visto que para o Ministro Relator Alexandre de Moraes o artigo 212 do CPP não veda o juiz fazer inquirição prévia.
O legislador ao elaborar as normas no que refere ao direito penal e processo penal precisa ter o máximo de cuidado para evitar palavras e frases dúbias, genéricas, evitando assim, as divagações dos intérpretes, pois as interpretações podem resultar em grandes abusos e perseguições, o que é bastante perigoso, em especial, na seara penal que trata-se de liberdades individuais.
Nesse sentido, analisando o art. 212 do CPP não é imaginável interpretação diversa, no qual as partes perguntarão primeiro e o juiz poderá complementar sobre os pontos não esclarecidos. Ora, não foi à toa que o legislador inseriu tal previsão no artigo citado, o fundamento utilizado consiste no respeito ao sistema acusatório, haja vista o Juiz ser mero espectador das provas, pois as partes que tem a auto-responsabilidade de produzir suas provas.
Não é razoável que Ministros do Supremo Tribunal Federal detentores de vasto conhecimento jurídico relativize o prejuízo sofrido pelo réu ao ter o Juiz iniciado à inquirição às perguntas, o juiz não pode agir na produção probatória com parte, pois um juiz-ator funda um processo inquisitorial, conforme ensinamentos do brilhante Professor Aury Lopes jr.
O Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição Federal tem o papel importantíssimo em frear os anseios populares de fazer justiça sem o devido processo legal. Pois o cidadão que está sendo acusado de ter praticado um crime precisa ser julgado por Juízes imparciais e que respeite todos os direitos previstos em Lei.
O dever constitucional do Poder Judiciário é de julgar e aplicar as leis previstas no ordenamento jurídico e não utilizar de suas decisões para combater a criminalidade, diminuir a corrupção e acabar com a impunidade. O direito de defesa não pode nunca ser subtraído para dar azo a uma falsa sensação de Justiça, o que vem acontecendo nos últimos tempos de um processo penal midiático.
Portanto, em tempos de pandemia do coronavírus, é preciso acender a luz do perigo da relativização das nulidades, afinal o processo penal tem o papel de limitar o poder punitivo Estatal. Logo, as normas processuais devem ser respeitadas ao extremo, é garantia aos cidadãos que são partes no processo. Dessa forma, a Suprema Corte brasileira que tem o papel de respeitar e cumprir as normas constitucionais de um processo penal democrático não pode ser um Tribunal com decisões antidemocráticas, autoritárias, ilegítimas e punitivista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
LOPES Junior. Aury. Direito Processual Penal.. ão Paulo: Saraiva, 10º Ed, 2013.
MOREIRA, Rômulo de Andrade. Uma crítica à teoria geral do processo. Florianópolis: Empório do Direito, 1º ed, 2015.
ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2º edição, 2014.
Alberto Ribeiro Mariano Júnior. Advogado Criminalista. Professor universitário. Sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm. Especialista em Direito do Estado pela UFBA. www.pmadvocacia.adv.br – [email protected] – Canal no Youtube: Prof. Alberto Mariano