A ilegalidade das deliberações 185 e 186 do Contran

14/05/2020 às 18:47
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Uma Deliberação editada pelo CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) tem o poder de alterar regras contidas em uma Lei Federal?

O vírus da COVID-19 impactou diretamente as relações e as interações humanas afetando vários direitos, inclusive o direito de ir e vir das pessoas, gerando problemas em diversas áreas jurídicas e não jurídicas.

Uma das áreas impactadas pelo vírus foram os serviços relacionados ao trânsito, pois com os DETRAN´s e outras entidades públicas e privadas prestadoras de serviços afetos ao trânsito fechados ou parcialmente em funcionamento, a população não pode fazer uso dos serviços oferecidos por esses órgãos, logo sendo prejudicada.

Por conta dessa situação caótica e visando diminuir os prejuízos causados por essa pandemia, o CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) editou duas Deliberações a 185 e a 186.

A Deliberação 185 dispôs sobre a ampliação e a interrupção de prazos de processos e de procedimentos afetos ao trânsito. Já a 186 trata do procedimento de expedição das notificações de autuação e de penalidade, enquanto perdurar a interrupção dos prazos previstos na Deliberação 185.

A deliberação é um dos instrumentos utilizados pelo CONTRAN para se manifestar acerca de alguma matéria. Para tanto, a edição de tal ato normativo tem como característica predominante a urgência e o relevante interesse público e estando presentes esses requisitos, o Presidente do CONTRAN poderá editá-la“ad referendum”, ou seja, sem prévia submissão ao colegiado.

Não temos como negar que a crise sanitária que se instaurou em todo o mundo, inclusive no Brasil, fazendo com que diversos órgãos e empresas fossem fechados por conta da quarentena, já caracteriza a urgência e o relevante interesse público, requisitos estes que validam a edição das duas Deliberações pelo Presidente do CONTRAN.

Todavia, não podemos deixar de questionar a validade desse ato normativo na modificação de algumas regras que estão previstas no CTB (Código de Trânsito Brasileiro), que é uma Lei Federal e, portanto, só podendo, as regras contidas em seu bojo, serem alteradas por meio da edição de uma Medida Provisória ou de uma Lei Federal.

Posto isto, destacamos o artigo 4º da Deliberação 185, do CONTRAN, que trata da interrupção, por tempo indeterminado, do prazo para a apresentação do real infrator, tal interrupção não poderia ser objeto de modificação por esse ato infralegal, uma vez que o prazo para indicação do condutor, que são de 15 dias, encontra-se expresso no artigo 257, parágrafo 7º, do CTB.

O mesmo ocorre com o artigo 5º, inciso I, da referida Deliberação, que para fins de fiscalização interrompeu, por tempo indeterminado, os prazos para a realização do serviço de transferência de propriedade de veículos adquiridos, desde 19/02/2020. Sobre essa situação, é importante destacarmos que o CTB prevê que o prazo para realizar a transferência de propriedade, de qualquer veículo, são de 30 dias e que sendo descumprido, o proprietário incorrerá em uma infração administrativa de natureza grave, conforme o artigo 233, do CTB.

Nessa mesma linha, compreendemos que a Deliberação 186, do CONTRAN também afrontou o que prevê o Código de Trânsito, pois o artigo 281, parágrafo único, inciso II, do CTB é bem incisivo quando versa que o auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente, se no prazo máximo de 30 dias, não for expedida a notificação de autuação.

Nesse sentido, percebemos claramente que o CONTRAN, com a edição dessas duas Deliberações, acabou por legislar acerca da interrupção de prazos que estão contidos em uma Lei Federal e que só poderiam ser alterados ou pela edição de uma Medida Provisória, ou  mediante uma nova Lei Federal, como explicado anteriormente.

É válido ressaltar que, o próprio CTB em seu artigo 12 nos apresenta, expressamente, as competências do CONTRAN, que por ser um órgão normativo será responsável por regulamentar as normas contidas no Código de Trânsito Brasileiro e não criá-las, pois esse órgão não possui poderes legislativos para inovar no ordenamento jurídico brasileiro. Logo, não é errado afirmar que a edição dos artigos 4º e 5º, inciso I, da Deliberação 185, bem como a Deliberação 186, ambas do CONTRAN são irregulares, justamente pelo órgão ter extrapolado o limite de sua competência.

Com base nisso, a 1ª Vara Federal Civil do Distrito Federal, entendeu que os efeitos dos artigos 4º e 5º, inciso I, da Deliberação 185, bem como a Deliberação 186 devem ser suspensos, pois, as regras constantes neles não poderiam ser alteradas por uma norma infralegal, ainda que presentes a urgência e o relevante interesse público.

Ainda sobre o tema, é importante destacar que tal decisão não tem efeitos “erga omnes”, ou seja, a suspensão dos efeitos das deliberações não atingem todos os órgãos, mas tão somente o órgão de trânsito de Ribeirão Preto que impetrou o mandado de segurança. Porém, nada obsta que outros órgãos de trânsito requeiram a suspensão dos mesmos dispositivos junto ao judiciário.

No tocante, à interrupção dos demais prazos contidos na Deliberação 185, do CONTRAN, que tratam da defesa prévia, recursos à JARI e do prazo para conclusão do processo de habilitação permanecem vigentes, tendo em vista que foi o próprio CONTRAN que regulamentou esses prazos, através de suas Resoluções e, portanto, podendo por ele ser modificados.

Sobre a autora
Daniele Castro

Especialista em Direito e Processo Tributário. Especialista em Direito de Trânsito. Membro da Comissão de Estudos Tributários - OAB/SE. Membro da Comissão de Trânsito e Mobilidade Urbana - OAB/SE. Conselheira do Conselho Estadual da Jovem Advocacia (CEJA) - OAB/SE. Sócia Fundadora do Escritório Castro Advocacia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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