O Vírus da Desigualdade - Os Impactos do Covid-19 na Vida da Mulher

14/05/2020 às 17:37
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Com as mudanças no estilo de vida impostas pela pandemia do novo coronavírus e todas as dificuldades de a fim de equilibrar os cuidados da casa, dos filhos com o home office, as mulheres tem sido as mais afetadas.

A dificuldade em equilibrar os cuidados com os filhos, home office, a sobrecarga de trabalho doméstico, a exposição à violência e a vulnerabilidade econômica são aspectos intensificados pelo distanciamento social, e refletem a insistente e injusta desigualdade entre homens e mulheres.

A nova realidade vivenciada pela pandemia do novo coronavírus, mudou drasticamente, a dinâmica entre os familiares, o que acarretou na necessidade de profundas adaptações.  Como boa parte dos pais trabalham fora, o dia inteiro, seus filhos acabam passando parte do dia na escola, sendo o convívio dentro de casa, em família, bem menor. Agora, grande parte da rotina familiar, principalmente para aqueles pais e mães sujeitos ao trabalho remoto, passou a se concentrar dentro de casa.

E, este cenário de distanciamento impacta a cada membro da família de modo diferente, evidenciando um problema social histórico, caracterizado pela desigualdade entre homens e mulheres, em suas posições social e familiar.

O relatório “Mulheres no Centro da Luta Contra a Covid-19”, produzido pela ONU Mulheres, revela a maneira como estas, por todo o mundo, foram atingidas em suas rotinas, em virtude da pandemia provocada pelo novo Coronavírus.

De acordo com este relatório, divulgado em abril deste ano, a maioria das mulheres sofre com o aumento da violência doméstica, com o excesso da carga de trabalho causado pelo acúmulo das atividades domésticas e de home office; acompanha, de perto, a educação dos filhos, em vista do fechamento das  escolas e, ainda, em alguns casos, se vê encarregada de prestar assistência aos demais membros da família, principalmente, os idosos.

Neste contexto, temos, ainda, as “mães solo”, quais sejam, as chefes de família, que em sua esmagadora maioria contam, somente, com a ajuda de membros “externos” da família, no cuidado com seus filhos, como as avós, tias e etc. No contexto atual, esta ajuda já não se faz possível, ante as restrições impostas aos grupos de risco, por conta da idade.

O “novo normal” provocado pela pandemia de Covid-19, afeta às mulheres de modo mais intenso, uma vez que, em geral, são estas, as mulheres, encarregadas de todo o planejamento e o gerenciamento do cotidiano de casa, atendendo às necessidades e cuidados de saúde dos familiares, além da sobrecarga das tarefas domésticas, o que gera uma forte carga mental e emocional por conta da situação vivenciada e dos graves riscos de contágio.

Uma das maiores vulnerabilidades decorrentes da desigualdade de gênero, enfrentada pelas mulheres, é a violência doméstica. No seio de seu próprio lar, é onde se mostram mais frágeis, ficando expostas, constantemente, a elevados riscos contra a sua integridade física, quando não à própria vida, agravada, nestes dias sombrios, pelo stress que o longo período de distanciamento social, impõe, na convivência, diária com seu potencial agressor.

A quarentena intensifica, sob vários aspectos, a convivência familiar, de diversas formas, com um aumento exponencial das tensões. Nesse tempo de apreensão e incertezas, impostas pela pandemia, por vezes associadas ao consumo excessivo de álcool nesse período, contribui de forma nefasta, para o aumento das discussões entre os casais, desencadeando agressões de todos os tipos, seja da ordem física, psicológica, sexual, moral e até patrimonial.

Segundo estatísticas obtidas junto à Polícia Militar, houve um aumento de 45% no atendimento às mulheres vítimas de violência, no Estado de São Paulo, desde o início da implementação das medidas de distanciamento social. Lamentavelmente, os casos de feminicídio, tiveram um incremento superior a 46%. Por outro lado, os dados fornecidos pelo serviço “Disque 180”, mostraram, um aumento de, apenas, 9% nas denúncias de violência contra a mulher.

A ONU Mulheres elaborou um alerta sobre o aumento da violência doméstica em diversos países do mundo. Por sua vez, a OMS estima que uma em cada três mulheres no mundo, já sofreram violência de gênero, em sua maioria, praticada por um parceiro íntimo. Para estas mulheres, ficar em casa a fim de conter a disseminação do vírus não as afasta do risco à sua saúde, à sua integridade ou à sua vida.

Na China, a hashtag #ContraViolênciaDomésticaDuranteEpidemia tem sido usada, por milhares de vezes, numa rede social local a fim de compartilhar denúncias de vítimas ou testemunhas. Em outros países, como no Reino Unido, as autoridades já se preparam para um aumento no número de agressões durante este período.

A redução nos registros de ocorrências de violência doméstica não reflete, necessariamente, em uma queda real dos episódios, devido à endêmica subnotificação e até ao silenciamento dos casos. O medo de contrair o novo coronavírus, acabou intimidando estas vítimas de procurar as Autoridades a fim de denunciar as agressões. Tal fato tem contribuído para a produção de uma multidão de vítimas caladas e cansadas de sofrerem abusos de toda forma. Faz-se necessário uma medida de conscientização, pela qual, se possa estimular as vítimas a realizar as denúncias para que todo este absurdo e abuso possa ser domado e, finalmente, extinto.

Os Governos de alguns Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal, mantém suas Delegacias de Defesa da Mulher, em serviço contínuo, com equipes de plantão, 24 horas por dia. Nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, as denúncias de violência doméstica que não exijam o colhimento de provas, de imediato, como os exames de corpo de delito, podem ser feitas por meio virtual, através do Boletim de Ocorrência Eletrônico.

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Além disso, em São Paulo foram criadas, no dia 31 de maço deste ano, por força da Lei Estadual nº 17.260/2020, as chamadas “Patrulhas Maria da Penha”, operacionalizadas em conjunto pelas Polícias Civil e Militar, com a função de monitoramento das mulheres vítimas de violência doméstica.

Outras providências foram adotadas, por exemplo, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, com o objetivo de aumentar a celeridade no atendimento destes casos, em casos de concessão de medidas protetivas em caráter de urgência sem a apresentação de Boletim de Ocorrência por parte da vítima, e a possibilidade de sua intimação, por Whatsapp, no caso do deferimento destas medidas.

O relatório da ONU Mulheres divulgado no final de março de 2020, intitulado "Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19", estima que com o isolamento, os índices de violência doméstica e feminicídio têm aumentado no mundo, uma vez que as mulheres encontram-se confinadas com seus agressores, em suas casas, e, consequentemente distantes do ciclo social, fatores, estes que elevam os riscos de ocorrências de agressão de todo tipo.

Assim, podemos verificar a necessidade de ação, tanto dos profissionais do Direito, quanto de políticos e demais agentes públicos, no sentido de elaborar os meios eficazes de minimizar e extinguir este comportamento abominável, garantindo às vítimas o instrumental necessário à reconstrução de suas vidas, primando-se pela realização de políticas de salvaguarda do princípio da dignidade humana.

Os tempos presentes, se mostram de forma muito dura e tenebrosa. Mais difícil, ainda, se faz para a mulher, desconsiderada em sua capacidade profissional, em seu poder transformador ou em sua importância para a sobrevivência da sociedade.

Na verdade, já passou da hora de buscarmos meios concretos de respeito. A violência não pode ser tolerada, em nenhum momento, ainda mais, agora, em que a vida de todos nós, se encontra diante de um abismo profundo, de incertezas, de medos e angústias, diante de tão cruel pandemia.

Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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