O FUNCIONAMENTO DAS ACADEMIAS DE ESPORTES NAS CIDADES DURANTE A PANDEMIA

15/05/2020 às 10:29
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A POSSIBILIDADE DE FUNCIONAMENTO DE ACADEMIAS DE ESPORTE DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19.

O FUNCIONAMENTO DAS ACADEMIAS DE ESPORTES NAS CIDADES DURANTE A PANDEMIA

Rogério Tadeu Romano

 

I – O FATO

Governos de 13 estados e do Distrito Federal (DF) se posicionaram contra a inclusão das atividades de salões de beleza, barbearias e academias de esportes na lista de "serviços essenciais", conforme decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro e publicado em edição extra do "Diário Oficial da União"

Ainda segundo informações de ‘O Globo’, Bolsonaro sequer consultou o seu ministro da saúde, Nelson Teich, pelo a nova atividade que seria considerada essencial. Ao ser questionado pelo decreto de Bolsonaro, Teich foi enfático e disse que o assunto não foi debatido em sua pasta.

Surpreendido pela informação, o ministro da saúde foi informado pelos próprios jornalistas enquanto concedia uma entrevista coletiva nesta segunda. Separando a decisão e alegando a unilateralidade da medida, Teich disse que a medida não foi atribuída do ministério.

.Em todos estes 13 estados e no Distrito Federal, as três atividades já estavam fechadas — e assim permanecerão, obedecendo decretos estaduais. Veja a lista:

Além deles, Espirito Santo e Rio Grande do Norte afirmaram que não abrirão academias de esporte, mas salões de beleza e barbearias já estavam e continuarão em funcionamento.

Em Santa Catarina, as três atividades já estavam liberadas por determinação do governo do estado. O Rio Grande do Sul também já havia liberado as três atividades, desde que respeitada restrições de "distanciamento controlado" — a exceção é a região de Lajeado (que engloba 37 cidades), que não pode abrir salões, barbearias e academias.

Tanto o governo de Minas Gerais quanto o do Tocantins afirmaram que a liberação ou proibição das atividades são definidas pelos municípios.

II – A COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE AS UNIDADES FEDERATIVAS QUANTO A SAÚDE E O PAPEL DO MUNICÍPIO

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;

(Revogado)

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Sobre tal já decidiu o STF:

É o caso da Súmula Vinculante 38: "Competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial." No caso, verifico que a competência para disciplinar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais é do município, tendo em vista o que dispõe o art. 30, I, da CF/1988. Esta Corte já possui entendimento assentado nesse sentido, consolidado no enunciado da Súmula 645/STF: “É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”. (...) deve-se entender como interesse local, no presente contexto, aquele inerente às necessidades imediatas do Município, mesmo que possua reflexos no interesse regional ou geral. Dessa forma, não compete aos Estados a disciplina do horário das atividades de estabelecimento comercial, pois se trata de interesse local. [ADI 3.691, voto do rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 29-8-2007, DJE 83 de 9-5-2008.]

"Está claramente definido no art. 30, I, da CF/1988 que o Município tem competência para legislar sobre assuntos de interesse local. (...) 8. Entre as várias competências compreendidas na esfera legislativa do Município, sem dúvida estão aquelas que dizem respeito diretamente ao comércio, com a consequente liberação de alvarás de licença de instalação e a imposição de horário de funcionamento, daí parecer-me atual e em plena vigência, aplicável inclusive ao caso presente, a Súmula 419 desta Corte, que já assentara que “os Municípios têm competência para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas”. [RE 189.170, voto do rel. min. Marco Aurélio, P, j. 1º-2-2001, DJ de 8-8-2003.]

Competência do Município para legislar sobre interesse local e restrição ao princípio da livre iniciativaO Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 907, Rel. Min. Alexandre de Moraes, cujo acórdão coube a minha relatoria, entendeu que viola o princípio da livre iniciativa – art. 107, IV, da CF/1988 – a obrigatoriedade de exigir que os supermercados e estabelecimentos do gênero ofereçam serviço de empacotamento das compras. (...) O acórdão proferido pelo Tribunal de origem divergiu desta orientação, pois entendeu ser constitucional a obrigatoriedade de oferecimento desse serviço, considerando inconstitucional apenas a obrigatoriedade de contratar empacotadores. Nesse sentido confira-se o RE 822.264, Rel. Min. Dias Toffoli, que declarou a inconstitucionalidade da Lei 9.770, de 24 de outubro de 2011, do Município de Sorocaba, que tornava obrigatória a instalação de serviço ambulatorial, contando com, no mínimo, um enfermeiro, destinado ao primeiro atendimento de clientes e funcionários, nos shoppings e hipermercados do município. Nesse ponto, o recurso merece provimento.
[RE 402.136, rel. min. Roberto Barroso, dec. monocrática, j. 25-4-2018, DJE 84 de 2-5-2018.]

Sobre a matéria disse o ministro Carlos Velloso, no AI-AgR n° 481.886:

"Ora, a fixação do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, situados no território do Município, é da competência deste, dado que se constitui em matéria ou assunto de interesse local (C.F., art. 30, I). Destarte, a legislação local, que assim disponha, desde que o faça de forma razoável, tem legitimidade constitucional. Assim procedendo, a legislação municipal não causa ofensa aos dispositivos inscritos no art. 170, IV, (livre concorrência), V (defesa do consumidor) e VIII (busca do pleno emprego), dado que esses princípios devem ser visualizados no sistema da Carta. Haveria ofensa ao princípio da livre concorrência se a legislação proibisse para uns o funcionamento num certo horário e facultasse para outros. Isto, evidentemente não ocorre, no caso. É dizer, o horário de funcionamento é para todos os estabelecimentos comerciais. Os princípios de defesa do consumidor e busca do pleno emprego , (C.F., art. 170, V, art. 5o, XXXII) (C.F., art. 170, VIII), por sua vez, devem conviver com o poder de polícia exercido pelo Município, que tem por finalidade o interesse coletivo. No caso, interfere o interesse de parcela da comunidade, que são os empregados dos estabelecimentos, com direito ao descanso. De outro lado, a busca do pleno emprego não e faz desordenadamente.

A alegação no sentido de que a legislação municipal, no ponto, é atentatória ao princípio da isonomia □ C.F., art. 5o, caput, não é razoável, dado que o horário estabelecido atinge a todos e não apenas a alguns comerciantes. Não há invocar, no ponto, o horário de funcionamento de lojas situadas em "shopping-centers' , dado que essas lojas não se igualam, em termos de localização, às lojas situadas nas vias públicas. Ora, o princípio da igualdade se realiza na medida em que desiguais são tratados com desigualdade e iguais com igualdade." (AI(AgR) n° 481.886-SP, 2ª T., unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 1.4.2005).

Dir-se-á que há competência concorrente entre a União, o Distrito Federal, os Estados e Municípios para disciplinar sobre tema de saúde pública.

Observo o artigo 23 da Constituição:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

.......

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Nessa linha de pensamento trago a elucidativa lição de Dalmo Dallari (Normas gerais sobre saúde: cabimento e limitações:

“No caso da Constituição brasileira de 1988 pode-se dizer que, em linhas gerais, mesmo sem atribuir superioridade à União sobre as unidades federadas, foram estabelecidos critérios que dão ao Legislativo federal a competência para legislar quando se considera conveniente uma disciplina legislativa uniforme para toda a Federação, o que implica certa centralização. Entretanto, não foi esquecida a hipótese de competência concorrente, ou seja, competência que não é exclusiva da União, além de se ter reconhecido que em determinados casos a competência pode ser exclusiva dos Estados ou dos Municípios. Para conhecimento do assunto, convém começar examinando a competência legislativa da União.

No artigo 22 são enumeradas as matérias sobre as quais a União tem competência para legislar com exclusividade, ficando, portanto, eliminada a hipótese de legislação estadual ou municipal sobre tais matérias. Abre-se apenas uma possibilidade de exceção, através do parágrafo único acrescentado a esse artigo, dispondo que através de lei complementar a União poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas nesse artigo. O artigo 24 faz a enumeração de matérias sobre as quais a União, os Estados e o Distrito Federal poderão legislar concorrentemente, tendo-se acrescentado alguns parágrafos a esse artigo fixando regras visando prevenir o risco de conflitos que poderiam decorrer da hipótese de haver lei federal e outra dispondo sobre o mesmo assunto. É muito importante o conhecimento dessas regras, sobretudo pelo fato de que a Constituição contém, no artigo 23, uma longa enumeração de matérias que são de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Como é óbvio, aquele que é competente para cuidar de certa matéria será, forçosamente, obrigado a legislar sobre ela, pois toda participação do poder público deve ocorrer nos quadros da lei.

De acordo com o disposto no § 1º, quando se tratar de matéria em que a competência legislativa é concorrente a União somente poderá estabelecer normas gerais, deixando aos demais a legislação sobre pontos específicos. Evidentemente, nesse caso a legislação que tratar de aspectos especiais não poderá contrariar as normas gerais estabelecidas pela União. O § 2o. confere aos Estados uma competência suplementar para legislar sobre as matérias que tiverem sido objeto de norma geral federal e o § 3o. dá aos Estados competência legislativa plena para legislar sobre as matérias que não tiverem sido objeto de norma geral federal. Neste caso, entretanto, dispõe o § 4º que sobrevindo uma norma geral federal a lei estadual já existente que lhe for contrária terá suspensa sua eficácia, passando-se a aplicar a regra do § 1º.”

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Ora, a competência das União Federal de estabelecer normas gerais retira a competência dos Municípios de legislar sobre matéria de seu estrito interesse, sob a via do decreto?

Penso que não.

Os Municípios estão legitimados para tratar do tema saúde, de forma concorrente, e em sentido de seu interesse especial.

III – O LIMITE DAS NORMAS DA CIÊNCIA E DAS RECOMENDAÇÕES DA OMS 

Qual o limite? Certamente a razoabilidade.

O Município deverá agir dentro do estrito necessário que é ministrado para a ciência em matéria de saúde. Seguirá as recomendações da Organização Mundial de Saúde, para tanto.

São, portanto, normas de direito internacional público, em grau de acordos internacionais, que se sobrepõem às normas municipais, por óbvio.

Em 1948, a OMS assumiu a responsabilidade pela Classificação Internacional de Doenças, que se tornou o padrão internacional para fins clínicos e epidemiológicos. Entre 1952 e 1964, os esforços da OMS já haviam reduzido a prevalência global de bouba – deficiência física que afligia cerca de 50 milhões de pessoas em 1950 – em mais de 95%. Entre 1967 e 1979, os esforços da OMS levaram à erradicação da varíola – única vez em que uma das principais doenças infecciosas foi completamente erradicada."

O organismo baseia suas ações no Regulamento Sanitário Internacional (IHR, na sigla em inglês), um documento de normas do direito internacional para a área da saúde que deve ser seguido por todos os 196 membros da OMS – o Brasil, inclusive. Existem certas obrigações da cartilha do IHR que as nações têm que seguir, por exemplo, emitir notificações sobre todos os eventos de saúde que aconteçam em seus território e que possam representar uma “emergência de saúde pública de interesse internacional”.

Assim qualquer atuação contrária do Município às regras da OMS levará a sua contrariedade ao sistema jurídico.

Para Hildebrando Accioly (Tratado de direito internacional público, volume I, pág. 547),

“como compromissos assumidos pelo Estado em suas relações com outros Estados, eles (os tratados) devem ser colocados em plano superior ao das leis internas dos que os celebram. Assim (...) eles revogam as leis anteriores, que lhes sejam contrárias; as leis posteriores não devem estar em contradição com as regras ou princípios por eles estabelecidos; e, finalmente, qualquer lei interna com eles relacionada deve ser interpretada, tanto quanto possível, de acordo com o direito convencional anterior.”

“É uma boa medida de distanciamento social. Não é bom que tenhamos muitas pessoas ofegantes em um ambiente fechado, compartilhando os mesmos aparelhos”, argumenta o virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP). Como se propaga por gotículas respiratórias e pode contaminar halteres, equipamentos e vestiários, o vírus de fato pode se aproveitar das salas de ginástica para se disseminar.

Em outras palavras, diante da pandemia, o ideal é evitarmos esses ambientes, inclusive em outras regiões do Brasil.

Os motivos para se evitar a academia seriam diversos: são locais que recebem muita gente, principalmente em horário de pico; são ambientes fechados e possuem máquinas e itens (como pesos e colchonetes) que têm constante contato humano ― e, muitos deles, bem suados.

“Todo lugar que tiver bastante gente é um local de risco”, alerta o infectologista João Prats, da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Tudo isso se diz diante do absurdo, uma inconfidência, dita pelo próprio ministro da saúde, quando informado do fato, que não tinha conhecimento do decreto que permitiu o funcionamento de academias de ginástica.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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