A cada dia que passa as empresas têm compreendido a importância de se adotar uma governança corporativa que, dentre outras coisas, está relacionada com a busca de uma estabilidade e a manutenção de seu valor de mercado, projetando-a para o futuro, isto é, para além das pessoas que atualmente as administra.
Neste sentido, os conceitos de inclusão e diversidade estão cada vez mais valorizados no ambiente corporativo. Por isso, é fundamental que as empresas desenvolvam processos técnicos e de gestão de riscos para diagnosticar os conflitos relacionados à diversidade racial, de gênero, de orientação sexual, dentre outros.
Assim, a elaboração de um compliance antidiscrimitório permite, em primeiro lugar, que as pessoas sejam efetivamente respeitadas em seu ambiente de trabalho, com um tratamento que prestigie sua dignidade humana, enquanto pessoa e trabalhador.
Além disto, também permite detectar que as empresas que não adotam controle de condutas preconceituosas e discriminatórias perdem competitividade, pois deixam de recrutar e promover as melhores pessoas, visto que acabam dispensando-as com base em critérios equivocados.
Noutras palavras, a empresa literalmente perde talentos e vilipendia a sua imagem que, num mundo globalizado e com a velocidade das comunicações nas redes sociais (instragram, facebook), pode resultar num boicote de clientes e, no final das contas, acarretará numa perda de receita em seus orçamentos.
Indispensável, portanto, estruturar um compliance antidiscriminatório como uma ferramenta de gestão destes riscos que vai permitir às empresas à solidificação de sua governança corporativa e o integral respeito da dignidade do seu funcionário, enquanto ser humano.
Fundamento jurídico
O direito à não discriminação está previsto em nossa Constituição Federal, conforme se depreende do seu próprio “Preâmbulo” que determina a missão de garantir a todos a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Aliás, logo em seu art. 1º - em que constam os princípios fundamentais da República – está disposto que a Constituição Federal está fundamentada na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho.
Com o mesmo arrimo, prevê em seu art. 3º, inciso IV, que constituem objetivos fundamentais da República, dentre outros, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Não é demais recordar também que o art. 5º, caput, da Constituição Federal assegura que todos são iguais perante à lei, de modo que tal garantia fundamental não pode ser assimilada apenas em sua concepção meramente formal.
Não raras vezes o postulado da igualdade exige um compromisso hermenêutico para a sua efetiva concretização, em prestígio à clássica concepção aristotélica de igualdade, qual seja: “tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente na medida de sua desigualdade (ações afirmativas/discriminações positivas).
Também merece ser trazido à baila o fato de que o trabalho constitui um importante direito social (art. 6º da CF), porque dignifica a pessoa. Inegavelmente, o direito ao trabalho representa um instrumento de emancipação social.
Não à toa a ordem econômica está alicerçada na valorização do trabalho humano que tem por finalidade justamente assegurar a todos existência digna (art. 170 da CF).
No plano infraconstitucional, é possível destacar a Lei Federal n.º 9.029/95 que, em linha de princípio, proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros.
Há que se destacar ainda uma consequência deletéria para a própria saúde financeira da empresa que incorra em práticas discriminatórias, uma vez que será possível a proibição de empréstimos ou financiamentos junto a instituições financeiras oficias (art. 3º, II, da Lei n.º 9.029/95).
Não menos importante é a recordação da Lei Federal n.º 12.888/2010 que instituiu o chamado Estatuto da Igualdade Racial, o qual, em seu artigo 38, determina a implementação de algumas políticas públicas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho.
Já na seara internacional, indispensável a recordação às Convenções n.ºs 100 e 111 da Organização Internacional do Trabalho que tem por finalidade combater qualquer modalidade de discriminação nas relações de trabalho.
Além do mais, é de se recordar a importância das supramencionadas convenções acima, já que estão inseridas dentro das chamadas “core obligations”, isto é, dentro do núcleo duro da Declaração de Princípios Fundamentais de 1998 da Organização Internacional do Trabalho.
No mesmo sentido dispõe o art. 7º da Declaração Universal de Direitos Humanos afirmando que todos são iguais perante à lei, sem qualquer distinção, com igual direito de proteção contra qualquer discriminação. Mantendo o mesmo arrimo, dispõe a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) em seus arts. 1º e 24 a proibição da discriminação.
Impossível nos esquecer no campo dos direitos humanos relativos à orientação sexual e à identidade de gênero da importância das determinações previstas nos Princípios de Yogyakarta (2006).
Outrossim, é verdade que o empregador possui a prerrogativa de organizar os seus fatores de produção e assumir os riscos de seu negócio (princípio da alteridade), tendo para si o exercício de seu poder diretivo.
Há situações, inclusive, em que as exigências do patrão guardam limites com os padrões de razoabilidade e proporcionalidade, encaixando-se no conceito das “discriminações lícitas” ou, nos termos do art. 2º da Convenção n.º 111 da OIT, as chamadas qualificações ocupacionais de boa-fé.
Assim, as exigências feitas pelo empregador devem guardar um liame de razoabilidade com a finalidade do cargo, sob pena de tais imposições representarem um instrumento de discriminação injustificada.
Neste aspecto, vale a pena recordar, por fim, a chamada Teoria do impacto desproporcional, em que as exigências feitas pelo empregador não guardam nenhuma relação de proporcionalidade com as finalidades do cargo. A teoria do impacto desproporcional é oriunda da experiência da Suprema Corte dos EUA no caso Grigs vs. Duke Power Co. e foi aplicada em hipóteses de discriminação indireta, caracterizadas por práticas formalmente “lícitas”, mas que – em sua essência – eram geradoras de efeitos práticos discriminatórios.