Mensalidade escolar em tempos de coronavírus: Uma abordagem jurídica, social e econômica.

15/05/2020 às 16:35
Leia nesta página:

Por Dr. Pablo Hertz Bruzzone Leal, Sócio e Advogado do MLA – Miranda Lima Advogados e Dra. Aline Afonso Silva da Rocha, Advogada do MLA – Miranda Lima Advogados.

Diante da necessidade de isolamento social ocasionada pela pandemia do Coronavírus, a educação mundial foi fortemente impactada com o compulsório fechamento provisório das instituições de ensino, sendo necessário que os países adotassem medidas, dentre elas, se valer das tecnologias para que os alunos não fiquem sem aprender.

No Brasil, país que não tinha experiência com educação de emergência de massa, o MEC autorizou as redes de ensino superior a substituírem as aulas presenciais por online, podendo-se perceber um abismo entre as instituições públicas e privadas, pois, enquanto estas estão investindo em plataformas online para que os seus alunos tenham aulas ao vivo, aquelas, tanto em nível federal quanto estadual, suspenderam as aulas enquanto durar a pandemia.

Na educação básica, a Lei de Diretrizes e Bases autoriza o ensino médio a ter até 20% das suas aulas à distância, em cursos diurnos, e o fundamental, apenas em casos de emergência. Enquanto Estados e Municípios estão fazendo parcerias para fornecer plataformas online e teleaulas, as escolas particulares estão tendo que realizar fortes investimentos para adquirir licença de uso de softwares e instalação de equipamentos tecnológicos para garantir a manutenção das aulas durante a pandemia.

Não obstante as aulas online estarem contando como dias letivos, que, inclusive, foram flexibilizados, neste ano, através da Medida Provisória 934, muito tem se questionado quanto a cobrança de mensalidades escolares no valor integral durante a pandemia. A pressão dos pais para ter redução nas mensalidades ganhou força depois que um colégio em São Paulo, Saint Paul´s, que possui uma das mensalidades mais altas do Estado (entre R$ 6.700,00 a R$ 8.500,00), concedeu desconto de 30%, durante a pandemia.

De acordo com o diretor da Associação de Escolas Particulares – ABEPAR, Arthur Fonseca Filho, o perfil de escolas como a Saint Paul´s é diferente das demais, uma vez que estas possuem aulas em período integral e investem em segurança privada e alimentação dos alunos, custos que podem ser cortados durante a suspensão de aulas presenciais e repassados como forma de desconto aos pais, ao contrário daqueles que atendem a classe média alta e tiveram um aumento de custos para implementar atividades à distância.

O Presidente da Federação Nacional de Escolas Particulares – FENEP, Ademar Pereira, aduziu que aplicar a redução na mensalidade escolar a toda rede particular irá corroborar com a crise econômica, ante a consequente demissão de professores e fechamento das portas de muitas escolas que já sofrerão com a alta na inadimplência.

A Secretaria Nacional do Consumidor – SENACON recomendou que seja evitado pedir descontos às instituições de ensino durante a pandemia, uma vez que estas já fizeram a programação orçamentária anual, o que poderá impactar no pagamento dos salários dos professores e do aluguel, como é o caso do Colégio São Domingos, em Perdizes – SP, que enviou carta aos pais informando que 90% da sua receita mensal é para o pagamento dos salários de professores e funcionários.

Neste sentido, o Procon – RJ elaborou cartilha sobre como ficam os contratos educacionais durante a pandemia e orienta que não é cabível o desconto nas mensalidades se as aulas estão sendo oferecidas na modalidade online ou serão repostas presencialmente após o controle do contágio, salvo no caso de prestação de serviços acessórios.

Não obstante, foram protocolados na Câmara dos Deputados, no Senado e, em pelo menos 11 Estados do país, dentre eles, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Distrito Federal, Bahia e Pará projetos de lei com o escopo de reduzir as mensalidades escolares, num percentual entre 10% a 50%, durante a pandemia. A intenção do projeto de lei é auxiliar os pais de alunos que estão impossibilitados de trabalhar com o isolamento social.

Os projetos de lei foram aprovados no Rio de Janeiro e no Distrito Federal para reduzir as mensalidades de instituições de ensino fundamental e médio da rede privada em, no mínimo, 30% e 50%, respectivamente, durante a pandemia. Contudo, de acordo com o Ministério Público Federal do Distrito Federal e com o Sindicato das Escolas Particulares do Espírito Santo, tais projetos de lei estaduais são inconstitucionais, tendo em vista ser competência da União legislar sobre política de preços e condições contratuais de instituições privadas de ensino.

Além da questão da constitucionalidade formal das referidas normas, por vício de competência, há, ainda, questionamento muito pertinente sobre a constitucionalidade material de tal intervenção na atividade econômica, notadamente diante da ausência de um incentivo correlato que possa equilibrar os contratos e evitar a inviabilização de diversas instituições de ensino privado.

Os eventos de força maior, como a pandemia do coronavírus, são uma excludente de responsabilidade (CC, art. 393) e, em tese, eventuais prejuízos dela decorrentes não deveriam recair sobre a instituição de ensino privado, que, inclusive, no caso concreto, também sofrerá os impactos negativo            s do evento, não podendo se eximir de suas obrigações financeiras além de precisar de recursos para adequar a sua operação para uma nova realidade.

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Certamente o tema relativo às mensalidades escolares ainda atrairá muita discussão pela sua relevância econômica e social, sendo certo que as instituições de ensino brasileiras terão muitos desafios seja com seus clientes ou seja com o poder público para sobreviver a esse momento crítico que a nossa sociedade está enfrentando.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • É justo ou não pedir desconto na mensalidade escolar agora? Veja argumentos... - Veja mais em https://educacao.uol.com.br/noticias/2020/04/09/e-justo-diminuir mensalidade-na-quarentena-veja-argumentos-pro-e-contra.htm?cmpid=copiaecola. Disponível em https://educacao.uol.com.br/noticias/2020/04/09/e-justo-diminuir-mensalidade-na-quarentena-veja-argumentos-pro-e-contra.htm. Acesso em 15 de abril de 2020.
  • Onze estados têm projetos para obrigar desconto em mensalidades escolares. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/onze-estados-tem-projetos-para-obrigar-desconto-em-mensalidades-escolares.shtml. Acesso em 15 de abril de 2020.
  • Desconto em escola de elite leva pais a pressionarem outros colégios por redução. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/desconto-em-escola-de-elite-leva-pais-a-pressionarem-outros-colegios-por-reducao.shtml. Acesso em 15 de abril de 2020.
  • Veja como fica a cobrança das escolas durante a quarentena do coronavírus. Disponível em https://agora.folha.uol.com.br/grana/2020/04/veja-como-fica-a-cobranca-das-escolas-durante-a-quarentena-do-coronavirus.shtml. Acesso em 15 de abril de 2020.
  • Senacon orienta consumidor a não pedir devolução de mensalidades. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-03/senacon-orienta-consumidor-sobre-mensalidades-escolares. Acesso em 15 de abril de 2020.
  • Procon-RJ cria cartilha sobre os direitos do consumidor durante a suspensão das aulas Disponível em http://www.procon.rj.gov.br/index.php/publicacao/detalhar/4465. Acesso em 15 de abril de 2020.
  • Para MPDFT, lei sobre redução de mensalidades é inconstitucional. Disponível em https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/para-mpdft-lei-sobre-reducao-de-mensalidades-e-inconstitucional/. Acesso em 15 de abril de 2020.
  • Projeto para reduzir mensalidade é inconstitucional, afirmam advogado e Sinepe. Disponível em https://tribunaonline.com.br/projeto-para-reduzir-mensalidade-e-inconstitucional-afirmam-advogado-e-sinepe. Acesso em 15 de abril de 2020.
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